Sempre fui bastante peluda, e escrevo isto com confiança e vergonha em igual medida. Vergonha porque toda a vida os tentei esconder e livrar-me deles e confiança porque, ao contrário do que nos disseram toda a vida, há que assumir que ter pelos é apenas natural.
Lembro-me de quando tinha 12 anos ter pegado numa Gilette Venus da minha irmã mais velha e de a ter passado na minha perna, onde a penugem de pré-adolescente já se deixava ver. A minha mãe, em choque, deu-me na cabeça, dizendo que me iriam crescer mais pelos e muito mais fortes (quem nunca ouviu esta? E há outros mitos a esclarecer).
Mas, no fundo, eu estava mortinha por mais, por poder sentir a ‘sensação venus’ nas pernas: suave e sem pelos. Depilação significava para mim, naquela idade, um ritual de passagem: deixar de ser menina para ser mulher.
A depilação é uma luta vitalícia, imposta não se sabe muito bem por quem. Não deixei crescer os meus pelos corporais, nem acho que alguma vez o vá fazer, mas não deixa de ser interessante pensar no porquê. Sou eu que me condiciono a sentir-me melhor depilada ou é a sociedade que continua a projetar padrões de beleza inatingíveis?
Tentar encontrar uma resposta é como tentar resolver o problema da galinha e do ovo, sem descobrir bem ao certo quem é que nasceu primeiro. Mas a verdade é que a depilação é uma prática com milhares de anos que remota aos Egípcios e aos Gregos, que achavam que ter pelos púbicos era pouco civilizado. Uma tradição tão enraizada que hoje, em 2019, ainda a praticamos com cada vez mais oferta de produtos do que nunca.
Mulheres com “pelo na venta”
As icónicas fotos de Sophia Loren nos anos 60. Julia Roberts a usar um vestido vermelho, na estreia de Nothing Hill em 1999. Se olharmos com atenção, alguns pelos mais rebeldes sempre foram mediáticos. Raramente aceites como parte da mulher e muitas das vezes apontados como descuidos ou falta de higiene.
Ter pelos é apenas natural e parece que chegou a hora de deixar para trás a ideia de que as mulheres não os têm. É verdade, temos pelos, por todo o corpo, nuns sítios mais indesejados do que noutros, mas a verdade é que eles estão cá.
Negar isto parece parte da narrativa de uma sociedade que ainda se gere por padrões irrealistas e onde ainda temos que “esconder” ou “embelezar” coisas que fazem de nós mulheres, como é o caso do período ou dos pelos corporais.
Talvez se o diálogo à volta dos pelos femininos fosse outro, também a nossa relação com a depilação, e até com o nosso corpo, pudesse ser diferente, mais positiva ou até neutra.
Os padrões irrealistas
A publicidade de produtos de depilação são um excelente exemplo de como nossa imagem consegue ser fabricada e vendida de volta a nós mesmas. Anúncios a produtos que prometem livrar-nos dos tão indesejados pelos, com pernas super suaves e sem um único pelo à vista.
Mas o paradigma publicitário também está a mudar nesta área, com marcas como a Billie, por exemplo, a mostraram uma versão mais real do que é a depilação. Estas novas lâminas depilatórias prometem colocar as mulheres em primeiro plano, num mercado feito maioritariamente para homens.
“As marcas de lâminas sempre foram criadas para homens, o que explica porque é que ainda continuamos a pagar mais por lâminas para mulher e somos apelidadas de ‘deusas’ por nos depilarmos”, ler-se no site da marca.
Com cada vez mulheres a dizerem que não à depilação, grandes marcas como a Gilette Venus já estão a tentar mudar a narrativa, provavelmente ganhando consciência de que se têm de aproximar das mulheres.
Uma questão de escolha
Os mesmos meios que sempre nos mostraram pernas suaves agora mostram-nos celebridades que disseram adeus a esta panóplia de produtos. Em agosto, Emily Ratajkowski apareceu na Haper’s Bazaar americana, de braços ao alto revelando os seus pelos nas axilas.
“Eu gosto de me depilar, mas às vezes deixar que os meus pelos corporais cresçam é o que me faz sentir sexy“, conta na primeira pessoa. Num texto honesto, a modelo defende que todas as mulheres merecem ser tratadas com dignidade e respeito, independentemente de como se apresentam ao mundo.
“Se eu decidir depilar as minhas axilas ou deixar crescer, é comigo. Para mim, os pelos corporais são apenas mais uma oportunidade de as mulheres exerceram a sua escolha – uma escolha baseada em como se sentem e as suas próprias associações relativamente a terem pelos, ou não”.
Mostrar uma axila com pelos não tem que ser um gesto político ou alvo de escrutínio. Deve ser visto apenas como aquilo que é: natural. Um passo na normalização da nossa relação com o nosso corpo.
Apesar de não achar que alguma vez vá prescindir da minha depilação, este movimento faz-me sentir melhor com o meu corpo e aceitar os meus pelos. Porque no final, a escolha de me ver livre deles ou não é apenas minha. Afinal, um pouco de pelo nunca fez mal a ninguém.