Quantas vezes já demos por nós a falar sobre como deveria ser o nosso corpo ou até como deveria ser o de outra mulher? Afirmações como “ela tem pouco peito”, “é muito magra” ou “está um bocadinho mais gorda” fazem parte do universo feminino e, normalmente, surgem de forma praticamente inconsciente.
Mas, afinal, quem é que impôs à mulher um padrão de beleza ideal? Há uma pressão por parte da sociedade em relação ao corpo feminino que não existe, por exemplo, com o seu intelecto ou com as pessoas do sexo masculino.
Parece que uma boa imagem é a única coisa de que a mulher precisa para se sentir bem consigo mesma. É chegada a hora de se encontrar um equilíbrio.
“É importante que ganhemos a consciência de que os nossos corpos não estão destinados à perfeição (…). Body positivity é, para mim, conviver em paz com a minha humanidade e com a ausência de perfeição que há em mim. Afinal, quem é perfeito?” questiona Helena Morais Cardoso, psicóloga e terapeuta de amor-próprio.
Body positive: 3 dicas para melhorar a relação com o seu corpo
1. Deixe de lado a comparação
O ser humano tem a eterna necessidade de pertencer e identificar-se de alguma forma com o outro. O problema surge quando este desejo é dominado por pertencer a um grupo que depende muito da imagem.
“Se a nossa autoestima depender muito de um registo mais superficial, corremos o risco de pertencer a grupos onde confundo aquilo que é útil com aquilo que é fútil”, diz-nos o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio. Nesta situação, o importante é tentar perceber que “o grupo com que me identifico não me esgota como pessoa”, acrescenta o especialista.
Este desejo de ser o outro está a fazer com que jovens e adolescentes procurem mudar a sua imagem, recorrendo cada vez mais a cirurgias plásticas. “Hoje em dia, há uma procura enorme de técnicas, a meu ver exagerada, por raparigas que desejam aumentar os lábios, os seios e fazer lipoaspirações. Isto está muito relacionado com a pressão que os media fazem na criação destes estereótipos de beleza”, afirmou o cirurgião plástico Ibérico Nogueira na conferência Visões do Futuro, da Deco.
Apesar de não defender que raparigas muito novas, ainda em fase de crescimento, sejam submetidas a cirurgias plásticas, Ibérico Nogueira afirma que em algumas situações não podemos ser muito radicais.
Por isso, é necessário avaliar cada situação junto de um psiquiatra porque já aconteceram casos em que a cirurgia foi negada e as jovens acabaram por se suicidar.
Sobre este assunto, Vítor Cotovio chama a atenção para a perturbação dismórfica corporal, que consiste na alteração da perceção do nosso corpo. Normalmente, as pessoas que sofrem desta perturbação têm sempre a sensação de que o seu corpo é desadequado (veja aqui como a dismorfia das selfies está a levar os jovens a procurarem cirurgias plásticas).
Evitar a comparação é o primeiro passo para aceitar o seu corpo e sentir-se bem. “Se repararmos, as opiniões negativas que temos em relação ao nosso corpo têm sempre como base alguma comparação, seja porque não sou tão magra ou tão larga como deveria, ou porque o meu peito não tem o tamanho certo – todas estas nossas opiniões internas estão ancoradas na comparação”, explica Helena Morais Cardoso.
2. Relativize o valor da sua imagem e fortaleça a sua autoestima
Por vezes, achamos que, para gostarmos realmente de nós, só precisamos de perder uns quilos ou de ter outra imagem diferente daquela que estamos habituadas a ver no espelho. Quando a nossa identidade está muito dependente da nossa imagem é porque está pouco sustentada.
“É como se a identidade não tivesse um esqueleto interno, mas apenas pele e maquilhagem e só contasse com o aspeto externo”, explica Vítor Cotovio. Mesmo que de uma forma inconsciente, a própria sociedade reflita e incentive a sobrevalorização da imagem do indivíduo.
A modelo brasileira plus size Letticia Munniz diz, num podcast sobre body positive, que ficou muito surpreendida com a reação das pessoas ao seu emagrecimento repentino e exagerado depois do falecimento da avó.
A modelo conta que as pessoas a elogiaram muito, mesmo conscientes de que aquele emagrecimento não aconteceu em condições normais e saudáveis, mas sim porque estava a passar por uma depressão profunda.
Para se conseguir sobreviver às exigências da sociedade atual, é necessário perceber-se que a identidade não se esgota apenas na imagem, mas que é algo que representa “as nossas características globais, ou seja, a parte física, psicológica, social e cultural”, diz-nos o psiquiatra.
Por isso, “é urgente relembrar que a nossa imagem tem somente a importância que nós lhe dermos, sendo bastante limitador reduzir a nossa autoestima a uma só área da nossa identidade”, afirma Helena Morais Cardoso.
3. Faça as pazes com o seu corpo
Termos uma atitude positiva com o corpo começa logo enquanto somos crianças. Vítor Cotovio diz que os pais e os formadores têm a obrigação de ir trabalhando essa autoestima e incentivar uma alimentação saudável e a prática do exercício físico.
O principal desafio para quem tem dificuldades em aceitar o seu corpo é conseguir neutralizar a sua imagem. Porque “aceitar algum atributo nosso é estarmos em paz com esse mesmo atributo, ou seja, não passa propriamente por gostarmos automaticamente dessa parte de nós”, explica Helena Morais Cardoso.
O erro que normalmente se comete é “ir de um lugar de body hate, no qual ‘não gosto nada das minhas pernas’, para ‘eu adoro as minhas pernas’”, acrescenta a terapeuta de amor-próprio. Este é um processo que primeiro precisa de ser neutralizado para que depois se possa construir uma imagem corporal positiva.
Além de ser necessário relativizarmos a nossa própria imagem, este é um trabalho que deve ser feito de forma a estimular essa consciência nos outros, como, por exemplo, “elogiando atributos da personalidade do outro, descobrindo dons e talentos e reforçando outras áreas da sua identidade”, afirma Helena Morais Cardoso.
Por outro lado, é necessário celebrar a normalidade e deixar de seguir o ideal de perfeição inatingível. Recentemente, o Instagram comunicou que vai aplicar restrições de idades a publicações que promovam produtos para perder peso e cirurgias estéticas a menores de 18 anos.
Em alguns casos, também poderão ser eliminadas publicações que prometem resultados milagrosos e que estejam associadas a uma oferta comercial.
Esta ‘normalidade corporal’ em que estão incluídos todos os tipos de corpos, de todos os tamanhos e estruturas, é algo que o positivismo corporal defende.
“É através da banalização daquilo que não é perfeito que atenuamos a comparação e deixamos de nos sentir tão insuficientes, para passarmos a ter mais sentimentos de aceitação e adequação (em nós e nos outros)”, afirma Helena Morais Cardoso.