Influencer marketing is dead…
… long live influencer marketing! Por cada post patrocinado no Instagram há um artigo nos media a dizer que a era de ouro dos criadores de conteúdo acabou. Mas se nem mesmo a televisão arrumou com a rádio, irá o escândalo Chiara Ferragni ditar o fim do marketing de influência? Especialistas na matéria debatem o passado, presente e futuro do online.
“Fim de semana em Portofino com algumas das minhas pessoas preferidas” é a legenda que acompanha um dos últimos posts de Chiara Ferragni. As publicações próximas ilustram o dia a dia habitual da influencer, com fotografias dos filhos, viagens por Itália, um maravilhoso casaco de pelo azul e até a comparação do crescimento do seu cabelo desde há um ano.
Tudo parece sereno, esteticamente apelativo e à prova de likes no feed de umas das influencers originais, mas, se a sua pesquisa for além da rede social, saberá que Ferragni viu recentemente o seu império ameaçado após envolver-se numa polémica em torno de uma parceria com uma marca de doces. Além de perder um dos seus maiores assets – o número de seguidores – e parcerias com marcas, está acusada de fraude agravada, tendo recebido uma multa de um milhão de euros por “práticas comerciais incorretas”.
O episódio passou-se em novembro de 2022, altura em que Chiara fez uma publicação com um pandoro, um típico bolo de Natal, que seria vendido a 9 euros, e cujas vendas reverteriam a favor do hospital pediátrico Regina Margherita, em Turim. Mas uma investigação da Autoridade Italiana de Concorrência e Garantia do Mercado concluiu que os consumidores estariam a ser enganados, uma vez que o produto estava a ser vendido com um preço três vezes superior, que a marca Balocco já tinha feito uma doação de 50 mil euros ao hospital pediátrico e que Chiara Ferragni tinha faturado cerca de um milhão de euros com este famoso bolo italiano.
A influenciadora rapidamente atribuiu o sucedido a um “erro de comunicação”, mas o mal estava feito, a sua credibilidade afetada e um debate sobre a responsabilidade dos influenciadores incendiava-se mais uma vez por todo o mundo.
“Os verdadeiros modelos a seguir não são os influenciadores que ganham muito dinheiro a vestir roupas e a mostrar malas… ou mesmo a promover bolos caros que fazem as pessoas acreditarem que são caridosas. O verdadeiro modelo a seguir é o de quem inventa, desenha e produz essa excelência italiana”, disse a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, durante um evento em dezembro. Este não é o primeiro nem será o último caso em que o papel dos influencers é posto em causa – mas poderá Suzy Menkes finalmente esfregar as mãos de contente?
A GEN Z, apesar de andar a criar alterações no mercado, não deixa de ter uma queda pela romantização da vida
Muita coisa mudou desde que a editora de moda expressou o seu descontentamento sobre a ascensão dos ‘pavões da moda’. Ou desde que Chiarra Ferragni chegava com o seu The Blonde Salad em 2009, o mesmo ano em que Margarida Marques de Almeida lançava o blog Style It Up.
Style It Up, um dos primeiros blogs portugueses
“Nessa altura não sabíamos o que isso era, estávamos longe de acreditar que um dia poderíamos viver de um blog ou da presença no digital. Há 15 anos éramos mais ingénuas e partilhávamos o que gostávamos, sem pensar em atrair as marcas ou mais seguidores; essa hipótese não existia nas nossas cabeças”, explica a influencer, que hoje é também dona da marca de moda Oh, Monday!.
A sua sinceridade serviu de guia, imaginando a longo prazo, e, por isso, na sua carreira online tem dito mais ‘nãos’ do que ’sins’. Se se identifica com a marca, se usa os produtos e se se encaixa no seu lifestyle, é um sim. Se hesitar, é porque não faz sentido para si e, consequentemente, para quem a acompanha – e que gosta de acreditar que consegue perceber a diferença entre uma partilha genuína (mesmo que paga) e uma forçada.
“As minhas redes sociais são um espelho daquilo que sou, não tenho feitio (nem tempo) para joguinhos de me fazer passar por alguém que não sou para atrair mais seguidores. Acho que a genuinidade, a coerência e a verdade são os principais valores que sempre me regiram, não só na minha presença online, mas na minha vida em geral”, reflete sobre a sua presença online.
Influencer Marketing: as agências
Plataformas trazidas pela democracia da Internet, os blogs tornaram-se fontes de informação e entretenimento, tendo ganho extensão com a popularização das redes sociais. Nos últimos anos, as pessoas passaram a olhar para os influenciadores como fontes próximas e credíveis de review de produtos e serviços e consequentemente as marcas passaram a olhar para os influencers como parte da sua estratégia de vendas. É o match ‘de milhões’.
IF Comunicação
Numa das primeiras agências em Portugal a trabalhar com marketing de influência, Inês Becken e Filipa Saldanha, o duo responsável pela agência IF Comunicação, ouviu durante muito tempo que ‘não passava de uma moda’ mas com um olhar treinado e uma dose de intuição continuaram a apostar nesta estratégia até ser finalmente assumida por todos.
“Sinceramente sempre considerámos que estes seriam players de peso no mercado. São pessoas com capacidade de estabelecer uma relação mesmo que digital e nós somos defensoras acérrimas das relações como estratégia de sucesso.” Dizem que estão numa fase ascendente de procura da utilização dos digital influencers enquanto parte integrada em estratégia de comunicação e que estes, em sinergia com a imprensa, permitem uma complementaridade que só traz benefícios às marcas.
