Assediar sexualmente alguém não constitui um delito no nosso país. No Código Penal português estão previstos apenas os crimes de perseguição e de importunação sexual (artigos 154.º-A e 170.º, respetivamente). Estas figuras jurídicas são usadas no âmbito do combate à violência contra as mulheres, particularmente a executada na esfera doméstica. Embora haja semelhanças com o assédio sexual, não devem ser confundidos. Joana Rabaça Gíria, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), refere que esse conceito aparece “no Código do Trabalho (artigo 29.º, n.º 3), para prever comportamentos indesejados e perturbadores. A sua prática é proibida e constitui contraordenação grave”.
Será suficiente ou estamos a compactuar com uma cultura de permissividade no que toca às desigualdades de género perante a sexualidade? A verdade é que muitos agressores continuam a atuar impunemente.
O que é o assédio sexual?
Para a psicóloga clínica Telma Pinto Loureiro, trata-se de “qualquer comportamento de caráter sexual que seja indesejado. Que tenha o objetivo de conturbar, criar mal-estar, humilhar e/ou afetar a dignidade da vítima”. O estudo Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho em Portugal (2016) revela que “é mais frequentemente da autoria de homens e afeta mais as mulheres”. Realizado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), este estudo conclui que se tende a manifestar, sobretudo, no local de trabalho. Além de que é praticado por superiores hierárquicos. No fundo, resume-se a uma questão de poder. Como acedem mais facilmente a cargos de chefia nas empresas e organizações, na experiência da psicóloga clínica, “alguns homens acreditam que são superiores e podem submeter as mulheres àquele tipo de comportamentos”.
Lobo disfarçado de cordeiro?
“Primeiro aparecem as insinuações verbais. Numa fase mais adiantada é que o agressor diz que quer ter sexo com a vítima”, esclarece Telma Pinto Loureiro. À medida que o tempo vai passando, as atitudes intensificam-se. Das palavras pode passar a enviar mensagens com imagens ou vídeos, cujo conteúdo é de cariz marcadamente sexual. A situação pode agravavar-se ao ponto de chegarem mesmo a haver agressões físicas. “A violação é uma das consequências extremas do assédio sexual”, disse, em entrevista à CNN, Rachel Jewkes, diretora do programa britânico What Works to Prevent Violence Against Women and Girls.
“Há pessoas que têm historial nesta área”, nota a psicóloga clínica. É o caso do produtor norte-americano Harvey Weinstein, que terá assediado mais de 90 mulheres da indústria cinematográfica. “Os agressores não procuram estabelecer relações de intimidade emocional com as vítimas. Normalmente, têm baixa autoestima e falta de noção de limites. Revelam sentimentos de inferioridade, sofreram rejeições amorosas ou traumas na infância. Tanto podem ser solteiros ou divorciados como estar casados”, descreve a especialista.
“Eu também!”
Quem não se lembra do discurso nos Golden Globes da atriz e apresentadora Oprah Winfrey, quando recebeu o Prémio Cecil B. DeMille. Oprah fez referência ao movimento #MeToo (#eutambém). Esta hashtag encoraja as utilizadoras das redes sociais a relatar os assédios que sofreram. Popularizou-se as denúncias contra Weinstein, feitas por profissionais do meio cinematográfico.
“Quero que todas as raparigas a assistir saibam que um novo dia está no horizonte! E quando esse novo dia finalmente amanhecer, será por causa de muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui esta noite, e de alguns homens fenomenais. Lutam para garantir que se tornem os líderes quando ninguém nunca mais terá de dizer ‘Eu também'”.
É importante partilhar o sucedido com uma colega, amiga ou familiar. “Quando alguém decide contar que foi vítima de assédio sexual, isto faz com que outras pessoas se inspirem, ganhem coragem e façam o mesmo”, sublinha a psicóloga clínica.
O problema do assédio sexual só será resolvido através da educação e de uma mudança sociocultural. Joana Rabaça Gíria, afirma que “é importante despertar consciências desde cedo, permitindo que crianças e jovens não repliquem nunca qualquer padrão de comportamento ofensivo da dignidade humana”.
Assédio sexual: como se defender
Caso esteja a ser vítima de assédio sexual no seu local de trabalho ou conhece alguém nessa situação, siga os conselhos de a psicóloga clínica Telma Pinto Loureiro e da presidente da CITE, Joana Rabaça Gíria.
1. Informe-se sobre o assunto
Na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e na CITE ser-lhe-á facultada informação útil.
2. Não ignore, reaja
Demonstre imediatamente o seu desagrado, surpreendendo o seu agressor, pois este não espera que reaja.
3. Conserve registos de tudo
Guarde todas as mensagens, fotografias, vídeos, que contenham detalhes como o ano, mês, dia, hora e local em que tiveram lugar os assédios sexuais.
4. Partilhe a sua história
Procure ajuda junto de colegas que tenham testemunhado e/ou vivenciado situações semelhantes. No mínimo, fale com uma amiga ou familiar.
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