A Equação da Felicidade: o livro que nasceu da perda de um filho para ajudar quem precisa

A Equação da Felicidade: o livro que nasceu da perda de um filho para ajudar quem precisa

Engenheiro de profissão, estudou a felicidade durante 20 anos e encontrou a resposta numa equação: “A felicidade é igual ou maior do que a diferença entre os acontecimentos da nossa vida e as expetativas que temos”.

Por Jul. 15. 2018

Mo Gawdat foi chief business officer da Google [x] (divisão de projetos futuristas) até fevereiro passado, altura em que passou a estar dedicado em exclusivo à sua verdadeira missão de vida: fazer mil milhões pessoas felizes (#onebillionhappy), depois de ter descoberto a equação da felicidade, que deu origem ao livro com o mesmo nome, iniciado, em 2014, logo após a morte inesperada do filho por erro médico.

“Surpreendentemente, em vez de me querer vingar do mundo, pensei que seria bom espalhar a felicidade do Ali e tornar outras vidas melhores, pondo em papel tudo o que pesquisei sobre a felicidade durante 20 anos”, contou-nos aquando da sua passagem recente por Lisboa para lançar A Equação da Felicidade.

A Equação da Felicidade, 16,90€

“Um dos grandes propósitos deste livro é dizer às pessoas que não têm de pagar a taxa da infelicidade para terem sucesso”, garante. E ele sabe do que fala, pois, aos 29 anos, quando já tinha atingido tudo o que a maioria das desejam (uma família feliz, dinheiro, sucesso profissional), sentia-se miserável e foi esse o mote para descobrir a equação: “A felicidade é igual ou maior do que a diferença entre os acontecimentos da nossa vida e as expectativas que temos”.

Tendo isto em mente, será mais fácil “fazermos da felicidade a nossa prioridade, investirmos nela e partilhá-la com os outros. Este tem de ser um trabalho de casa constante de cada um de nós”, remata antes de se despedir de nós. Mas voltemos ao início…

Entrevista sobre a felicidade a Mo Gawdat

Por que razão se sentia infeliz?

Fui muito feliz durante a minha juventude, mesmo que a minha vida não tivesse sido sempre fácil, mas, aos 29 anos, quando já tinha conquistado quase tudo o que a maioria das pessoas leva a vida toda para conseguir – tinha duas bonitas crianças, uma mulher incrível e muito dinheiro –, sentia-me miserável. As pessoas costumam dizer que são infelizes porque não atingem os seus objetivos, mas eu já o tinha feito e sentia-me infeliz. Podia ir de férias quando e para onde quisesse, comprar os carros que desejava e fi-lo, mas não encontrava a felicidade nisso.

Foi, então, que decidiu estudar a felicidade?

Sim, fi-lo quando percebi que a minha infelicidade poderia prejudicar os meus filhos e a minha mulher. Comecei por ler todos os livros e ver todos os filmes que existiam sobre o tema, mas não resultou. A conversa espiritual que encontrei não me convenceu, antes frustrou-me. Decidi, por isso, pesquisar a felicidade partindo da minha formação em engenharia. Como engenheiro, descobri que a felicidade é um tópico muito claro. Percebi que a máquina humana é muito sofisticada, mas também previsível.

Foi isso que o levou à equação da felicidade?

Comecei por estudar o que de errado estava a acontecer com a minha máquina, que funcionou bem até aos 23 anos e que, depois, se avariou. Levei nove anos a conseguir um modelo sólido, claro e simples, que não nos mantém permanentemente felizes, mas ajuda a encontrar a felicidade sempre que caímos na infelicidade.

Uma das regras básicas da engenharia é não resolver um problema até encontrar a sua origem, logo como encontrar a felicidade se não se sabe o que ela é?

Qual é o seu conceito de felicidade?

