Portugal é o sexto país do mundo com mais mulheres empresárias. É o que revela o Índice Mastercard de Mulheres Empreendedoras, publicado no passado mês de abril.
No entanto, e, apesar de representarem metade da população ativa, as portuguesas representam apenas seis por cento dos CEO das empresas nacionais, mesmo com níveis de educação mais elevados do que os homens.
A dupla jornada e a falta de apoio familiar, o preconceito e, em alguns casos, a falta de confiança nas próprias capacidades podem ajudar a explicar o fenómeno.
‘As mulheres portuguesas têm tanto talento, são muito trabalhadoras, a única coisa que lhes falta é reconhecerem o seu próprio talento’, Claire Chung, CEO da IGNAE.
Mas isso não impede que cada vez mais mulheres arregacem as mangas e se lancem em percursos independentes ou em que se assumem como protagonistas. Estas seis empresárias (de áreas bem distintas) que vos apresentamos são exemplo disso mesmo.
O toque de midas
Claire Chung cresceu nos Estados Unidos, numa família com forte sentido cívico. Talvez por isso, a CEO da IGNAE seja tão apaixonada na sua missão de apoiar outras mulheres a criarem os seus próprios negócios.
É mentora do Imperial College’s Enterprise Lab e está, desde 2020, no advisory board do Founders Fund da Shilling.
“Há muito potencial neste país. As mulheres portuguesas têm tanto talento, são muito trabalhadoras, a única coisa que lhes falta é reconhecerem o seu próprio talento”, afirma a empresária, que incita as portuguesas a abraçar o empreendedorismo.
Formada em História de Arte pelo Barnard College, da Universidade de Columbia, de Nova Iorque, Claire Chung iniciou a carreira no mundo empresarial a aconselhar clientes na formação das suas coleções de arte.
Tornou-se empreendedora quando foi mãe e se mudou para Milão. O passo seguinte levou-a a ingressar numa escola de design de joias e a lançar uma marca própria.
“A partir de um interesse pessoal consegui criar um negócio. Sinto que o empreendedorismo dá às mulheres mais flexibilidade para gerirem o seu tempo”, assume.
Foi por um feliz acaso que, numa festa de aniversário de uma amiga, em Portugal, partilhou a mesa com um membro da ANJE que a alertou para a qualidade nacional ao nível das tecnologias.
Foi na altura em que a empresária começava a apostar no online e, rapidamente, passou a contratar criativos e designers gráficos portugueses.
“Quando decidi montar o meu negócio maior, mudei-me para Portugal”, recorda. Em 2009, em plena crise da troika, veio para cá. “Vim, aos 40 anos, com a minha filha de 5 anos e o meu cão, e lancei uma start up tecnológica. Se eu o fiz, qualquer pessoa o pode fazer”, garante.
A carreira levou-a depois à China, onde lançou a Net-a-Porter e mais de 200 outras marcas. Ao mesmo tempo, apercebeu-se das mudanças que a tecnologia, nomeadamente a Inteligência Artificial, traziam ao mercado, o que lhe reforçou a certeza de que as mulheres devem apostar em negócios próprios.
Quando voltou a Portugal, em 2020, entrou para a IGNAE, cujos produtos já tinha experimentado em Xangai. Miguel Pombo tinha tido o génio de criar o produto e o negócio, mas faltavam-lhe os recursos para o fazer crescer.
Em quatro meses, Claire Chung garantiu um financiamento de mais de sete dígitos e, em três anos, a marca açoriana tornou-se internacional.
No mesmo ano, envolveu-se com o Shilling Founders Fund, algo de que muito se orgulha: “Agora que giro um negócio em Portugal, estou envolvida com outras instituições enquanto voluntária e decidi reinvestir no País e dar o meu tempo. É aqui que posso servir melhor”, diz.
A arte de bem receber
Joana Damião Melo abriu o Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel, na ilha de São Miguel, em plena pandemia, no que constituiu um regresso à propriedade que está na família há dois séculos.
Depois de um percurso profissional que a levou pelo mundo e a fez experimentar as mais diversas tarefas na hotelaria, da receção à direção-geral, passando pela direção de vendas, a criação de um negócio próprio teve outro sabor.
“É uma realização indiscritível. De todos os empregos por onde passei só tenho coisas extraordinárias a dizer, mas a decisão não me cabia a mim. Aqui tenho a oportunidade de agir imediatamente se vejo surgir um bom negócio”, diz.
