Envelhecimento saudável: diga adeus ao preconceito da idade
Em 2050, a população mundial com mais de 60 anos deverá atingir os dois mil milhões de pessoas, pelo que o envelhecimento saudável e ativo é uma prioridade global. Em Portugal, existem já bons exemplos para que a mudança de mentalidades aconteça.
Fernanda Garrett tinha 62 anos quando realizou o sonho de ser hospedeira de bordo. A oportunidade surgiu através da EasyJet, companhia aérea de origem britânica com filial em Portugal desde 2012. Há cerca de seis anos, tendo conhecimento de que estavam abertas candidaturas, não se deixou intimidar pela idade.
Sabia, através de um filho que ali trabalhava, que a companhia não excluía ninguém por esse fator. Com formação superior em inglês e alemão, trabalhara muitos anos como secretária da administração de uma grande empresa. “Quando entrei no hotel onde iriam decorrer as provas só via gente nova. Acho que ninguém acreditava que conseguisse superar todos os desafios”, relembra, divertida.
Mas superou. Com facilidade em línguas, boa atitude e dinâmica de grupo, passou à segunda fase e seguiu para a formação intensiva na sede da companhia, em Luton, Inglaterra. “A formação física foi difícil, mas como sou determinada, aguentei, incluindo as exigentes simulações de salvamento em piscina”, afirma.
Hoje, com 68 anos, está reformada, mas estuda italiano, espanhol e história da arte, e distribui o seu tempo entre família e amigos. Também ela, à semelhança da personagem vivida pelo ator Robert De Niro no filme O Estagiário, que vai estagiar para uma empresa de comércio online aos 70 anos, se recusou a aceitar que a idade a impedisse de ser válida para a sociedade.
Envelhecer não é parar
O cineasta português Manoel de Oliveira é um exemplo de pessoas que continuaram a trabalhar depois de terem feito 100 anos. Velhos são os trapos, confirma o ditado popular, e parece que a tendência em enfrentar o preconceito da idade começa, muito timidamente, a surgir. No cinema, na televisão e na publicidade, são dados sinais de que é importante valorizar os conhecimentos que só a experiência acumulada traz.
Estima-se que, em 2050, a população mundial com mais de 60 anos atinja os dois mil milhões de pessoas e, por isso, a Organização Mundial da Saúde decretou como tema prioritário para a próxima década o envelhecimento saudável. Portugal é o quarto país da União Europeia com maior número de pessoas idosas, apenas ultrapassado pela Grécia, Alemanha e Itália.
Segundo a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, “a discriminação em função da idade – idadismo – radica em representações e atitudes enraizadas na sociedade portuguesa, assentes em construções sociais que associam o envelhecimento à incapacidade e dependência.
Estas construções afetam a autoestima e identidade das pessoas idosas e resultam em desvantagens que impedem o envelhecimento ativo e saudável”. É fundamental enfrentar este problema instalado na sociedade, sobretudo ao nível da imagem que passa para as gerações mais jovens, consideradas digitalmente mais aptas.
A moda contra o estigma
Elsa Carvalho, 46 anos, fundadora da agência de comunicação Central de Informação e da Just Happy Days, plataforma de comércio eletrónico multimarca, refere que as gerações mais velhas fizerem uma excelente transição para o mercado de trabalho digital, adaptando-se muito bem às novas exigências tecnológicas.
“Escolhemos os nossos colaboradores pela sua competência e não pela idade. O nosso diretor de multimédia foi contratado com mais de 50 anos, o nosso copy desk tem mais de 70”, explica. Ligada à moda, Elsa acredita que esta é uma das áreas de atividade que mais tem contribuído para o estigma.
Consciente da importância que esta questão assume, desenvolveu, em parceria com a Universidade do Porto, através da Porto4Ageing, a No Age Campaign, que quer combater o preconceito e estimular uma mudança de comportamentos.
A campanha, recentemente lançada em vídeo, conta com o testemunho de oito personalidades de sucesso, entre os 46 e os 76 anos – entre elas o presidente da Ivity Brand Corp, Carlos Coelho, a professora Nídia Freitas e o empresário de moda António Gonçalves – cujas histórias foram apresentadas a 18 alunos da Universidade do Porto.
Ao assistirem, as opiniões iniciais sobre o envelhecimento mudaram. “Apesar de ser um lançamento recente, o feedback que temos recebido é positivo. Quem vê o nosso vídeo fica sensibilizado e é esse o nosso objetivo”, afirma Elsa Carvalho.
Mudar o mundo
São ainda poucos, é certo, mas o mercado nacional já tem projetos inovadores de inclusão das pessoas mais velhas dignos de nota. Um deles foi lançado por Elena Durán, espanhola. Confrontou-se com este tema quando, em 2009, o seu pai se reformou, tendo começado a pensar nas soluções para o manter ativo.
Maturou esta ideia durante anos e, em 2018, avançou com a Associação 55+, sem fins lucrativos, detentora da plataforma 55+, que disponibiliza serviços prestados por utilizadores com mais de 55 anos.
“Os desafios em Portugal são muitos, já que dos 3,5 milhões de pessoas com mais de 55 anos, cerca de 2,5 milhões estão inativas. A 55+ nasceu com a missão de valorizar estas pessoas, aproveitando os seus conhecimentos”, explica.
A plataforma disponibiliza serviços de jardinagem, cozinha em casa, apoio familiar a crianças, serviços de reparações, pet sitting, aulas de música, entre outros.
O balanço do primeiro ano é animador: quase 1500 pessoas interessadas, das quais 345 estão registadas e destas 70 realizaram serviços. Foram realizados 525 serviços para 84 clientes, metade dos quais foram fidelizados, com uma média de 12 serviços por cliente. O desejo de Elena Durán é alargar este conceito a outras zonas do País.
Cozinheiros de mão-cheia
O restaurante Mão-Cheia é outro projeto que integra pessoas mais velhas no mercado de trabalho. Situado no Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, nas Amoreiras, em Lisboa, abriu a 3 de março e recruta pessoas com mais de 65 anos. A mentora desta iniciativa foi a Associação Pão-a-Pão, que já anteriormente abrira o Mezze, restaurante dedicado à cozinha do Médio Oriente, com o objetivo de integrar na sociedade refugiados.
Dinamizada por Francisca Gorjão Henriques, a associação pretende promover a inclusão através da comida, seja no caso dos refugiados, seja no caso dos idosos. “O nosso objetivo com a inauguração do Mão-Cheia é ocupar e valorizar as pessoas através da transmissão de conhecimento. Já recebemos mais de uma centena de interessados”, explica a responsável.
Os selecionados escolhem o tempo que querem disponibilizar. Com capacidade para 28 pessoas, o restaurante só funcionará à hora do almoço, mas existe a possibilidade de take away. “Este é um projeto facilmente replicável e gostaríamos que fosse possível lançar restaurantes idênticos um pouco por todo o País.
O idadismo é um problema que começa a ser mais falado e está a sair de uma certa invisibilidade. Mas é um tema que ainda não suscita muito ativismo”, remata Francisca Gorjão Henriques.
Porém, a televisão, ainda com grande impacto na sociedade, está a dar alguns passos para este diálogo de gerações importante para a mudança de mentalidade. Programas como As Idades da Inocência, da RTP1, que colocou em contacto no mesmo espaço nove idosos e dez crianças em idade pré-escolar, ou o Amigos Improváveis, da SIC, em que jovens vão viver com alguns idosos durante um período, numa experiência social em ‘direto’, são disso bons exemplos.