No mundo moderno, as pessoas não entendem a verdadeiramente o que é a felicidade porque misturam vários tópicos. Pensam que ser feliz é divertir-se, ter prazer e ir de férias, mas a felicidade é muito mais do que isso. Uma das regras básicas da engenharia é não resolver um problema até encontrar a sua origem, logo como encontrar a felicidade se não se sabe o que ela é? Como não encontrei nenhuma definição nos vários livros que li, fiz um exercício simples ao qual chamei lista da felicidade, que é simplesmente escrever quantas vezes for preciso a frase ‘sinto-me feliz quando…’  E, basicamente, encontrei 92 coisas, desde beber um bom café a ver a minha filha sorrir, ou seja, momentos que nada tinham a ver com ter ou não alguma coisa e foi isto que deu origem à equação da felicidade.

Como é que a define?

A felicidade é igual ou maior do que a diferença entre a sua perceção dos acontecimentos da sua vida e as suas expetativas de como a vida deveria ser. Portanto, não é o acontecimento em si que nos deixa infelizes, mas a forma como pensamos nele. Por sua vez, a infelicidade é um mecanismo de sobrevivência. Vejamos, quando no sentamos numa cadeira e nos sentirmos bem, o cérebro sente-bem; se estivermos desconfortáveis, começa a dizer-nos que temos de mudar de lugar.

Então quando é que a infelicidade se torna preocupante?

Quando ficamos presos num ciclo do sofrimento e o nosso cérebro está constantemente a enviar-nos emoções negativas, como a peocupação, a tristeza, a ansiedade, a raiva.

E como se para esse ciclo?

Por um lado, podemos parar o surto ou corrigi-lo; por outro, preveni-lo. O nosso cérebro tende a fazer o que é melhor para nós, mas talvez não estejamos a fazê-lo da melhor forma. Por exemplo, se numa máquina de fazer salsichas, pusermos sapatos, não se pode esperar uma iguaria. A máquina não tem qualquer problema, mas a forma como a usamos não é correta.

Costuma dizer que a felicidade é como o exercício físico; para se ter resultados, tem de se trabalhada…

Absolutamente. Cada indivíduo tem de acordar a sua mente para a felicidade e esta não é um luxo, como nos diz o mundo moderno. Nós nascemos felizes e quando crianças não precisamos de nada a não ser que satisfaçam as nossas necessidades básicas para sermos felizes. Depois, o mundo moderno diz-nos que a forma do nosso corpo e a nossa imagem na sociedade são mais importantes do que a nossa felicidade, tal como estar com os amigos, ter sucesso e dinheiro. O resultado disto é ficarmos convencidos que a felicidade não é importante e que não faz mal sentirmo-nos infelizes. Mas não é assim, por isso, temos de fazer da felicidade a nossa prioridade. Se fazemos exercício com determinação cinco vezes por semana para atingir determinado objetivo , por que não ver vídeos e ler livros sobre felicidade, falar sobre o tema com amigos três a quatro vezes por semana?

Qualquer pessoa pode ser feliz?

Sim. Claro que para alguns de nós é mais fácil. Por um lado, há quem esteja numa espiral de tristeza que revela desequilíbrios químicos e pode precisar de ajuda profissional para ser feliz, mas vai consegui-lo. Por outro, algumas culturas tendem a ser infelizes e quem quer ser feliz, será visto como uma espécie de rebelde, que recusa a cultura onde nasceu. Por exemplo e com todo o respeito, os portugueses não entendem que são um povo fantástico e têm uma imagem de si próprios distorcida, ideia que tem passado de geração em geração  e valoriza sempre o lado negativo, portanto nenhum acontecimento consegue alcançar as expetativas que têm. As culturas alemã, holandesa, coreana e japonesa também são similares nisto. Outras culturas tendem a ser mais felizes, caso da Índia, em que a felicidade é ter uma refeição por dia; ou na América Latina, onde, quando atingem o seu sustento diário, não se preocupam com o amanhã, vão dançar e conviver com a família.

Mas é normal sentirmo-nos felizes uns dias e infelizes noutros?