Foi no mesmo edifício, na antiga Estalagem da Senhora da Rosa, fundada pelos pais em 1994, que nasceu a paixão que nutre pela hotelaria.
Aos 16 anos, já Joana pedia para a deixarem trabalhar e foi para viver em pleno o ambiente e a adrenalina associados ao quotidiano de uma unidade hoteleira que abdicou de férias e fins de semana.
Aos 18 anos, ingressou no curso de Direção e Gestão Hoteleira da Escola de Hotelaria do Estoril.
Ainda antes de terminar o curso fez um estágio no que considera ter sido a sua grande escola, o The Westin Palace Madrid.
Regressou a Portugal, terminou os estudos, trabalhou no Regency Chiado e voltou a Madrid. De novo em Portugal, teve no lançamento do Martinhal, em Sagres, o primeiro grande projeto independente.
O passo seguinte levou-a ao Penha Longa Resort, onde, por estranha coincidência, entrou no mesmo dia em que era declarada a falência da Estalagem Senhora da Rosa.
Os anos passados na Penha Longa foram desafiantes. “É uma forma muito diferente de trabalhar, com um modelo de negócio que procura ir além do óbvio”, conta Joana Damião Melo.
Obrigações familiares fizeram-na regressar a São Miguel e a oportunidade de voltar a comprar a quinta que sempre estivera na família surgiu em 2017, depois de ter sido desafiada para o fazer, durante uma visita oficial.
“A quinta esteve à venda durante anos e nunca foi comprada. Estava destinado que fosse eu”, diz. Ainda assim, nunca quis que aquela fosse uma aquisição baseada na questão emocional. “Sempre vi um grande potencial na Senhora da Rosa e esta era uma boa oportunidade de negócio”, explica.
Essencial, diz, foi rodear-se da equipa certa e traçar um conceito diferenciador, ligado à Natureza e à história do lugar, uma antiga quinta dedicada à produção de laranjas e de ananás, equilibrando a tradição familiar com a inovação e um modelo de negócio fora da caixa. “É um hotel com identidade, que não se esquece facilmente”, garante.
Da arte para os vinhos
Rita Nabeiro é diretora-geral da Adega Mayor e administradora do Grupo Nabeiro, onde é responsável pela área de sustentabilidade. Mas este não era o seu sonho de menina, quando se via dividida entre uma eventual carreira como bióloga marinha e a pintura.
A arquitetura foi outra das suas paixões. “Tem uma componente de engenharia, de matemática, uma componente estética e tem que ver com a maneira como desenhamos as nossas cidades e as pessoas interagem”, diz Rita Nabeiro, que acabou por enveredar pelo Design de Comunicação.
Tudo indicava que ia construir uma carreira fora do grupo familiar. Começou como freelancer, esteve ligada a vários projetos artísticos, incluindo alguns coletivos de arte urbana, partiu para Parma e regressou a Portugal, onde ingressou numa agência de comunicação.
Até que a Adega Mayor começou a dar os primeiros passos… “Estando eu a trabalhar como designer, foi algo espontâneo decidir propor a criação de uma identidade da marca”, recorda.
Em breve, o volume de trabalho obrigava-a a assumir o cargo de responsável de marketing do grupo a tempo inteiro, quando ainda não tinha 30 anos, numa experiência que a “obrigou a crescer rapidamente a nível profissional”.
A entrada neste novo mundo fê-la descobrir pontos de contacto com o universo criativo e a apostar na
formação na área da gestão e dos vinhos. Curiosa, nunca teve medo de “fazer perguntas sem pensar que possam ser erradas”.
Ser jovem e mulher causou alguma estranheza num meio tradicionalmente mais conservador, mas depressa se apercebeu de que as suas ‘fraquezas’ podiam ser também as suas forças.
Trabalhar na empresa da família não a impediu de dar o seu cunho pessoal à Adega Mayor, onde sempre
respeitou o facto de não estar sozinha. “Respeitava sempre a opinião do meu avô, com quem partilhava
tudo”, recorda.
A maior dificuldade foi afirmar a Adega Mayor enquanto marca. “Éramos um player que vinha do universo dos cafés, com muito entusiasmo, mas também com alguma desconfiança por parte do setor”, conta Rita Nabeiro, que assume que ouviu muitos ‘nãos’ pelo caminho.
