Como mudar de carreira depois dos 45 anos (porque nunca é tarde demais)
A média de idades da força de trabalho está a aumentar, logo é necessário deixar de desperdiçar talento devido à idade. Neste artigo, falamos de idadismo na carreira e damos-lhe um exemplo que mostra que nunca é tarde para mudar de carreira.
Portugal é o país da UE que está a envelhecer mais rapidamente. De acordo com os dados da Pordata, entre 2015 e 2020, o nosso País registou uma taxa de crescimento médio anual do índice de envelhecimento (o rácio entre o grupo de cidadãos a partir dos 65 anos e o dos 0 aos 14 anos) da ordem dos 3,6%.
Há quase duas vezes mais idosos do que jovens e crianças devido ao aumento da esperança de vida e à reduzida taxa de natalidade. As projeções indicam que esses números irão continuar a aumentar até 2060. Associado a este cenário está a estrutura produtiva do País e a necessidade de vidas ativas mais longas.
Números da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) relativos a 2020 mostravam que Portugal, em menos de uma década, tinha perdido 134 mil ativos e que, se nada mudar, os portugueses terão de trabalhar até aos 72 anos.
Mas isto não é um exclusivo de Portugal. No Brasil, por exemplo, segundo a Forbes, a previsão é que, até 2040, 57% da força de trabalho no país tenha mais de 45 anos.
Perante este cenário, estará um mercado de trabalho, que considera as pessoas velhas para trabalhar aos 40/45 anos, preparado para isso?
Esta é altura certa para falar do idadismo, do desperdício de talentos das gerações mais velhas e de como tudo isto afeta sobretudo as mulheres.
O futuro passa por um mundo de trabalho intergeracional, até porque um ambiente de trabalho diversificado em termos de idades e conhecimentos estimula a criatividade e a produtividade.
O idadismo começa cada vez mais cedo, o que é um claro paradoxo num tempo em que vivemos até cada vez mais tarde
Denominador comum
“Curiosamente, numa sociedade em que cada vez mais todos se insurgem com as discriminações, a verdade é que a idade continua a ser o maior (pela abrangência) fator de segregação nas sociedades, totalmente validado e contra o qual ninguém quer falar”, revela Maria José Núncio, professora de Sociologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
“Isso talvez seja, em si mesmo, um sinal dos efeitos dessa discriminação, uma vez que ninguém se quer assumir como velho e, portanto, todos nós falamos por acharmos que com esse silêncio podemos ocultar os anos que passam por nós”, acrescenta.
A socióloga avisa que “o idadismo, ou seja, o preconceito e a segregação pelo efeito do passar dos anos começa cada vez mais cedo, o que é um claro paradoxo num tempo em que vivemos até cada vez mais tarde. E a prova está nas próprias conotações e mitos acerca da chamada ‘meia-idade’, que é vista como uma espécie de antecâmara da velhice”.
Visto que o envelhecimento é comum a todos, Maria José Núncio afirma que não deixa de ser curioso o facto de o idadismo ser tão aceite.
Isso acontece, continua, “porque a idade implica uma série de alterações que são incompatíveis com a lógica de organização das sociedades atuais: aumenta a lentidão em sociedades apressadas; tem memórias e apegos em sociedades do efémero; é reflexiva em sociedades que não pensam; e desgasta os corpos em sociedades que, acima de tudo, valorizam o invólucro”.
Plano de ação
Sente-se discriminada pela idade? Saiba o que deve fazer com a ajuda da socióloga Maria José Núncio e da psicóloga Catarina Lucas.
- Mantenha a autoconfiança;
- Continue disponível para a troca de experiências e para a aprendizagem, ou seja, também é importante termos consciência de que as gerações podem sempre aprender umas com as outras;
- Não se defina através da idade e mostre o seu valor e potencial independentemente disso.
