Estão fechados em pequenas jaulas, inalam fumos tóxicos, comem pesticidas e ainda são injetados químicos corrosivos nos seus olhos. A maioria não sobrevive, os restantes ficam com mazelas. Só nos Estados Unidos da América, 100 milhões de animais sofrem e morrem todos os dias devido aos testes com drogas e químicos – os mais comuns são os coelhos e os ratos.
A cosmética enfrenta um problema dramático: segundo o site do Parlamento Europeu, 80% dos países continua a permitir que sejam feitos testes em animais. O cenário é este, ainda que as marcas estejam cada vez mais conscientes da problemática e façam questão de fugir a esta prática.
A partir de julho deste ano, todos os produtos de cosmética produzidos pela Primark serão 100% cruelty free, com selo certificado. Isto inclui maquilhagem, cuidados de rosto e de cabelo. A marca irlandesa deu um gigantesco passo na indústria da beleza e nós assistimos a tudo ao vivo. A Saber Viver esteve em Madrid, onde pode ouvir e falar com Michelle Thew, CEO da Cruelty Free Internacional.
Este é apenas um exemplo entre muitas outras marcas que estão a fazer o seu caminho longe dos testes em animais. Afinal, o que é isto de cruelty free (ou CF, como é habitualmente referido)?
O mundo a mudar aos poucos, com produtos cruelty free
“Acho incrivelmente chocante que ainda se façam testes em animais,” afirma Michelle Thew no evento que anunciou a novidade da Primark. “As pessoas querem que isto seja uma prioridade e manifestam-se para isso. As estatísticas mostram que o público quer que isto acabe”, acrescenta.
Ainda que a produção destes produtos seja preocupante, a verdade é que há muitas marcas que já tomaram a decisão de não testar em animais. Na verdade, a Primark já não testava. A diferença é que agora recebeu a certificação da organização internacional que estará presente em todas as embalagens dos produtos CF, o selo Leaping Bunny.
O significado do selo Leaping Bunny
O selo é, assim, um símbolo de transparência e de confiança para que os consumidores que procuram estes produtos possam acreditar que são 100% testados com métodos alternativos. Isto depois, claro, de serem sujeitos a uma série de testes para garantir que não houve contacto com nenhum animal.
Além disso, o selo Leaping Bunny também garante que, além dos produtos não terem sido testados em animais, também não têm ingredientes de origem animal. São os chamados produtos vegan.
“A Primark não tem de mudar de fornecedor, exceto se ele quiser testar em animais”, esclarece a CEO que fala na mudança que as marcas têm de fazer para se tornarem cruelty free. Se, por acaso, algum produto tiver vestígios de ingredientes animal, então terá de ser reformulado.
De qualquer forma, a associação garante que olha sobretudo para o futuro. Ou seja, se uma marca já tiver antes testado em animais, não quer dizer que não possa receber o certificado. O importante é que toda a sua produção futura seja feita de forma ética e sem animais por perto.
Para isso, Michelle Thew assegura que está em constante diálogo com as marcas que quiserem pertencer a este grupo e que a organização acompanha sempre o seu processo de produção.
Podemos dormir descansados? Não. A ‘culpa’ é da China
A União Europeia proibiu, em 2013, que fossem feitos testes em animais na indústria da cosmética. Porém, ainda que tenha sido muito importante para o mundo da beleza, o problema maior reside no mercado oriental, em específico na China.
“O problema não é a produção na China. É vender lá”, explica Michelle Thew à Saber Viver. “O mercado chinês, com milhões de consumidores e com as classes médias a quererem adquirir produtos ocidentais, é muito atrativo para a cosmética. Isto porque cresce 10% todos os anos”, completa.
O problema está aqui: a lei chinesa exige que todos os produtos vendidos (e não necessariamente produzidos) no país sejam testados em animais. Isto significa que uma marca fora da China que não teste em animais, mas que queira entrar no mercado, tem de fazer os testes. Parece que é dar um passo atrás mas, na verdade, acontece.
No ano passado, a marca de cosmética NARS, que até à data não testava em animais, anunciou no seu Instagram que iria iniciar os testes em animais para entrar no mercado chinês. “Nós acreditamos firmemente que a segurança dos produtos e ingredientes podem ser alcançadas com métodos que não envolvam animais, mas temos de compactuar com as leis dos mercados onde operamos, incluindo a China”, escreveram.
A sinceridade foi a jogada da marca americana escolheu, mas ainda assim não foi poupada a criticas. O público não gostou desta decisão da NARS e demonstrou nas redes sociais o seu desagrado com a entrada no mercado chinês.
O interesse no mercado chinês é, de facto, muito. As marcas ocidentais são muito procuradas pelos consumidores chineses e por isto têm interesse em aceder rapidamente a este mercado. “Sabemos que quando estes consumidores viajam para fora da China querem comprar certas marcas e, claro, querem que estejam disponíveis no seu mercado também”.
Isto vai contra as regras da Cruelty Free Internacional. “Não podemos aprovar marcas que vendem na China. Esperemos que isto mude porque é um mercado demasiado grande para as marcas recusarem estar.”
As alternativas aos testes em animais
Há, agora, alternativas para escapar a estes testes. A CEO dá-nos duas:
• Usar combinações de ingredientes que já existem. “Há centenas de ingredientes em que está provado que são seguros e que já são usados no mercado”. Resumindo, as empresas podem escolher usar estes ingredientes, em vez de desenvolver novos. Isto faz com que se evitem testes desnecessários.
• Modelos de pele. “Estas são as novidades excitantes”, partilha Michelle Thew. Neste momento, já são desenvolvidos modelos de pele de seres humanos, reconstruídos em laboratório, para testar problemas como a irritação, por exemplo. Acaba por ser uma solução fiável e que descarta os ensaios em animais.
Pelo seu acesso fácil, os testes em animais pode parecer mais proveitoso para países como a China. Mas, a longo prazo, poderá não ser a opção mais barata.
Como explica Michelle, para as empresas adotarem estes métodos alternativos, é verdade que há sempre a necessidade de investir num período de transição. Mas a longo prazo, é mais barato.
“Os testes em animais não são mais baratos e são morosos: demoram-se meses a comprar animais, a ter um contrato de teste, a ter um local para fazê-los… Isto é um processo longo e muitas empresas querem parar com isto e nós queremos trabalhar com elas, para mudar os regulamentos para que os governos não o exijam mais”, esclarece Michelle Thew.
O caminho certo a par com um futuro incerto
O próximo passo da CEO da Cruelty Free International é ir às Nações Unidas discutir esta questão. Em 2017, a associação juntou-se à The Body Shop e criaram uma petição para acabar com os testes em animais em todo o mundo. O objetivo? Chegar aos oito milhões de assinaturas.
“Estou mais otimista agora do que estava até há cinco anos. Acho que algumas coisas estão a mudar isto: o consumo ético, o aumento do veganismo, a consciência social, as redes sociais e o facto da União Europeia ter proibidos os testes em animais na Europa acho que também incitou à mudança de muitos governos”, menciona.
Se tem dúvidas quanto às marcas que testam, ou não, em animais, há formas de o confirmar. No site da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), organização internacional que luta pelos direitos dos animais, pode encontrar uma lista de todas as marcas que têm o selo da organização. Pode também fazer a pesquisa no site da Cruelty Free International.
Há ainda uma lista que mostra as marcas que ainda testam em animais.
Foto de destaque: Montagem com imagens Primark
Está alerta para esta questão das marcas de cosmética cruelty free?