Talvez nunca se tenha falado tanto de saúde mental como agora. A pandemia veio agravar os estados de stresse, ansiedade e nervosismo em Portugal, seja pelos confinamentos, pelo teletrabalho ou pela falta de liberdade diária. E os números não deixam mentir.
O estudo A saúde dos Portugueses: um BI em Nome Próprio, revelou no início deste ano que 66% dos inquiridos com doença mental diagnosticada se sente discriminado na sociedade e 75% oferece resistência em procurar ajuda. O tabu existe e ainda está longe de desaparecer. Felizmente, existem estratégias para começar a falar no problema e a tratá-lo.
A Fundação José Neves apresentou o programa 29k FJN, enquadrado no pilar dedicado ao Desenvolvimento Pessoal, em parceria com a Fundação 29k, uma organização sem fins lucrativos sueca. O projeto traduz-me numa aplicação gratuita (disponível para iOS e Android) que combina tecnologia e Psicologia através de cursos de desenvolvimento pessoal orientados por embaixadores e validados cientificamente por psicólogos e investigadores da Universidade de Harvard (EUA), da Universidade de Londres (Inglaterra), do Instituto Karolinska (Suécia) e da Escola de Medicina da Universidade do Minho.
Catarina Furtado e Fátima Lopes, Paula Amorim, do grupo Galp e Grupo Amorim, Luís Portela, da Fundação Vial, José Neves e Carlos Oliveira são alguns dos rostos do programa e participam em vários dos cursos disponibilizados, relacionados com stresse, ansiedade, resiliência, amor-próprio, relações e valores.
“Esta app é para qualquer pessoa e depois tem os diferentes tipos de curso. Acho que toda a gente devia fazer porque há pessoas que têm consciência da sua necessidade, da fragilidade da sua saúde mental, e há outras que acham que estão sob controle, que está tudo bem e depois num momento de limite ou quando as coisas correm menos bem e são confrontadas com uma adversidade, vão-se abaixo, o que quer dizer que a sua saúde mental não estava bem suportada por questões bem resolvidas internamente. E isto é um exercício”, diz Catarina Furtado à Saber Viver.
Já Fátima Lopes destaca a oportunidade de partilha que a aplicação oferece, através de chats. “Eu acho que esta pode ser uma ajuda preciosa, além de que é uma aplicação gratuita, qualquer pessoa pode descarregá-la. Permite que haja interações com outras pessoas que estejam a fazer o mesmo curso, logo têm aqui uma oportunidade de partilha que é extremamente importante”.
Na aplicação consegue encontrar oito cursos com durações entre três e oito semanas, 23 meditações das quais 13 são individuais e 13 exercícios individuais. Ambas as apresentadoras contribuíram para este painel de formações.
“Convidaram-me a fazer parte de um dos discursos – o meu é o Nutrir – um bocadinho por força das minhas experiências, nomeadamente enquanto Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População e enquanto fundadora e presidente da Corações com Coroa, porque no fundo tenho tido muita experiência de situações concretas de conflito, de dor, de sofrimento, de sobrevivência, de as pessoas estarem em limites da sua existência, em provações”, refere Catarina Furtado.
Já Fátima Lopes, autora do blogue Simply Flow, onde também aborda os temas da 29k FJN, tem um curso relacionado com compaixão. “O que as pessoas podem esperar deste curso é uma oportunidade para fazerem uma introspeção, para aprenderem formas de serem mais tolerantes, mais meigas, condescendentes, aceitarem a sua natureza humana. Esta autocompaixão é no fundo uma possibilidade de nos aceitarmos e respeitarmos as nossas limitações e as nossas fragilidades”, adianta a apresentadora.
Como olhar para a saúde mental em Portugal
Não há como fugir aos números alarmantes relacionados com a saúde mental no País. Segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, Portugal é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, sendo apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte, sendo que entre estas perturbações, as ligadas à ansiedade são as que apresentam uma prevalência mais elevada.