Idadismo na carreira
A psicóloga Catarina Lucas conta-nos que a “questão da idade é um tema frequente e por diversas razões e em diferentes contextos, tanto a nível pessoal como profissional”, entre os seus pacientes.
“Na vida pessoal, está muito associado a objetivos que é “expectável” alcançar em diferentes idades, como casar ou ter filhos. Profissionalmente, é tido em conta para ingresso em diferentes funções, associando-se idades mais velhas a maiores dificuldades de adaptação, mudança ou aprendizagem”, enumera a psicóloga.
Maria José Núncio acredita que a carreira é uma das áreas em que mais se sente o idadismo. “Sobretudo, pelos efeitos de real impacto na vida das pessoas que são descartadas do mercado de emprego, por razão da idade e que passam a engrossar o enorme e sempre crescente grupo dos que são demasiado novos para a reforma e demasiado velhos para trabalhar”, realça a socióloga.
“No emprego, pode afetar ambos os sexos, mas, dependendo da profissão, nomeadamente se exigir imagem e muitos contactos interpessoais em que, como se sabe, as mulheres estão em maioria, é, em definitivo, mais penalizadora para o sexo feminino, na medida em que os efeitos da idade sobre essa mesma imagem retiram ‘valor’ às mulheres”, acrescenta Maria José Núncio.
Catarina Lucas tem a mesma opinião: “De forma geral, a mulher acaba por sentir mais esse peso, na vida em geral, mas também profissionalmente, não raras vezes associado à aparência física, à idade em que se acredita que a mulher engravidará e em que estará menos disponível”.
Mudar mentalidades
“Todos vamos envelhecer e todos merecemos continuar a ser respeitados.” Para a professora de Sociologia, este é o princípio elementar que tem de sustentar a mudança de mentalidades.
Maria José Núncio não tem dúvidas de que essa mudança “condicionará a mentalidade dos responsáveis de recursos humanos e das organizações, mas, como se sabe, é demorada”.
O desperdício de talento é por demais evidente há já algum tempo e deve ser travado. “É um fenómeno típico o de as gerações mais novas acharem que os saberes, experiências e competências dos mais velhos estão desfasados da atualidade e, portanto, são inúteis. Todavia, o importante é que as sociedades e as organizações tenham consciência de que todas as gerações têm um contributo e que o progresso só por ser sustentado e sustentável se assentar num intercâmbio desses contributos”, sustenta a socióloga.
Maria José Núncio lembra ainda que, ao longo da vida profissional das mulheres, há sempre um conjunto de condições que as convertem numa espécie de ‘trabalhadores secundários’. “A menstruação, a maternidade, o pressuposto de que as mulheres serão sempre as cuidadores e, finalmente, a menopausa”, adiciona.
É, portanto, preciso desconstruir mitos. Sobre a maternidade já se fala há alguns anos, a menstruação está na ordem do dia, a menopausa será o próximo tópico a ser discutido, sendo que nos Estados Unidos da América essa discussão já está a acontecer.
Da maternidade à menopausa
A campanha da Chicco #mãeEmuitomais é um bom exemplo do que se deve fazer para trazer à discussão temas como estes.
O desafio lançado às mulheres pela marca de puericultura foi que abraçassem a totalidade do que é ser mulher e mãe.
“Ser mulher e mãe são coisas diferentes, mas tão intimamente ligadas que por vezes se confundem. É frequente deixarmos os nossos desejos e aspirações pessoais para segundo plano quando nos tornamos mães, e a dificuldade no equilíbrio entre tudo aquilo que somos é real”, afirma Filipa Remígio, diretora de marketing e vendas da Artsana Portugal.
“Queremos que saibam que podem ser mulheres e mães e tudo o mais que quiserem. Com esta campanha, pretendemos dar-lhes força, queremos que saibam que são donas das suas escolhas e que não precisam de abdicar dos seus sonhos e ambições”, acrescenta.
