Combater o sexismo no trabalho é uma luta de todas as mulheres (e homens)
A lei defende a igualdade. Os salários ainda não são equiparados. E as vozes dos homens e das mulheres ainda se ouvem em decibéis distintos. Elas continuam a ser mais interrompidas e menos ouvidas. A desigualdade tornou-se subtil, mas nem por isso desapareceu.
O desejo era antigo e já tinha sido beliscado antes. Telma Paz queria muito ser mãe e meio ano antes tinha perdido um bebé. Quando na primavera de 2015 soube que tinha conseguido engravidar novamente e a médica recomendou repouso absoluto durante as primeiras 12 semanas, falou de imediato com os administradores da multinacional que dirigia em Portugal.
A empresa tinha uma mente aberta, primava pela igualdade de oportunidades e de salários entre homens e mulheres e pela preocupação com a motivação dos colaboradores. Informou a administração que teria de evitar deslocações, mas que estaria disponível para fazer o seu trabalho a partir de casa.
Apressaram-se a dar-lhe os parabéns pela gravidez e a apoiá-la em tudo, mas que “tal como ela entenderia”, não poderiam estar os nove meses da gravidez e os restantes da licença de maternidade sem direção.
Propuseram-lhe de imediato um acordo e convidaram-na a sair. “Atualmente, penso que não devia ter aceite, mas depois de ter perdido um bebé não estava emocionalmente capacitada, nem iria envolver-me numa batalha judicial”, refere Telma Paz.
Grávida, com um acordo na mão, o desemprego à vista e uma enorme vontade de provar a si mesma que não seria por estar grávida que era incapaz de assumir a direção de uma empresa, arregaçou as mangas e abriu a MindConsulting, uma empresa de contabilidade e consultoria. “Já tinha a ambição de trabalhar por conta própria, mas não seria a curto prazo e muito menos numa altura em que tinha outro tipo de preocupações e em que tinha de me dedicar à minha gravidez”.
Provou a si mesma que é capaz, tão capaz que gere uma equipa de mulheres na qual se aceitam as condições de cada uma. Telma acredita que só vai deixar de existir desigualdade quando houver uma mudança de mentalidade na sociedade. “Nem todas as pessoas que gerem as empresas são mulheres, mas todos têm mãe e muitos têm filhos”.
Não há homens nem mulheres, há pessoas
Durante uma reunião de trabalho, Cristina recebeu de resposta: “Oh querida!”. Parou, respirou fundo e perguntou-lhe: “Sabe que eu me chamo Cristina, não sabe? Quando se reúne com os seus sócios também usa um petit nom? Também os chama de amor?”.
Cristina Nogueira da Fonseca estudou sociologia e psicologia e acredita que a felicidade é capaz de resolver inúmeros problemas, nomeadamente problemas de género. Defende que os homens e as mulheres nunca vão ser iguais e que não é suposto que assim seja. Importante mesmo é valorizar aquilo que de diferente homens e mulheres trazem para as empresas.
Há desigualdade de género?
Há, mas haverá cada vez menos com as novas obrigações de responsabilidade social e moral. “Na minha opinião, a desigualdade também tem muito a ver com a cultura da empresa, com as mulheres e com o seu papel e com a presença cada vez mais ativa das mulheres no mercado de trabalho. Pode não existir igualdade salarial, mas estamos a entrar numa época em que já existe igualdade moral”, refere Cristina Nogueira da Fonseca.
A socióloga salienta a subtileza das desigualdades que ainda persistem e que estão associadas àquilo que é socialmente expectável: o equilíbrio entre uma carreira profissional e os filhos, entre aquilo que uma dá e a outra tira. Sendo socialmente expectável que as mulheres optem por ter filhos, as hierarquias e decisores tem isso em conta nos processos de contratação.
Não serão necessárias estatísticas muito elaboradas para avaliar quantas vezes perguntarão a um homem, numa entrevista de emprego, se pensa ter filhos. Já às mulheres é pergunta frequente. “Quando a entrevista é feita a uma mulher parte-se logo do pressuposto que ser mãe vai retirar disponibilidade à colaboradora. É subtil, mas muito evidente”, acrescenta a socióloga.
Ideias para combater o sexismo no local de trabalho
• Recolher informação sobre as ferramentas usadas noutras empresas para combater a igualdade de género (a plataforma iGen, da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, pode ser útil);
• Fazer mentoring de uma colega nova;
• Promover as ideias das outras mulheres – #WomenSupportWomen;
• Recolher informação estatísticas sobre a perceção dos colaboradores quanto à igualdade de género;
• Desenvolver programas de consciencialização;
• Promover uma inclusão que, de forma clara, elimine estereótipos de género, por exemplo, promover e facilitar as licenças de parentalidade aos homens;
• Construir uma cultura organizacional de igualdade e um plano de progressão de carreiras flexíveis e neutras.