Claro. Ninguém é feliz todos os dias. Mesmo com todos os anos de treino, não considero um fracasso sentir-me infeliz. O que é importante é fazermos rapidamente qualquer coisa para ultrapassar a infelicidade, ou seja, pararamos de ser infelizes e decidirmos ser felizes.

E como é que isso se faz?

É preciso parar de acreditar nas promessas do mundo moderno que nos dizem que o sucesso, a imagem e o dinheiro são mais importantes do que a felicidade.

Hoje, considera-se uma pessoa feliz?

Também tenho os meus momentos de tristeza, mas ultrapasso-os e posso dizer que nunca fui tão feliz. Pode parecer estranho dizer isto, depois dos acontecimentos da minha vida, mas não há nada que nos faça mais felizes do que fazer os outros felizes e, neste ano e meio, estou a viver o meu verdadeiro propósito, que é contribuir para a felicidade dos outros.

Está a falar do projeto #onebillio-nhappy?

Sim, quero fazer mil milhões de pessoas felizes em cinco anos. Para fazer parte deste projeto são precisas quatro coisas: fazer da felicidade a sua prioridade, investir uma hora por dia a aprender sobre felicidade, ter compaixão pelos outros e partilhar  com quem nos rodeia o que se vai aprendendo sobre este tema.

Quando temos uma dor, tomamos um comprimido, mas não atuamos na causa e, claro, a dor regressa

Portanto, a sua missão é espalhar a felicidade?

Sim, posso falhar, mas vou tentar até porque tudo o que fiz na Google também foi para mil milhões de pessoas, na Internet é possível. Se  um único vídeo pode chegar a cinco milhões de pessoas, preciso de 200 para atingir o objetivo. Não é aceitável vivermos da maneira como vivemos, somos o produto da II Guerra Mundial e da Grande Depressão, altura em que os nossos avós começaram a incutir nas crianças valores como o medo, o individualismo, a competição, a violência e o dinheiro. Esses valores até nos podem ter dado o iPhone, mas será que o que temos não nos chega? O que precisamos é encontrar a felicidade e a compaixão.

Quando não pensamos em nada, somos mais felizes?

Há um estado, ao qual chamo estado de escape, que podemos usar para não pensarmos. O problema é que há dois modos para chegar lá. O primeiro é controlar o pensamento através do mindfulness e da meditação, pensar positivamente, e é o que eu recomendo; o outro é optar pelo divertimento e pelo prazer, ou seja, depois de uma semana difícil e de tantos pensamentos negativos, vai-se a uma festa, salta-se um bocado ao som da música, tomam-se umas bebidas e, enquanto isso, não se pensa em nada. O pior é no dia seguinte: acorda-se ainda mais miserável e os pensamentos negativos voltam rapidamente ao cérebro e repete-se o cenário… Temos de controlar o nosso cérebro.

Podemos dizer que o divertimentos é como um comprimido para as dores?

Exato. Quando temos uma dor, tomamos um comprimido, mas não atuamos na causa e, claro, a dor regressa e voltamos a tomar o medicamento e assim sucessivamente até nos tornarmos dependentes. O mesmo acontece quando procuramos a felicidade no divertimento e nos desportos radicais, por exemplo. O divertimento é maravilhoso, mas só quando não dependemos disso para ser felizes e aí torna-se um suplemento que contribui para a nossa felicidade, tal como outros aspetos.

O que é para si saber viver?

Já viajei pelo mundo todo, tive as mais variadas experiências, mas para mim saber viver é ter uma verdadeira conexão connosco próprios para percebermos quem somos sem a pressão da família, dos amigos e da sociedade. Não é ter carros, casas ou muito dinheiro; ter tudo não é sinónimo de ter uma boa vida. Talvez um dia escreva um livro sobre isto… Neste momento, estou  a escrever cinco em simultâneo.


Qual é, para si, o segredo para a felicidade? Saiba ainda por que razão estamos cada vez mais sós (e como combater isto).