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Da ginástica à investigação: as vidas inspiradoras de quatro portuguesas

Uma ginasta, uma música, uma empreendedora na área do bem-estar e uma investigadora contam-nos a sua história de sucesso…

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Da ginástica à investigação: as vidas inspiradoras de quatro portuguesas Da ginástica à investigação: as vidas inspiradoras de quatro portuguesas
©D.R/IEVA.STUDIO
Rita Caetano
Escrito por
Jul. 29, 2024

A vida é feita de histórias e garantimos-lhe que vale a pena conhecer estas. Preparada?

Filipa Martins: a melhor de todos os tempos

A melhor classi­cação de sempre da ginástica portuguesa é uma frase que costuma vir associada ao nome de Filipa Martins. Aos 28 anos, prepara-se para participar nos seus terceiros Jogos Olímpicos, após ter sido quinta nas paralelas assimétricas na ­final dos Campeonatos da Europa de Ginástica Artística, realizados em Rimini, em Itália, no início de maio.

Diz que os resultados positivos obtidos não lhe trazem pressão – “é importante superarmo-nos”, assevera –, mas que é grati­ficante ouvir dizer que é a melhor ginasta portuguesa de todos os tempos. “É o reconhecimento de todo o trabalho que eu e os meus treinadores temos feito”, a­firma. Aos 4 anos, quando os pais a inscreveram no Sport Clube do Porto, Filipa Martins não imaginava os grandes feitos que aí vinham.

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Na altura, via a ginástica como “um parque de diversões”, mas, aos 10 anos, começou a competir e tomou-lhe o gosto. “Adoro competir e a adrenalina toda que sinto antes e durante a competição”, refere. Aos 14 anos, começou a sonhar com os Jogos Olímpicos e, em agosto, em Paris, espera chegar à fi­nal all around, que inclui os quatro aparelhos e à qual só vão as 24 melhores ginastas.

Tento sempre dar o meu melhor nos treinos, porque sei que a maior parte das vezes a competição é o reflexo daqueles – Filipa Martins

Quando entra em competição, Filipa Martins tenta dar sempre o seu melhor. “Quero sempre superar-me, mas o principal é tentar fazer exatamente como costumo fazer nos treinos e não deixar que o nervosismo estrague o momento”, explica. Acredita muito no treino e no foco, e é a isso que se agarra para ultrapassar os momentos mais desa­fiantes e daí vem também a sua tranquilidade. “Tento sempre dar o meu melhor nos treinos, porque sei que a maior parte das vezes a competição é o reflexo daqueles”, realça.

Ter um elemento como seu nome nas paralelas assimétricas (o seu aparelho preferido a par da trave) é outro dos seus feitos, mas foi um acaso. “Na altura da quarentena, aproveitámos para fazer experiências e começámos a fazer um Tkachev com a meia-volta. Quando fomos ver quanto valia no código de pontuação, percebemos que não existia”, conta.

A dedicação à ginástica tem sido muita. Treina de segunda a sábado, três horas e meia por dia, e, em períodos mais competitivos, soma-lhe mais duas horas. Apesar disso, não é ginasta pro­fissional. “Em Portugal, é impossível viver da ginástica e, enquanto os nossos treinadores também não forem pro­fissionais, acho difícil que a modalidade o seja”, refere Filipa Martins, que alude ao esquecimento que as modalidades individuais são votadas para justi­car a pouca aposta.

Como atleta nunca quis sair do País, por ser cá que tem a sua rede de apoio, no entanto, quando abraçar a carreira de treinadora, que é isso que quer fazer no futuro – atualmente está no mestrado em Alto Rendimento – já não garante o mesmo.

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“Portugal é um dos melhores países para se viver, acho que temos tudo. Mas, hoje, tudo aumenta menos os salários e infelizmente não consigo viver da ginástica”, explica, acrescentado que adoraria fi­car, “o futuro dirá”. Aos jovens atletas dá um conselho: “Lutar sempre pelos objetivos, sabendo que às vezes vai ser mais difícil e outras menos”.

Marta Pereira da Costa: romper barreiras

Foi a primeira mulher a tocar a guitarra portuguesa no fado e hoje corre o mundo para fazer ouvir este instrumento único, associando-o também a outras sonoridades. Marta Pereira da Costa começou aos 18 anos, por insistência do pai, que adora fado, e gostou tanto que nunca mais parou, no entanto, o caminho nem sempre foi fácil.

“Comecei a ter aulas e, à noite, ia às casas de fado para ver como se tocava. Passados nove meses já estava a tocar quase todos os dias. O background musical que tinha ajudou-me bastante, pois tinha o ouvido mais treinado [já tocava piano desde os 4 anos e guitarra clássica desde os 8 anos]”, conta.