A ginecologista Lisa Vicente diz que já há empresas a começar a falar da menopausa, mas ainda é preciso quebrar tabus. A grande diferença, realça, é que “enquanto a maternidade é tida com uma coisa bonita, a menopausa não, e as mulheres tem uma certa relutância, até pela própria imagem em afirmarem-se nessa fase”.
“É essencial que nós próprias sejamos capazes de assumir a chegada a esta fase e isso não é fácil, porque é sentida, de alguma forma, como o fim da feminilidade ou, pelo menos, das imagens mais importantes associadas à feminilidade. Só, quando as mulheres assumem perante si próprias a chegada a esta fase da vida e a “normalizam” serão capazes de a assumir perante os outros e recorrer às ajudas de que necessitam para superar todas as mudanças que se fazem sentir”, acrescenta.
Não é o fim de nada
Lisa Vicente lembra que “a menopausa é uma situação fisiológica, na qual a mulher deixa de ser fértil, ou seja, por si só não vai diminuir as suas capacidades intelectuais. O que acontece é que a esta estão muitas vezes associados sintomas como os afrontamentos e alterações do sono que dão origem a cansaço e a uma certa perda de memória e dificuldade de concentração”.
A ginecologista lembra que é preciso falar disto, porque, enquanto uma mulher, se tiver afrontamentos muito intensos, procura ajuda, quem
vê apenas a sua capacidade de descansar diminuir, não o faz.
“As mulheres têm de saber que isso é passível de tratamento e acima de tudo não achar que a menopausa é o fim de tudo. Com o aumento da esperança média de vida, as mulheres passaram a viver muitos anos nesta condição e podem ter qualidade de vida e serem produtivas”, explica a ginecologista.
“Conheço tantas mulheres que, depois dos 50 anos, idade média em que se entra na menopausa, continuam a ter imensos projetos de criação artística e produção intelectual na área das ciências”, acrescenta.
Um exemplo a seguir
Claire Chung, cofundadora e CEO da Ignae, empresa de cosmética portuguesa e com uma vasta experiência em transformação digital de negócios em várias empresas é um claro exemplo de que a idade não tem que ser uma barreira para a carreira.
“As mulheres adaptam-se muito bem a todas as situações e, no mundo pós-pandémico, já nem sequer precisamos de estar num determinado local para trabalhar, podemos fazê-lo de qualquer lado”, refere.
Ela própria é um caso de estudo. “Aos 40 anos, resolvi lançar a minha primeira start-up. Até aí trabalhei em várias empresas [do sector do luxo] e criei a minha família, depois, recomecei”, explica.
“Tinha um sonho e os 40 foram a época mais produtiva da minha vida”, conta-nos. Mas do seu próprio exemplo parte para outros de outras mulheres que conhece.
“Conheço muitas mulheres que se reinventaram após os 40 e os 50 anos. Tenho uma amiga, por exemplo, que recentemente foi fazer um curso de Ciências da Computação e se tornou programadora. Isto acontece porque nessas idades já temos muita experiência laboral, reconhecemos o nosso valor, além de que, como somos as grandes decisoras do consumo, sabemos o que o mercado necessita”, diz.
Claire Chung defende que as mulheres devem aproveitar as mudanças rápidas do mundo de hoje para serem empreendedoras e criarem novos negócios e não têm de ser grandes.
Mas, se aos 40, a empreendedora fundou a sua primeira start-up em Portugal, uma década depois voltou ao nosso País, que diz ter uma sustentação de inovação tecnológica muito boa, para fazer crescer a Ignae.
“Os produtos são maravilhosos e quero partilhar a sua excelência com o mundo. Quero que sejamos a primeira marca global de luxo portuguesa”, salienta.
Às mulheres portuguesas, que admira pela seu dinamismo e capacidade de trabalho, deixa alguns conselhos: “Falem das vossas conquistas sem receios, apostem no networking , apoiem-se umas às outras, acreditem em si próprias e lutem pelos seus sonhos, se não acreditarmos em nós, nada acontece”.