Desigualdade salarial: como é que podemos dar a volta?
Ela existe e não desaparecerá tão cedo: a desigualdade salarial subsiste em Portugal. A boa notícia é que uma boa leitura do mercado e uma especial atenção às novas oportunidades podem ajudar a lutar contra esta situação.
O salário bruto dos portugueses atingiu, em média, os 943 euros, em 2017. São os dados das estatísticas oficiais, mas são apenas isso: uma média. Isto porque fatores como a geografia, o tipo de função ou o género continuam a influenciar o que cada um recebe ao final do mês.
Quisemos perceber o que justifica o gap entre quem recebe mais e quem recebe menos em Portugal e, a partir daí, pensar o futuro. Quais as profissões que se adivinham com melhor remuneração? Qual a melhor forma de abordar o mundo do trabalho? Tornar-se independente compensa?… Tratando-se de ‘futurologia’, não há respostas 100% seguras para cada uma destas perguntas. Mas conceitos como ‘trabalho por projeto’, ‘automação’, ‘ambiente’, ‘tecnologia’ ou ‘globalização’ vão, cada vez mais, determinar o futuro dos salários.
Desde o início do século, a desigualdade salarial em Portugal tem sofrido várias mudanças. Entre 2003 e 2009, com o aumento do salário mínimo e o incremento de políticas sociais como o complemento solidário para idosos, as desigualdades diminuíram.
Contudo, nos anos da crise, o crescimento do desemprego – nas estatísticas oficiais, em 2013 chegou aos 18% – fez disparar novamente as desigualdades de rendimento. E, se hoje a situação é melhor no que toca aos índices de emprego – a taxa de desemprego ronda os 8% – há fatores que continuam a condicionar o salário mensal dos portugueses.
Desigualdade salarial do ponto geográfico
Independentemente do tipo de trabalho, a localização geográfica é determinante para o salário. Um ordenado na Grande Lisboa tende a ser mais alto do que no Porto e, na Invicta, é superior àquele que é pago em algumas regiões ali à volta.
José Bancaleiro, especialista em recursos humanos e managing partner da consultora Stanton Chase, aponta esta como uma das causas da desigualdade salarial em Portugal. Mas, para o especialista, a desigualdade mais gritante é a que assiste entre aquilo a que chama de “funções transacionais” – escriturários, empregos na área dos transportes, técnicos de nível mais básico… – e as funções de gestão.
“Por vezes, sem nenhuma justificação, temos um enorme gap entre estes dois tipos de funções. É uma espécie de discriminação que existiu e vai continuar a existir”, admite José Bancaleiro. O profissional de recursos humanos sublinha o facto de, nos últimos anos, Portugal ter registado uma diminuição do fosso entre quem ganha mais e quem ganha menos em várias áreas, à exceção do que separa estes dois tipos de função.
“Em Portugal, com a crise, houve uma série de funções que desceram em termos salariais. E, quando houver uma subida, é mais fácil fazer subir uma ou duas pessoas que estão nas tais funções de gestão, de maior valor acrescentado, do que aumentar todas as que estão nas funções transacionais”, explica José Bancaleiro, que antecipa ainda que muitas destas funções venham a ser substituídas – algumas parcialmente – por máquinas. Há, no entanto, uma tendência internacional que convém acompanhar: aquela que mostra a subida salarial em carreiras que não requerem formação superior.
Num artigo publicado no semanário Expresso em janeiro último era apresentada uma lista, elaborada com o apoio das consultoras de recrutamento Hay e Michael Page, que mostrava como carreiras como eletricista, técnico de análise laboratorial ou de secretária administrativa podem ser monetariamente interessantes.
Para os especialistas, aqui há que ter em conta outro fator: em certos casos, a escassez de talento torna a licenciatura menos determinante para as empresas que preferem acabar por qualificar as pessoas internamente. Ao Expresso, Mário rocha, diretor da Hays, apontou as carreiras de técnico de manutenção industrial e de eletricista como duas das que mais subiram nos últimos anos e os sectores industrial e tecnológico como aqueles que mais podem dinamizar a já chamada ‘revolução das qualificações’.
Os empregos que vão e vêm
De acordo com Mário Rocha, as empresas estão a voltar a olhar para perfis técnicos, mais tradicionais e altamente especializados (costureiras, modistas, eletricistas, serralheiros, carpinteiros, …), e a valorizá-los salarialmente. No entanto, os jovens continuam a não olhar para estas carreiras como opções de futuro.
Para José Bancaleiro, é o funcionamento do mercado de trabalho que determina esta subida. “Quando começamos a ter funções em que não há muitas pessoas com as competências técnicas para as fazer, como um mecânico de qualidade ou um bom carpinteiro, o mercado começa a valorizá-las. Em contrapartida, profissões como a de engenheiro informático – função para a qual antigamente eram necessários um conhecimento e uma preparação enormes e em que agora começam a haver sistemas que tornam possível que pessoas normais possam fazer programação – começam a desvalorizar”, diz.
Mas, para o CEO da Stanton Chase, é preciso entender que, nestes casos “por exemplo a função do carpinteiro deixa de ser transacional, porque tem um valor acrescentado e um conjunto de conhecimentos. O que é valorizado é o carpinteiro que consegue fazer o trabalho específico, à medida. Não o que faz os móveis do IKEA”, diz.
Ou seja, não há é motivo para se desistir já dos estudos superiores, uma vez que a qualificação superior ainda é garantia de melhores salários e maior empregabilidade. Um estudo recente da OCDE mostra que 81% dos jovens entre os 25 e os 34 anos, com ensino superior, estão empregados, em comparação com os 60% que se ficaram pelo ensino secundário.
Desigualdade de género mantém-se
Dados do Eurostat mostram que por cada euro pago a um homem em Portugal em 2016, uma mulher recebia 82,5 cêntimos. A desigualdade salarial baseada no género continua a existir em Portugal e, de acordo com as estatísticas europeias, tem vindo a aumentar.
De acordo com o Eurostat, entre 2011 e 2016, a desigualdade salarial entre homens e mulheres em Portugal cresceu 4,6%, situando-se nos 17,5% em 2016. as áreas em que trabalham uns e outros também ajudam a explicar o fosso salarial.
Enquanto as mulheres estão mais ligadas a atividades de cuidado a pessoas dependentes, a saúde e o serviço social, os homens são mais dominantes em áreas tecnológicas e nos transportes, à partida áreas com melhores salários e mais procura. A isto, José Bancaleiro junta a desigualdade de género ao nível dos quadros superiores das empresas: “São ocupados maioritariamente por homens quando não há nenhuma justificação para isso”, afirma.
Pedir para negociar um salário é um dos passos importantes para que estas diferenças deixem de existir. Não o deixe de fazer.
O exemplo a seguir: o irlândes
A Islândia fez história ao tornar-se o primeiro país do mundo a criar uma lei que proíbe oficialmente a discriminação salarial baseada no género. A lei entrou em vigor a 1 de janeiro de 2018 e pune com multa as empresas que atribuam salários diferentes a homens e mulheres que desempenhem a mesma função. o país nórdico, que na altura da entrada em vigor da lei ainda apresentava uma desigualdade salarial entre homens e mulheres entre os 14% e os 18%, quer alcançar a igualdade salarial já em 2020.
Acha que no futuro desigualdade salarial irá acabar? Saiba ainda como podemos acabar combater o sexismo no trabalho.