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Se, no início, toda a gente achava piada ao seu interesse, quando se quis pro­fissionalizar, o que fazia passou a não ser válido. “Tive de ouvir comentários que me doíam muito, tais como que não tocava bem, que só tocava porque era gira”, recorda. Atribui a culpa a essas reticências à tradição. “Tudo o que é pioneiro tem de partir muita pedra e passar por di­ficuldades”, realça. Hoje, ainda são poucas as mulheres, mas já são muitas mais. “O paradigma está a mudar completamente”, afirma.

A guitarra portuguesa trouxe-lhe também a vontade de compor, que era algo desejava muito e que não estava a conseguir com o piano. “A guitarra foi o veículo para exprimir ideias e sentimentos”, confi­rma Marta Pereira da Costa. Foi isso que também fez no seu segundo álbum – Sem Palavras –, lançado em maio, onde assina quatro composições.

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“É um álbum onde eu procuro a­firmar-me como compositora e como intérprete, guitarrista e é muito diferente do primeiro. Neste, a guitarra portuguesa destaca-se e está despida de todas as outras distrações que aconteceram, no sentido fi­gurativo, no primeiro disco”. A sua ideia é “romper barreiras e levar a guitarra portuguesa para o mundo e também trazer mundo para a guitarra portuguesa”. Em Sem Palavras está (bem) acompanhada pelo piano de Iván Melone Lewi, pianista cubano com quem sempre quis trabalhar”.

Sem Palavras dá também título a uma música, que dedica aos seus ­filhos gémeos de 14 anos

“Eles sabem que a mãe trabalha muito e que viaja muito, e quis passar-lhes que é preciso trabalhar e lutar pelos nossos sonhos, não basta só termos inspiração ou um dom. É um tema um bocadinho agridoce, porque é um pouco sofrido. É uma declaração de amor incondicional, mas também muito sofrido pelas ausências, pelos momentos que perco e isto já vem antes das viagens, começou no momento em que me separei e percebi que o melhor para eles seria a guarda partilhada”, revela.

Este sentimento de culpa comum a tantas mães já foi mais intenso, sublinha, realçando que é “importante fazermos o que gostamos” e, quando está com os filhos, está “a 100%”. Gostava de tocar mais em Portugal e do nosso país destaca a boa gastronomia e o ótimo clima, mas não deixa de referir que “estamos a atravessar problemas grandes na educação, saúde e um custo de vida altíssimo, uma taxa de esforço muito grande para o português comum”. “Portugal precisa de ter pessoas com mais capacidade ao volante para avançarmos”, conclui.

Maria D’Orey: um sonho tornado realidade

Desde que o Serenity – The Art of Well Being abriu portas no Pine Cliffs Resort, em Albufeira, há 8 anos que Maria D’Orey, diretora-global da marca de spas de luxo portuguesa, acredita na sua internacionalização, objetivo que atingiu em março deste ano, com a estreia no resort Fairmont the Palm, no Dubai.

“A abertura do Serenity Dubai representa a concretização deste sonho. Lembro-me de estar na inauguração e sentir uma onda de emoções ao ver o resultado do nosso trabalho. Foi um momento mágico, onde cada desafio e esforço valeram a pena. Ver o Serenity a prosperar num local tão vibrante é o testemunho da nossa dedicação e da paixão que colocamos em cada detalhe”, afi­rma Maria D’Orey.

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Com a internacionalização da marca, veio também a promoção na carreira para Maria D’Orey, que passou de diretora regional para global do Serenity – The Art of Well Being. Vê esse feito como reconhecimento do seu trabalho, mas assegura que “o mais importante é ver o impacto positivo” que tiveram na vida de tantas pessoas. Entrou no Pine Cliffs Resort para desenvolver o serviço de personal trainer no hotel e, 18 anos depois, as suas maiores aliadas continuam a ser “a paixão, a dedicação e a resiliência”.

O que também se mantém, seja em Portugal ou no Dubai, é o conceito que têm desde o início do Serenity: “Integrar a beleza e o bem-estar de forma holística. Os nossos esforços para promover um equilíbrio entre corpo, mente e espírito têm sido reconhecidos pelos clientes e pela indústria, como comprovam os 32 prémios que recebemos. Este reconhecimento valida a nossa abordagem e incentiva-nos a continuar a inovar”. O sucesso, diz, não poderia tê-lo conseguido sozinha, elogia a equipa com a qual trabalha e também a família.

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“É importante lembrar que não estamos sozinhos e que podemos sempre contar com quem nos rodeia”, confi­rma. Em 2022, Maria D’Orey foi uma das 25 mulheres líderes destacadas no ranking Merco Líderes, e garante que “para inspirar uma equipa, é essencial liderar pelo exemplo, ser transparente e acessível, e promover um ambiente de trabalho colaborativo”.

