Resiliência tóxica: quando não conseguimos dizer ‘não’ às horas extra no trabalho

O medo de serem vistas como pouco profissionais, incapazes ou insuficientes sobrecarrega muitas trabalhadoras. A isto, designamos de resiliência tóxica, uma tendência no mundo do trabalho que está a colocar em causa a saúde mental.

Por Set. 4. 2023

São 19h30 e ainda está à secretária, em frente ao computador, a adiantar as suas tarefas. O seu horário terminava às 18h00, mas deixou-se ficar uns (longos) minutos extra por medo de parecer incompetente por sair a horas, mesmo que tenha deixado o trabalho pronto para o dia.

Reconhece este cenário? Pois, provavelmente, já passou por isto ou continua a fazê-lo mais vezes do que deveria.

Este é apenas uma das formas visíveis da resiliência tóxica, que tem um impacto brutal na saúde mental.

“É uma tendência preocupante no mundo do trabalho que pode ser desastrosa, tanto para as pessoas, como para as organizações”, destacou Kayleigh Frost, diretora de serviço clínico da Health Assured, à Glamour UK.

A “cultura de suportar em silêncio” que existe ainda em vários locais “pode exercer uma enorme pressão sobre as pessoas para que não digam nada quando estão sobrecarregadas ou em dificuldades”, continuou.

Mas o que é, na realidade, a resiliência tóxica?

Não conseguir dizer “não” ao trabalho extra, tendo já tarefas que dariam para uma semana inteira, em vez de 8 horas; ficar até mais tarde no escritório, constantemente; ter medo de explicar que não se sente capaz de exercer uma qualquer responsabilidade por poderem considera-la insuficiente ou pouco profissional: tudo isto faz parte da resiliência tóxica.

Quando colocamos a nossa saúde mental em xeque por causa do trabalho, significa que o estamos a levar longe demais.

“A resiliência tóxica é quando deixamos que as nossas necessidades pessoais passem para o segundo plano em função do melhor para a empresa”, sublinhou Hattie Roche, diretora geral e chefe de estratégia da This is Home, à Glamour Espanha.

Impacto na saúde mental

Claro que a nossa felicidade e bem-estar emocional são colocados à prova nestas alturas. E, a verdade, é que, muitas vezes, acabamos exaustas e a nossa produtividade diminui a olhos vistos.

Tara Holley, a mente por trás do projeto The Life Designer, avançou que “a pressão para reprimir as próprias emoções e manter uma fachada pode provocar um esgotamento, ansiedade e uma sensação de desconexão consigo mesmo e com os outros”.

Isto vem, habitualmente, da “ideia errada” de que a “vulnerabilidade e autenticidade são sinónimos de debilidade e incompetência”, completou em entrevista ao mesmo título.

Esta ideia é corroborada por Andrew Jackson, diretor geral e cofundador da Rethinkly.

“Ser demasiado flexível ou colocar em perigo o bem-estar pessoal para cumprir um prazo ou realizar uma tarefa, não só cria uma cultura de limites deficitários, como pode pôr o empregado em risco de um esgotamento”.

“Esforçar-se constantemente por alcançar metas más altas ou inalcançáveis, aguentar um mau chefe ou uma função desmoralizadora também podem ter consequências negativas para o nosso bem-estar”, completou.

Deste modo, uma questão impõem-se: como podemos manter a nossa sanidade mental intacta no trabalho?

Como impedir que a resiliência se torne tóxica?

Estabelecer limites

Sabemos que não é fácil dizer “não” de uma forma geral e que, no escritório, esta dificuldade é levada, não ao patamar seguinte, mas a uns dez acima. No entanto, essa é uma das chaves para se manter produtiva a longo prazo.

Chegando ao fim do seu turno, desligue o computador e tire o trabalho da cabeça. Desligue, mesmo. Se não tinha de terminar a tarefa nesse dia, no seguinte terá mais tempo para se dedicar a ela. Agora, dedique-se a si.

Honestidade acima de tudo

Dizer ao chefe ou responsável que não tem capacidade mental para desenvolver o que lhe foi pedido parece envolver uma boa meia hora de preparação antes de o fazer realmente.

Todavia, é crucial fazê-lo para que se aperceba que a quantidade de trabalho atribuída é impensável para o tempo que tem. Afinal, não é uma máquina. É um ser humano.

Ao procurar uma comunicação honesta, transparente e aberta, sentir-se-á mais segura e, ao mesmo tempo, menos stressada. Assim, por consequência, será mais produtiva e confiante.

Perceber como pode crescer pessoal e profissionalmente

Há momentos que parecem ter sido criados propositadamente para evoluir, não apenas pessoalmente, mas também a nível profissional.

Procure essas oportunidades e aprenda a gerir melhor certas situações e desenvolva ferramentas para lidar mais facilmente com cenários complicados.

Simultaneamente, invista em podcasts, livros ou programas sobre gestão de tempo, resolução de conflitos e outros métodos para se tornar melhor, de forma eficaz.

Criar uma rede de apoio

Nunca está sozinha. Entre amigos e familiares, tem, certamente, à sua volta, várias pessoas que a apoiam nos momentos mais difíceis da sua vida.

No entanto, nem sempre são suficientes para a ajudar a ultrapassar determinadas situações. Nessas alturas, procure um profissional de saúde mental, como psicólogo, psicoterapeuta ou psiquiatra para conseguir equilibrar a sua vida pessoal e carreira.

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