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Como lidar com a ansiedade do regresso à rotina do trabalho e da escola

Como lidar com a ansiedade do regresso à rotina do trabalho e da escola

Com o desconfinamento a decorrer, setembro não traz consigo apenas a habitual rotina do trabalho e da escola, mas também uma maior liberdade. Estaremos preparados para isso?

Por Set. 10. 2021

Setembro é sempre mês de regressos: ao trabalho, à escola e à rotina depois das férias, mas este ano traz consigo mais um desafio – o retorno a uma vida mais normal, depois de um ano e meio de muitas restrições devido à pandemia.

As limitações estão a ser aliviadas desde 1 de agosto, num processo que se prolongará até outubro, mas será esta mais uma razão para que as pessoas se sintam ansiosas?

Interação social diferente

Há que ter em atenção que a pandemia alterou a nossa interação com os outros e isso pode refletir-se neste regresso e “em vários contextos, no emprego, nas relações sociais habituais, na escola, nas formações/cursos, nas consultas… A maior parte dos indivíduos consciencializou-se, mas não se habituou” a esta nova forma de vida, ressalva Sandra Helena, psicóloga e psicoterapeuta na Psinove.

Maria José Núncio, socióloga e professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, não tem dúvidas de que “essa mudança persistirá nas nossas vidas durante bastante tempo e será visível nos mais pequenos gestos e hábitos do quotidiano. Se o padrão anterior consegue ou não ser retomado e, por essa via, transmitido às gerações futuras, dependerá do tempo que durar a pandemia”.

Duas realidades

Uma questão que se impõe é se terá sido mais fácil fecharmo-nos do que voltar à vida dita normal. Para Sandra Helena, “as pessoas estão muito divididas porque têm perspetivas diferentes e até o modo como passaram estes meses – as perdas, ter estado doente com covid-19, o desemprego, as separações – pode definir o caminho que seguem no pós-férias”.

Maria José Núncio nota “uma forte ambivalência. De um lado, encontramos a vontade do regresso à normalidade e, do outro, o receio, não apenas das novas vagas da pandemia, mas uma espécie de receio de ter perdido o treino da normalidade e isso causa uma natural estranheza”.

A verdade é que “a diminuição de contacto social trouxe muitos malefícios para a saúde mental, e muitas pessoas não suportam mais o planeamento dos encontros sociais: ‘com quem posso estar, porque está mais resguardado…; com quantas pessoas posso jantar e em que dias…; será que devo estar de máscara ou sem máscara no contacto com aquele amigo, ele levará a mal não ter máscara ou vai pensar que estou a exagerar não retirando a máscara…; se vou a um concerto, depois devo estar com outras pessoas já que estive mais exposta ou será melhor não assistir a espetáculos…’”, exemplifica a psicóloga.

Se a família antecipar as tarefas para o reinício do trabalho e/ou escola, o retomar de rotinas pode fluir bem
Sandra Helena, psicóloga e psicoterapeuta

No local de trabalho

É claro que tudo isso terá impacto nos locais de trabalho. Agora que o teletrabalho passou de obrigatório para recomendado nas atividades onde é possível, serão mais as pessoas a regressar aos escritórios.

Mas de uma coisa não restam dúvidas, “a atitude perante o trabalho mudou. Ideias como horário, disponibilidade ou rotina alteraram-se muito com a pandemia e para quem esteve em teletrabalho”, esclarece a socióloga, que acredita que o teletrabalho “será crescentemente utilizado, o que era, aliás, algo que já se desenhava antes da pandemia, e, por isso, haverá um esforço maior, por parte das organizações, para planearem, formarem e criarem condições para esse exercício”.

O regresso ao local de trabalho tem de ser bem preparado para que não seja motivo de ansiedade devido aos receios que permanecem com a saúde e ser ponto de encontro de pessoas com perceções diferentes sobre a pandemia e níveis de cuidado também distintos.

“Isto vai depender muito da área de higiene e saúde da empresa que deve preparar o cenário para que todos se sintam confortáveis e seguros, privilegiando o diálogo com os colaboradores que tenham doenças de risco”, afirma Sandra Helena.

Convém lembrar que, além da responsabilidade individual, as empresas estão ainda obrigadas a garantir o distanciamento físico, a proteção dos trabalhadores e a organizar de forma desfasada as entradas e saídas.

Saudades da escola

O regresso à escola nem sempre é motivo de ansiedade, como diz a psicóloga, “depende muito do tipo de família e das variáveis associadas a este recomeço”. Além de que, continua, é comum os elementos mais novos da família “sentirem saudades dos amigos e do contexto escolar e alguns deles até se sentirem aborrecidos ao longo das férias”.

Mesmo assim, é normal que no fim das férias se misture, em todos os elementos da família, “a tristeza pelo fim do descanso e a necessidade de retomar (ou adquirir) hábitos”, afirma Maria José Núncio.

Normalizar estas etapas é, prossegue a professora universitária, “uma forma de atenuar o impacto da mudança. Por exemplo, no caso das crianças, o simples facto de se começar a pensar na escolha dos materiais escolares pode ser um fator de motivação e entusiasmo na preparação do regresso”.

Como acrescenta Sandra Helena, “se a família antecipar as tarefas para o reinício do trabalho e/ou escola, o retomar de rotinas pode fluir muitíssimo bem”.

É muito importante que a tranquilidade e a aceitação do reiniciar pós-férias seja sentida pela família
Sandra Helena, psicóloga e psicoterapeuta

Diálogos familiares

Dialogar e escutar as emoções dos filhos, crianças ou adolescentes é importante, bem como fazer “a gestão das expectativas e o estabelecimento de objetivos, repensando o passado e planeando o futuro. Refletir a importância da escola na socialização e no desenvolvimento do ser humano”, sublinha a psicóloga.

Sandra Helena realça ainda que estados de ansiedade são mais comuns “numa transição de escola, de ciclo escolar, de mudança de turma, assim como nos pais, quando regressam ao trabalho”.

Mas lembre-se que, continua a psicoterapeuta, “as crianças são muitas vezes um espelho dos comportamentos dos pais, é muito importante que a tranquilidade e a aceitação do reiniciar pós-férias seja sentida pela família com o equilíbrio e o diálogo refletido do que todos devem esperar”.

E como ainda estamos em pandemia e já houve tantos avanços e recuos, será importante falar com os filhos sobre possíveis novos confinamentos? A socióloga diz que sim, mas “sem alarmismos e sem criar medos desnecessários. Esta é, também, uma oportunidade de aprofundar a consciência de que somos uma comunidade e que temos de cuidar uns dos outros”.

Novos hábitos

Não são só as questões de saúde que trazem desafios no regresso ao trabalho; a psicóloga Sandra Helena lembra que “também se temem as relações com a chefia ou com os colegas, a desorganização, o não respeito pelo que é contratado e, em grande parte, o sentimento de não realização na função exercida”. Por isso, diz a especialista, é importante:

Estabelecer novos objetivos e planos em conjunto com a equipa de trabalho. Repensar como ultrapassar as dificuldades pré-férias, relacionamento com colegas, horário, e dialogar com os intervenientes das dificuldades. Estas são ações que podem contrariar o mal-estar no trabalho.

Preparar o regresso ao trabalho, mas não esquecer a importância do lazer, de conseguir ter atividades onde a descontração e a liberdade de pensar e agir possam ser mais constantes e presentes.

Não levar o trabalho para casa e, sempre que possível, restringir as questões do trabalho ao horário do trabalho.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 255, setembro de 2021.
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