Distinguida pela ANJE com o prémio de Melhor Empreendedora e, desde há poucos meses, membro do conselho diretivo do CCB, Rita Nabeiro vive um momento que traz à tona a sua ligação à cultura e à criatividade.
Ao fim de 16 anos na Adega Mayor, e em jeito de balanço, afirma que poderia ter feito algumas coisas de forma diferente. Mas a entrada no mundo dos vinhos acabou por ligar aquelas que são as suas áreas de interesse.
“O que o projeto da Adega Mayor me trouxe, além do universo artístico, foi o contacto com a Natureza”, remata.
Cuidar sem infantilizar
Ao fundar a Humana-Mente, empresa de serviços e produtos destinados a pessoas com demência ou défice cognitivo, Patrícia Paquete tinha um objetivo claro: “Ajudar a mudar o paradigma da prestação de cuidados em Portugal”.
O mesmo é dizer cuidados centrados na pessoa que não a infantilizem nem lhe retirem poder e que respondam às necessidades. “Sinto que ajudei muito, pois há 10 anos não havia nada no mercado”, assume Patrícia Paquete, que destaca como principal vantagem de um negócio próprio a independência intelectual.
Patrícia Paquete nunca teve dúvidas de que trabalharia na área da saúde, e as áreas de interesse foram-se revelando naturalmente ao longo do tempo.
O primeiro despertar para as temáticas que agora trabalha deu-se há muito, na década de 1980, ao assistir ao programa Novos Horizontes, na RTP.
Entrou para Alcoitão com a ideia de ser fisioterapeuta e, em pouco tempo, estava apaixonada pela terapia ocupacional, a sua área de formação.
O interesse pela saúde mental surgiu ainda durante o curso e devido à doença de Alzheimer da avó, de quem foi a principal parceira de cuidados.
O trabalho em instituições deu-lhe experiência e ajudou a identificar lacunas. “Há uma grande pobreza na prestação de cuidados”, assume.
Ao tratar um idoso como uma criança, estamos a tirar-lhe o poder. Isto é algo que se agudiza ao lidar com pessoas com demência’, Patrícia Paquete, fundadora do Humana-Mente
As intenções podem ser boas, mas a tendência para infantilizar os idosos e as pessoas com demência é real.
“Ao tratar um idoso como uma criança, estamos a tirar-lhe o poder. Isto é algo que se agudiza ao lidar com pessoas com demência”, alerta Patrícia Paquete, que luta desde sempre contra o idadismo.
Um primeiro passo, defende, será ver a prestação de cuidados como um trabalho de equipa entre quem cuida e quem é cuidado.
“Esta noção de equipa dá poder à pessoa com demência. É, por isso, que prefiro o termo ‘parceiro de cuidado’ em vez de ‘cuidador’”, explica.
A ideia de lançar a Humana-Mente surgiu em 2012, durante o doutoramento, numa investigação que pretendia identificar a melhor maneira de envolver pessoas com demência e criar produtos e atividades dirigidos a adultos.
O projeto valeu-lhe um prémio de empreendedorismo. Hoje, além dos produtos, fornece serviços de formação e consultoria. O próximo passo será o lançamento de uma app, a Dem Well.
Saúde com mais justiça
À primeira vista, não haverá muito em comum entre a saúde e o sistema judicial, mas Patrícia Penque discorda.
Para a fundadora do Instituto Penque, um projeto de saúde integrada, concebido a pensar no bem-estar da mulher, justiça e saúde profundamente interligadas.
E foi com base nesta premissa que, depois de uma carreira de 15 anos na justiça, abriu online este espaço em que uma equipa pluridisciplinar se dedica ao acompanhamento integrado da saúde mental e emocional da mulher.
A determinação e a persistência são duas características de Patrícia Penque. Desde criança sempre soube que queria seguir a área de investigação criminal.”
Seguiu o curso de Direito e trabalhou numa empresa e em sociedades de advogados, sem nunca esquecer o objetivo inicial.
“Durante os anos da troika, os concursos para a magistratura estiveram parados, e o primeiro abriu com 40 vagas. Estava a trabalhar, mas decidi que era o que queria fazer”, conta.
