A fronteira entre o trabalho e o repouso está cada vez mais diluída – parece que não conseguimos parar, que não conseguimos desligar-nos do mundo digital, que não conseguimos simplesmente não fazer nada e esta ‘arte’ é tão importante como produzir, não se esqueça disso.
Alex Soojung-Kim Pang, fundador da The Restful Company, professor universitário e autor do livro Descansar – A Razão pela Qual Conseguimos Fazer Mais Quando Trabalhamos Menos (Temas & Debates, Círculo de Leitores), é um dos grandes defensores desta ideia: “O repouso e o trabalho devem ser tratados de forma igual”, explica.
Além disso, “descansar recarrega as baterias mentais e físicas que são drenadas durante o trabalho. Mas, no mundo atual, não levamos a sério o descanso e não descansamos o suficiente. Vemos o repouso como uma coisa negativa e que é definido pela ausência de trabalho. Imaginamo-nos sentados num sofá com um comando na mão e um pacote de snacks“, disse-nos em conversa.
Mas descansar é muito mais do que isso e torna-nos mais criativos, produtivos, mais saudáveis e aumenta a capacidade de concentração.
Estes são alguns exemplos a seguir
“Quando olhamos para a vida das pessoas realmente criativas e produtivas, observamos que têm uma atitude completamente diferente perante o descanso. Repousar desempenha um papel essencial nas vidas de algumas das mais criativas e prolíficas pessoas da História”, refere o fundador da The Restful Company, dando o exemplo de Charles Darwin, Santiago Ramón Y Cajal e do autor Stephen King.
Nenhum deles, afirma, “trabalhava incessantemente; trabalhavam apenas quatro a cinco horas por dia e faziam muitas outras coisas que deram espaço ao seu subconsciente criativo para trabalhar em problemas que haviam eludido o seu esforço consciente – aquilo a que no livro chamo ‘descanso deliberado’. E pessoas que prosperam em posições stressantes e exigentes também sabem descansar: são melhores do que os colegas na proteção das suas noites e fins de semana, e a tirar férias”.
“’Praticar a inutilidade’ é algo que nos pode ser muito útil”, corrobora Catarina Lucas, psicóloga clínica e diretora técnica do Centro Catarina Lucas. “A vida atual é tão agitada que parar e desligar pode ser muito saudável e contribuir para o nosso bem-estar. São dez minutos sem culpa, sem correria, dedicados a nós e a não fazer nada”, explica a psicóloga.
Alex Soojung-Kim Pang não tem dúvidas: “Trabalho e descanso são parceiros. Suportam-se e sustentam-se um ao outro diariamente. Pessoas que repousam deliberadamente ficam ativas até aos 80 ou 90 anos”.
Quais são os fatores a ter em conta?
Reconheça o direito ao descanso
“É difícil abrandar”, como sublinha a psicóloga, “porque as exigências são muitas e as solicitações chegam de diferentes áreas (filhos, trabalho, casa, entre outros). Com todas as coisas em que atualmente vivemos imersos, parar é muitas vezes acompanhado por um sentimento de culpa, quase como se não tivéssemos direito a isso. Há uma exigência constante para a produtividade, para o fazer em detrimento do estar.”
Mas como se pode superar esse sentimento? “Com algum nível de consciência de que correr por gosto também cansa, de que somos humanos e que também nos esgotamos. Se não aprendermos a parar, o mais provável é sermos forçados a parar por quadros depressivos ou de burnout”, responde Catarina Lucas.
Ajuda também a pensar no que a ciência diz: “Recentes investigações em neurociências e psicologia mostram que descansar, ter horários diários de trabalho que alternam períodos de trabalho intensivo com períodos de relaxe, fazer sestas e dormir promove a criatividade e a resiliência”, afirma o fundador da The Restful Company.
Leve o descanso como algo sério
Mas, atenção, como diz Alex Soojung-Kim Pang, o repouso não surge por magia quando precisamos dele. Especialmente no atarefado mundo de hoje, temos de reconhecer a sua importância, o nosso direito de descansar e de encontrar espaço para ele.
“Comece por levar o descanso a sério o suficiente para tirar tempo para ele. Não pode ser uma coisa que tem depois de acabar tudo o resto; tem de o planear”, aconselha o professor universitário, que sugere que se comece o dia cedo e se giram as finanças de forma a ter férias.
Além disso, Alex Soojung-Kim Pang lembra que “o melhor descanso é aquele que nos absorve o suficiente para não pensarmos no trabalho”. Sim, descansar não tem de ser sinónimo literal de não fazer nada.
“Os hobbies são ótimos para desligar um pouco, para quebrar rotinas, para nos divertirmos e nos encontrarmos connosco próprios. Recordemo-nos que o descanso não se consegue apenas parando, mas sim mudando de foco”, assegura Catarina Lucas.
O fundador da The Restful Company garante que “para a maioria das pessoas, as atividades de descanso são diferentes do seu trabalho. Para cientistas e pensadores, o exercício é uma forma ótima de descanso; para quem é fisicamente ativo, as atividades cerebrais são mais regenerativas”.