As mulheres são refilonas?
É comummente entendido como tal, mas e se em vez de ser “refilice” for uma competência de liderança? “Está na hora de deixar de falar nos humores femininos e de retirar o rótulo de histéricas e emotivas às mulheres. Porque não? Isto é entusiasmo, é foco, é motivação, é drive. Teremos muito mais sucesso celebrando a nossa diferença do que procurando a igualdade”, refere Cristina Nogueira da Fonseca.
Mais do que educar para a igualdade, é necessário educar para a partilha de tarefas, para o respeito e para a empatia. É preciso dar o direito às mulheres de serem o que quiserem mesmo que queiram ter filhos e marido e uma vida para além do trabalho que exercem. No entanto, essa liberdade continua a ser olhada como uma afronta.
A criadora do projeto Happytown aposta na psicologia positiva como um mote para combater as desigualdades de género. Pessoas felizes, mulheres felizes, serão mais produtivas, têm mais energia, mais vitalidade e menos absentismo ou baixas médicas.
“Hoje está muito bonita”. Não, a maioria das mulheres não quer ouvir esse tipo de piropos dos colegas de trabalho, dos clientes ou dos superiores hierárquicos. Não é elogio, é desconforto. As mulheres querem ter filhos e trabalhar, e se estiverem motivadas, fazem tudo isso e ainda lhes sobra tempo, tal como aos homens.
As mulheres de hoje não querem ser superiores aos homens, mas não se consideram inferiores, em nada. Não querem a igualdade como medalha, mas querem a moralidade de não serem consideradas menos em nada só por terem nascido mulheres.
Exemplos de sexismo em contexto profissional
• Entrevistas de emprego onde se questiona a vontade de ter filhos;
• Afastar mulheres grávidas dos cargos de chefia;
• Valorizar as opiniões masculinas relativamente às femininas;
• Comentários sexistas – “Oh querida!”; “Deves estar com o período”; “Posso antes falar com um homem?”;
• Desigualdade salarial;
• Associação de comportamentos a estados emocionais ou hormonais.
Portugal desigual?
A desigualdade entre homens e mulheres continua a ser uma realidade evidente no mercado de trabalho em Portugal, refere Joana Gíria, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). No entanto, salienta que há setores onde a desigualdade é mais evidente.
Setores como a saúde ou a educação, onde há uma percentagem mais elevada de mulheres, são muitas vezes encarados como uma extensão das tarefas domésticas ou de tarefas de cuidado com dependentes e a desigualdade é mais pronunciada. “O que se verifica é que nos setores onde há uma predominância feminina, há salários mais baixos”.
A lei em vigor protege as mulheres e a igualdade, mas como refere a Presidente da CITE, as mudanças não se fazem por decreto. E essa proteção é importante dado que é preciso reconhecer que homens e mulheres nasceram iguais em dignidade e em direitos.
A realidade ainda é evidente: os últimos dados do Ministério do Trabalho apontam para uma disparidade salarial (em termos de remuneração média mensal) de 14.9% entre homens e mulheres. Se se incluir os prémios, subsídios e trabalho suplementar a desigualdade piora para 18.3% em desfavor das mulheres.
Nos quadros superiores, a diferença ascende a 26.4%, o que equivale a cerca de 670 euros, por mês. Como se combate essa realidade? A lei da promoção da igualdade remuneratória, que entrou recentemente em vigor, surge como uma instrumento de resolução do problema dado que reforça as competências do CITE e do ACT nesta área.
De forma mais ou menos inconsciente, os homens ainda interrompem mais as mulheres e as suas opiniões ainda são mais valorizadas. A desigualdade deixou de ser evidente e tornou-se subtil. Tão subtil que por vezes é quase impercetível.
Mónica Lopes, investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) conduziu um estudo no qual se verificou que quando as alunas participam nas aulas não só são menorizadas na sua voz, como são frequentemente interrompidas quando estão a falar. “Como estão a transmitir uma ideia que é apropriada por um colega rapaz, esta ideia é recebida pelos docentes como se estivesse a ser ouvida pela primeira vez. A desigualdade vem dos bancos de escola”.
Mónica Lopes refere ainda que apesar dos passos importantes que foram dados a nível legislativo para melhorar a condição dos homens e das mulheres, o âmago da questão continua a manter-se inalterado dado que o perfil do trabalhador ideal ainda é muito masculino, muito focado e muito distante da vida pessoal e familiar.
Se as disparidades salariais ainda existem, a dificuldade de progressão continua também a ser uma realidade. As discriminações diretas ainda acontecem, embora mais veladas, subtis e difíceis de diagnosticar.
“Continuam a existir tetos de vidro que dificultam as mulheres na sua ascensão até ao topo”, refere a investigadora do CES que destaca a segregação que ainda é notória quando ainda se fala das profissões “de homens” e nas profissões “de mulheres”.
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