A decisão implicou passar a trabalhar como freelancer e levantar-se de madrugada dois dias por semana. Concorreu, para terminar em 41.º lugar.
‘Apercebi-me de que sem essa base de bem-estar não conseguimos reestruturar aquelas pessoas’, Patrícia Penque, fundadora do Instituto Penque
“Fiquei completamente perdida”, admite. Optou por viajar e foi no Brasil que recebeu a chamada a anunciar que tinha havido uma desistência e que, se quisesse, tinha um lugar à espera no Magistério Público.
“Foi uma experiência muito enriquecedora, que me fez lidar com histórias de vida todos os dias”, diz. Ao mesmo tempo, apercebeu-se de que o sistema, como está concebido, fica “muito aquém do que se poderia fazer” e que na base de tudo está a saúde e o bem-estar social (ou a sua ausência).
Durante esses anos, admite, impressionava-a “o facto de se saber muito pouco sobre a mente e o comportamento humano”, conta Patrícia Penque, que atualmente estuda Neurociência Afetiva e que, ainda como magistrada, começou a estudar Psicologia e Nutrição Integrada.
“Apercebi-me de que sem essa base de bem-estar não conseguimos reestruturar aquelas pessoas”, diz.
A criação do Instituto Penque foi o corolário deste percurso, mas não foi um processo rápido. “Demorei dois anos a agir e, quando saí da magistratura, ainda não tinha a ideia do instituto completamente construída”, conta Patrícia Penque.
Seguiram-se dois anos no estrangeiro, que incluíram uma viagem de 20 mil quilómetros de moto pela América do Sul, que fez com o marido, cada um numa GS 1250.
Os contactos que teve com a saúde integrativa do bem-estar ajudaram à conceção de um projeto centrado nos problemas da mulher. “Sinto que estamos a fazer algo útil e que, indiretamente, vai ter impacto de justiça, porque também é de justiça social que se trata”, remata.
Personalização Máxima
“Difícil não é começar um negócio, é mantê-lo”, diz Catarina Vassalo, a fundadora da marca de joalharia Cata Vassalo, que tem nas noivas e nos seus convidados um dos principais públicos-alvo.
“Tudo começou como uma brincadeira. Em pequena adorava fazer bijutaria com missangas. Comecei assim e nunca mais parei”, recorda Catarina Vassalo, que acabou por formar-se em Restauro, com especialidade em Restauro de Metais, mas acabou por não trabalhar nessa área. “Era muito nova e não tinha maturidade”, diz.
A mudança de rumo aconteceu em Inglaterra, para onde foi com o marido. Começou por criar peças em latão, vendeu em feiras, contactou diretamente com os retalhistas e colocou as suas peças em algumas lojas antes de abrir o negócio online.
Entretanto, fez cursos de joalharia, aprendeu a fazer missangas de vidro e começou a trabalhar com metais preciosos.
Nunca ‘deu um passo maior do que a perna’ e o facto de começar lentamente permitiu-lhe não ter de fazer logo um grande investimento, admite.
A vida familiar, a que, entretanto, se somaram duas filhas, levou-a para Espanha, onde abriu uma primeira loja em Valência, e antes de assentar arraiais de volta a Portugal, em 2016, ainda regressou a Inglaterra.
Foi em Espanha, país “onde os casamentos são levados muito mais a sério do que em Portugal”, que começou a fazer os toucados que se tornaram a imagem de marca da Cata Vassalo. “Todos os fins de semana entregava 40 a 50 toucados”, recorda a criadora.
Entretanto, alargou a oferta de produtos, que inclui brincos e carteiras, para fazer face a um negócio com uma forte componente sazonal.
“Foi tudo instinto, fui aprendendo com as cabeçadas na parede, a ouvir as minhas necessidades e a ver onde havia espaço para melhorar”, explica Catarina Vassalo que, inicialmente, fazia tudo sozinha.
Na estação alta, a Cata Vassalo chega a ter mais de 200 encomendas por mês, num trabalho que continua a ser todo feito à mão por uma equipa que, além da própria, conta com 12 pessoas.
Mas o foco no detalhe manteve-se; cada peça é única, com pormenores escolhidos pelo cliente a partir de um modelo base.
Hoje, Catarina Vassalo, que iniciou o sonho com missangas, não se vê a fazer outra coisa. “Já não me imagino a trabalhar para outras pessoas”, confessa.