Tire os dias de férias certos
Já sabemos que temos de descansar, mas quantas horas por dia deveríamos dedicar ao ócio? “As pessoas que têm o controlo sobre o seu tempo podem trabalhar intensivamente quatro a cinco horas por dia e passar as restantes a praticar o descanso deliberado.
Para quem não controla totalmente as suas horas, é importante proteger o seu tempo livre – à noite, aos fins de semana, nas férias – para recarregar”, recomenda Alex Soojung-Kim Pang.
Relativamente às férias, quantos dias deveríamos tirar? “Se quer tirar férias para maximizar o tempo de recarga mental, deverá tirar dez dias de três em três meses. Mas as únicas férias más são as que não tira”, diz. O que faz com elas é consigo, tanto pode não fazer nada, como ocupá-las ao máximo.
“Praticar muitas atividades nas férias não é um problema, aliás, pode ser uma forma de fazer o corte com as coisas que nos ocupam no resto do ano. Fazem-nos mudar de foco, o que é importante, porque o cansaço não se traduz apenas de forma física, mas também psicológica e emocional. Contudo, é importante reservar sempre algum tempo das férias para ‘não fazer nada’, nem que seja apenas um dia”, aconselha Catarina Lucas.
“Os tempos de baixa atividade e sem estimulação intelectual, sobretudo para as crianças, ainda em fase de desenvolvimento cerebral, são muito importantes”, acrescenta Luísa V. Lopes, neurocientista e investigadora no Instituto de Medicina Molecular.
Afaste-se da tecnologia e durma bem
O sono também é importante nesta equação, como demonstram vários estudos. Luísa V. Lopes explica porquê: “Em termos cerebrais, sabemos que o sono é muito relevante para a reorganização das sinapses, que são as zonas de comunicação entre as células nervosas. O sono não é só importante para a consolidação da memória, mas também para a reorganização celular, pois é nessa altura que os neurónios conseguem fazer a limpeza celular da atividade diária. O sono é uma situação de baixa atividade sináptica ou neuronal e esta é crucial. Também parece haver uma associação entre as doenças degenerativas e o sono”.
E, mais importante do que o tempo que dormimos, que é variável de pessoa para pessoa, é a qualidade do mesmo. “Temos de passar por todos os estágios de sono e entrar no mais profundo para descansar”, realça a neurocientista.
Para dormir melhor, aconselha, “é preciso reduzir o ritmo antes de ir para a cama para que haja a libertação de melatonina e o sono seja induzido naturalmente. É altamente desaconselhado levar o computador e telemóvel para o quarto, bem como ver televisão. Deve apanhar sol durante pelo menos 20 a 30 minutos por dia para libertar cortisol, a hormona da atividade, o que ajuda também à maior libertação de melatonina à noite.”
Não negligencie uma sesta
Ainda no campo do sono, Alex Soojung-Kim Pang é um defensor das sestas, como nos diz: “No passado, fazer a sesta era uma parte completamente normal do dia de trabalho, mas abandonou-se esse hábito. Mesmo pequenas sestas podem ser mais restaurativas do que o café e outros estimulantes. Também potenciam a oportunidade de o cérebro consolidar coisas que aprendeu recentemente”. Raquel Tavares, presidente da Associação Slow Movement Portugal, é da mesma opinião.
Em junho, o Esporão e a Universidade Católica Portuguesa apresentaram um estudo sobre um estilo de vida mais tranquilo em Portugal e a grande conclusão foi de que quem abranda tende a ser mais feliz.
Segundo Ricardo Ferreira Reis, diretor do Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon School of Business & Economics, o estudo concluiu que 82,2% dos portugueses, dos 60% que não adotam um estilo de vida calmo, deseja fazê-lo.
Os que já o seguem passam mais tempo fora do trabalho, fazem mais atividades exteriores e são melhores gestores de tempo, apresentando níveis de foco mais elevados.
“Não é fácil abrandar, porque o mundo vive num ritmo acelerado, mas é possível, sobretudo, se se reforçarem os bons exemplos e boas práticas nas empresas”, alerta Raquel Tavares.
Para a presidente da Associação Slow Movement, viver de forma slow é algo natural: “Funcionar sob pressão não é algo com que me dê bem, mas o clique aconteceu em 2009, quando estava a trabalhar com adultos das Novas Oportunidades e tinha 400 processos para gerir de forma rápida, quando aquilo requeria um processo individual para cada um. Nessa altura, li um livro de Carl Honoré, fundador do Movimento Slow. Daí até à formação do movimento em Portugal foi um pequeno passo, e dez anos depois, “aquele não esmoreceu porque responde a uma necessidade real e não a uma moda passageira”.
“O slow preconiza que devemos dar o momento certo às coisas, tal como a Natureza. Devagar significa fazer tudo na velocidade correta e se estivermos sempre em atividade, sem pausas, vamos estar desequilibrados em vários níveis da nossa vida.”
O autocuidado tem de ser uma prioridade na sua vida. Estas são as 20 regras para cuidar de si.