No outro dia, dei por mim no Duty Free do aeroporto de Madrid a fazer tempo para um voo e a cheirar, um por um, os perfumes que marcaram a década de 1990. Em vez de me sentir atraída pelos stands mais vistosos, deu-me para vasculhar a fundo prateleiras recônditas e fazer uma viagem olfativa pela minha juventude.
Dos frescos aos intensos, dos femininos aos masculinos, dos cítricos aos amadeirados, acho que não me escapou nenhum daqueles perfumes que via em campanhas com top models entre as páginas da Ragazza e que, com muito esforço e mesadas, ia conseguindo juntar à coleção.
Nessa noite, já em casa, lembrei-me deste momento inusitado e comecei a investigar para perceber se era apenas uma millennial com uma crise de meia-idade, cheia de nostalgia, ou se haveria alguma razão para as fragrâncias dos anos 1990 terem voltado ao meu radar. A conclusão? De tudo um pouco.
A culpa é dos Y2K
Para as pessoas que, como eu, cresceram nos anos 1990, andar na rua hoje em dia ou entrar num elevador cheio de estranhos e ser invadida por aromas que nos enchem de sentimentos nostálgicos tornou-se banal. É que o revivalismo desta década é quase omnipresente, e já não se manifesta só através das roupas – o fascínio pela tendência Y2K (anos 2000) está a expandir-se também para a perfumaria.
Na pesquisa sobre o tema, encontrei um artigo do The Evening Standard, de outubro de 2023, que afiança que não estou sozinha. Muita gente está a abastecer-se de fragrâncias dos anos 1990, ou porque fazem parte das suas rotinas desde que foram lançados, ou porque querem evocar memórias simples da era pré-redes sociais.
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De acordo com o jornal britânico, “o relatório anual da rede de lojas John Lewis registou um aumento das vendas destes perfumes. O Angel, da Mugler, lançado em 1992, cresceu 23%, e o Aqua di Gio, da Armani, que chegou ao mercado em 1996, cresceu 29%”.
Faltou-lhes falar do CK One, o perfume unissexo que definiu aquela década e que fez com que toda a minha geração cheirasse ao mesmo. A icónica campanha a preto e branco com Kate Moss refletia de forma certeira o movimento grunge, a contracultura da altura e tornou a fluidez de género cool.
Pertencer à tribo
Uma das principais razões para o CK One ter tido um sucesso tão estrondoso deveu-se ao facto de ser um perfume leve e descomplicado, quase minimalista. Todos podiam usá-lo e ‘fazer parte do grupo’, fosse ele qual fosse. O seu aroma fresco, com notas de bergamota, ananás e almíscar, captou o espírito dos anos 90 do século passado como nenhum outro e fez dele um clássico incontornável.
Na altura, as fragrâncias definiam a tribo a que pertencíamos – se usássemos o Tommy, éramos betinhos, se usássemos o Angel, éramos artistas, se usássemos o Trésor, era porque o roubávamos à nossa mãe…
Todos queriam um perfume ‘de marca’ e tinham conhecimentos sobre o assunto, muito graças à explosão da cultura pop, com top models em anúncios nas revistas de moda e a MTV a divulgar as músicas das campanhas publicitárias em videoclips que nos viciavam. Tão viciantes que queríamos transpor aquele cenário para a nossa realidade e viver como os artistas que nos inspiravam, de preferência, a cheirar ao mesmo.
Uma era de visionários
Voltemos ao presente. A indústria cosmética está mais forte do que nunca, todos os dias são lançados novos aromas, envoltos em enormes campanhas, com o alto patrocínio das celebridades mais influentes, mas parece que nenhum tem o arrojo ou carácter inovador que a perfumaria dos anos 1990 esbanjou.
Arrisco dizer que foi a última grande era de ouro experimental na perfumaria mainstream, com muitos perfumes ousados, e até, difíceis de compreender, a serem lançados. Um exemplo perfeito desta abordagem experimental foi o icónico Angel, de Thierry Mugler.
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A criação de Olivier Cresp era surpreendente, algo nunca antes cheirado, com um acorde inusitado e inovador de algodão-doce e patchuli.
Trinta anos depois, ainda se sente o ‘efeito Angel’ pairar na indústria, com o lançamento em catadupa de perfumes gourmands, categoria que não existia antes de Angel.
Dois anos mais tarde, em 1994, sempre que se ligava a televisão ou se abria uma revista de moda, surgia a imagem psicadélica de um jardim com uma mulher nua que encontrava um homem, também nu, a tomar banho numa lagoa. Era o Jardim do Éden e o slogan, Le Parfum Defendu (O Perfume Proibido, em português), embora carregado de referências bíblicas, fazia menção a uma fragrância vanguardista. Tal como Angel, Eden não queria só cheirar bem, queria ser estranho e intrigante.
De ontem para hoje
Atualmente, parece não haver espaço para criações extravagantes; foram relegadas para circuitos de nicho alternativos e independentes.
A verdade é que talvez este não seja o momento ideal para desafiar e perturbar o universo da perfumaria, depois de uma pandemia, com tantos conflitos internacionais e problemas sociais ainda em curso… Hoje em dia, procuramos conforto e estabilidade.
Mas será que as grandes casas de perfumaria perderam o poder de nos fazer sonhar com um futuro alegre, mesmo que confinado a um frasco de perfume? Ou só conseguem olhar para maneiras de fazer dinheiro rápido e, portanto, estão menos propensas a correr riscos?
Pelo sim, pelo não, podemos sempre encontrar incentivos para a mudança para os perfumes retro, criados na década de 1990, e que ainda hoje podemos comprar.