“No meu dia a dia, procuro ouvir as ideias e preocupações da minha equipa, motivá-los a alcançar o seu potencial máximo e celebrar as suas conquistas. A valorização e o reconhecimento do esforço de cada membro são fundamentais. Também procuro criar um ambiente onde todos se sintam valorizados e onde a inovação é encorajada”, acrescenta.

Mas regressemos ao Dubai. Ao entrar-se no novo Serenity, é notória uma fusão harmoniosa entre Portugal e Dubai. “Inspirámo-nos na riqueza cultural e nos elementos naturais de ambos os locais, utilizando materiais portugueses e integrando design e decoração que evocam a tranquilidade e a elegância. Queríamos que os clientes se sentissem conectados tanto com a herança portuguesa quanto com o ambiente luxuoso do Dubai. O arquiteto Hugo Fonseca e a nossa equipa de design foram fundamentais para concretizar esta visão”, explica Maria D’Orey, que diz ainda que foram usados vários materiais portugueses na construção e decoração, desde a pedra até aos têxteis.

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Os maiores desafi­os na implementação neste emirado foram, segundo Maria D’Orey, adaptar a oferta ao mercado local, mantendo os elevados padrões de qualidade pelos quais são conhecidos. “Foi necessário compreender as necessidades e expectativas dos clientes no Dubai, assim como integrar elementos culturais locais na nossa oferta. Adaptámos alguns tratamentos para melhor atender às necessidades e preferências dos clientes no Dubai.

Além disso, criámos um tratamento de assinatura Sentir o Dubai, inspirado nos ingredientes e tradições locais, com óleo de oud, pó de pérola, óleo essencial de rosa e folha de ouro, para oferecer uma experiência única e autêntica que reflete o espírito da região. Este tratamento é uma forma de homenagear e incorporar a cultura local”, conclui.

Rita Sepúlveda: a curiosidade faz uma investigadora

O querer saber sempre mais levou Rita Sepúlveda até à investigação universitária na área das Ciências da Comunicação e dentro desta focou-se nas plataformas de encontros. Mas não foi aí que o seu percurso pro­ssional começou.

“Estudei Marketing e trabalhei durante vários anos na gestão e organização de eventos. Mas, como sou muito curiosa, gosto muito de estudar e de ler, fui sempre completando a minha formação. Quando acabei o mestrado em Ciências da Comunicação, um dos meus professores, disse que o meu tema era bom para levar para doutoramento”, conta.

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Nunca tinha pensado nisso, mas como nunca diz que não a um bom desafi­o, candidata-se e entra. Tenta uma bolsa do FCT, que consegue e, assim, a investigação tornou-se a sua pro­fissão e apaixonou-se. “Gosto de encontrar respostas para as minhas perguntas ou para as de outras pessoas e compreendi que conhecimento que é adquirido não deve de todo ­ficar fechado na academia”, sublinha a investigadora de post doc da ICNOVA – Universidade Nova de Lisboa.

No entanto “é muito duro fazer investigação em Portugal, devido a todos os condicionantes. A dependência de bolsas, a inerente instabilidade e precariedade na carreira tem impacto em como se faz investigação e na qualidade da mesma. Quero ter esperança e algum otimismo, porém, a atual situação deixa-me apreensiva. Sou suspeita, mas fazer ciência é fundamental para o desenvolvimento do País”, garante.

Quanto ao tema escolhido, as aplicações e relacionamentos amorosos, surgiu porque percebeu que era necessário desconstruir o que são as aplicações de dating, os seus usuários e a razão por que as usam.

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“Mais do que mudarem os relacionamentos em si, as aplicações de encontros vieram alterar a forma como as pessoas se podem conhecer e a forma como olhamos para os relacionamentos. Permitem conhecer pessoas que de outra forma provavelmente não conheceríamos e até um maior número de pessoas. Como estão instaladas no smartphone que está sempre connosco, isso acontece qualquer lugar e a qualquer hora”, explica Rita Sepúlveda.

O facto de as aplicações estarem desenhadas dando muito ênfase no visual, o que leva a julgamentos super­ciais com base em fotogra­fias, “também muda a forma como nós vemos o outro, além de nos darem a ideia de que existem perfis infinitos e que se não dá com esta pessoa existem mais x pessoas naquela app”.

O último paper que escreveu é sobre a motivação das pessoas quando deixam as apps de encontros. “Os cinco grandes motivos estão relacionados com as experiências, com o bem-estar, com as próprias funcionalidades, com questões que se prendem com a privacidade ou até no âmbito das transições de vida”, revela. O uso destas aplicações de encontros será sempre reflexo do que vai acontecendo na sociedade, da evolução da tecnologia e de como queremos relacionarmo-nos com os outros”, remata.

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