Com a pandemia, não é surpresa para ninguém que esta tendência se tenha mantido ou até mesmo agravado. O estudo Saúde Mental em Tempos de Pandemia mostrou que 25% dos participantes apresenta sintomas moderados a graves de ansiedade, depressão e stresse pós-traumático.
“A pandemia veio não só agravar a nossa saúde mental coletiva como veio de alguma forma precipitar ou antecipar a necessidade de se falar mais da saúde mental. Deixou de ser um tabu tão grande, foi provavelmente a única coisa positiva que a pandemia trouxe, deitar abaixo alguns preconceitos e este projeto veio na altura certa”, alerta Catarina Furtado.
Fátima Lopes, alerta ainda para o perigo de burnout, o conhecido estado de exaustão máxima. “Muitas vezes as pessoas que chegam a um burnout são pessoas que não partilharam as dificuldades que já estavam a sentir, não partilharam os sintomas que já estavam a viver e portanto, não tiveram a oportunidade de alguém estender a mão e dizer ‘faz isto, experimenta aquilo’”.
A apresentadora partilha que também ela já esteve à beira deste estado e, tal como foi aconselhada, teve de implementar algumas estratégias para ultrapassá-lo, como praticar exercício físico, ter um sono reparador, uma alimentação saudável e afastar-se de pessoas e de ambientes tóxicos.
“Eu tive um princípio de burnout e pedi ajuda ao meu médico de família. Foi ele que me orientou e ajudou. As pessoas têm de ir à procura de ajuda, não podem ficar sozinhas, caladas, à espera que passe. Não, não passa assim. Todas as ajudas são importantes”, e continua “para sair de uma situação de burnout há um TPC que temos de fazer, não podemos ficar à espera de um milagre. Eu, por exemplo, pus em prática tudo o que o meu médico me ensinou. É preciso aceitar que às vezes precisamos dessa ajuda.”
“Tenho-me apercebido que há muita gente que não está bem. A vida está difícil, a pandemia trouxe maior incerteza e de alguma forma acentuou os medos. Trouxe problemas efetivos, como desemprego, solidão, doença inclusivamente, perdas, mas trouxe também problemas mais do fundo abstrato. Trouxe a tal incerteza que leva a que as pessoas tenham mais receios. Portanto, se nós não atuarmos, depois é mais difícil”, alerta Catarina Furtado.
As soluções
Como a autora do Simply Flow partilhou, a solução para começar a tratar a saúde mental será ter ações logo desde início, nomeadamente com os jovens.
“Espero que o impacto [da app] seja gigante. E vou dizer onde gostava que este impacto começasse desde já: nos jovens. O que eu gostava muito é que as escolas divulgassem que existe esta aplicação, porque muitas vezes os jovens têm dificuldade em pedir ajuda. Acham que é um sinal de fraqueza ou sentem que não são capazes quanto os outros”, menciona.
Ainda relacionado com o estudo A saúde dos Portugueses: um BI em Nome Próprio, foi revelado que 37% dos participantes com idades entre os 18 e os 24 anos estão a pedir mais acompanhamento do âmbito da saúde mental.
“Nunca se falou tanto de saúde mental como agora. Nunca se esteve tão alerta, nunca houve tanta informação. Nunca foi tão preciso como agora, e como ainda vai ser, porque a fatura da pandemia ainda não chegou, está a chegar aos bocadinhos. Infelizmente, as coisas ainda se vão complicar, portanto as pessoas que não tinham truques para lidar com desafios desta natureza vão perceber os estados em que estão, porque até agora estiveram em modo de sobrevivência”, adverte Fátima Lopes.
A aplicação 29k FJN vem, neste sentido, tentar ajudar os portugueses a lidar com os acontecimentos do último ano e meio. Cuidar da saúde mental deveria estar entre os objetivos principais de cada um.
“Não há forma de uma pessoa estar bem, bonita e saudável se não tratar ao mesmo tempo, paralelamente e com a mesma dedicação da sua saúde mental. Se vamos ao ginásio e fazemos algum tipo de exercício, por que é que não fazemos o mesmo exercício para a nossa saúde mental?”, remata Catarina Furtado.