“Onde sentimos maior diferença é que há uns anos procuravam-se conteúdos completamente aspiracionais e inspiradores com número significativo de seguidores. Passámos várias fases e agora o que as marcas procuram são prescritores para os seus serviços ou produtos idealmente com resultados de conversão.” É fácil apontar o dedo ao influenciador quando na verdade ele só ascendeu com base nas pessoas que o seguem.
Com o tempo, a atividade foi sendo profissionalizada, regrada e disciplinada, tornando os conteúdos publicitários mais claros para os consumidores. Mas retirar a responsabilidade ‘deste lado’ é estupidificar os seguidores – afinal, a Internet está tão repleta de influencers quanto de informação. Nativos digitais, a Gen Z é mais desconfiada, cética e controladora, e, apesar de andar a criar alterações no mercado, não deixa de ter uma queda pela romantização da vida.
“Os consumidores gostam de ver coisas bem-feitas e de saberem que se trata de publicidade desde que vejam consistência nas escolhas e produtos que aconselham”, explicam as diretoras da agência.
“O consumidor quer a verdade, mas prefere vê-la de forma embelezada, se possível sob a forma de uma narrativa que possa ser relevante. A compra é mais consciente e o consumidor gosta de perceber os benefícios do que está a comprar. No entanto, as emoções têm um papel fortíssimo na tomada de decisão e é isso que é uma compra, por isso acreditamos que tudo o que faça as suas comunidades sonhar de forma tangível continuará sempre a ser um conteúdo escolhido.”
Notable
Por um lado, os estudos apontam para uma quebra na confiança dos consumidores em relação aos influenciadores digitais (num novo inquérito da plataforma americana EnTribe, 86% do público desconfia destas fontes), por outro, e tal como nos aponta Inês Mendes da Silva, CEO da Notable, os influenciadores continuam a ser uma ferramenta essencial para as marcas e não só porque chegam a diversos públicos de uma forma muito natural e com um impacto personalizado e humano.
Ser humano tem as suas vantagens de comunicação, mas também pressupõe erros – e, tal como os influenciadores põem o pé na poça, também os seres humanos que os seguem gostam de navegar no meio do caos. “As redes sociais adoram explorar fragilidades e casos. Qualquer passo em falso ou atitude irrefletida que vá contra o que já defenderam põe em causa o seu posicionamento. E acredito que todos os criadores de conteúdo estão conscientes disto”, diz a CEO que trabalha diariamente estes perfis.
Na lista de regras para evitar percalços está a junção perfeita entre marca e influenciador, situações avaliadas de forma única em que depois de se perceber quais os objetivos de cada marca e campanha se parte em busca do perfil e estratégia de conteúdo mais adequados.
“O importante é que o resultado seja coerente tanto para as marcas como para os perfis associados, tem de fazer sentido e de uma forma natural”, explica. “Acho que estamos todas um bocadinho fartas de seguir um perfil onde predomina a publicidade sem qualquer tipo de critério… não nos acrescenta nada e na perspetiva de marca também não considero benéfico. De que vale alguém aconselhar o produto X e na semana seguinte o produto Y, que traz os mesmos benefícios para quem utiliza?”, questiona Margarida.
“Infelizmente as marcas ainda se regem muito por números, sendo que alguém com poucos seguidores pode fazer o ‘fit perfeito’ com determinada marca, em detrimento de alguém com milhares de seguidores, mas muitas vezes a opção recai sobre a segunda, por uma questão de números e não de posicionamento.”
Margarida seguiu a cartilha mais eficaz para navegar no online: a transparência. Inês é perentória: tem tudo que ver com coerência.
“Eu sigo uma pessoa e escuto-a se houver confiança. Por exemplo, quando falamos de territórios como a sustentabilidade ou as preocupações com o meio ambiente, quase toda a gente se lembrará do João Manzarra como um dos porta-vozes de referência. Isto acontece, porque há muito trabalho e muito cuidado do João com estes temas na sua vida. Ele é coerente, desde os meios de transporte que usa e a sua alimentação até às tomadas de posição em períodos de maior consumo como a Black Friday ou até à coragem com que assume essas posições em horário nobre, nos programas que conduz. Todo este processo contribui para a confiança, que é o maior ativo nas redes sociais.”
Muito anos antes da World Wide Web, já nos deixávamos levar pelo que dizia a miúda mais gira da escola ou aquela rock star.
O que dizem os números
O último relatório do Business of Fashion afirma que se as marcas de moda querem ter sucesso nas suas estratégias de influencers terão de seguir um caminho diferente do habitual. Com a predileção dos consumidores de moda por características como ‘autenticidade’ e ‘relacionável’, há uma emersão de personalidades criativas desconhecidas a tomar o lugar dos mais populares para passar a mensagem.
Parece um momento groundbreaking, mas espera lá: desde quando ser influencer tem a ver com o online? Muito anos antes da World Wide Web, já nos deixávamos levar pelo que dizia a miúda mais gira da escola ou aquela rock star.
“As redes são um reflexo da sociedade e são um instrumento de trabalho, têm é de ser bem usadas e conscientemente”: o TikTok, com o crescimento dos booktokers, tem contribuído para o aumento da venda dos livros em todo o mundo, aponta a diretora da Notable.
Mudam-se os tempos, os protagonistas e os mediums, mas desde a Roma antiga que os gladiadores já publicitavam os seus produtos preferidos. “As pessoas passam cada vez mais tempo nas redes sociais e é inevitável que as marcas queiram comunicar os seus produtos/ serviços onde o seu público-alvo está”, aponta Margarida. “Se serão incluencers, content creators, tiktokers… não sabemos categorizar, mas certamente que o digital continuará a evoluir”, assegura a IF Comunicação.
Pensem connosco: o modelo a seguir pode ser quem inventa, desenha e produz o pandoro, mas, se não aparecer no nosso feed, vai mesmo abrir-nos o apetite?