Studioneves, a marca de cerâmica dos restaurantes Michelin que já pode ter em casa
A história de Alex Hell e de Gabi Neves merece ser lida. Os dois são a prova de que uma mudança de vida é possível e que o amor por um negócio não conhece o significado de desistência. A Studioneves era o sonho de ambos, agora é realidade.
Os dois trabalhavam no mundo da publicidade até que conheceram o que é a verdadeira exaustão das altas horas laborais, o stresse, e a infelicidade de estar num projeto que já não lhes trazia gratificação.
Alex Hell e Gabi Neves deram a volta à vida e mesmo com alguns graves contratempos – um assalto à mão armada com o filho de dois anos que pôs em causa tudo o que estavam a construir – decidiram nunca desistir e lutar pelo amor que tinham pela cerâmica.
Hoje, as suas loiças estão em restaurantes com estrela Michelin, como o Feitoria, do chef João Rodrigues, mas a novidade é que já as pode ter em sua casa. A linha Studioneves Casa é minimalista, original e tem uma forte preocupação com a sustentabilidade.
Entrevista a Alex Hell, fundador da Studioneves
Como é que passaram da área da publicidade para a área da cerâmica? Foi um processo difícil?
Gastrite, queda de cabelo e insónia, dormir pelo menos uma vez por semana na agência de publicidade em que trabalhávamos e a pedir pizza de madrugada para entregar os projetos cada vez mais ambiciosos do diretor de criação.
E foi após a entrega de um lançamento que levou quatro meses de planejamento exaustivo, culminando num evento de quatro horas, que decidimos ir em busca de algo que fizesse mais sentido para as nossas vidas.
Conheci a Gabi na agência, ela é formada em Design e eu em Marketing, e num regime de altas cargas horárias laborais e num relacionamento intenso entre o planejamento (eu) e a criação (ela), em pouco tempo a nossa relação passou de necessária para desejada. De companheiros de trabalho a namorados.
Um mestrado em Espanha parecia um bom motivo para dizer adeus à publicidade e iniciar essa busca. A oferta cultural de Barcelona era muito bem aproveitada com o tempo livre que tínhamos nos intervalos das aulas, e o nosso apetite por museus e restaurantes só aumentava.
A procura por algo relevante ao qual queríamos dedicar as nossas vidas não estava a ser tão óbvia quanto desejávamos, mas no caminho da universidade para casa havia um atelier de cerâmica, onde uma professora dava workshops e parecia exatamente o ambiente de trabalho que havíamos idealizado.
A experiência não podia ter sido pior. Sem saber, entrámos numa turma de terapia ocupacional, em que boa parte dos alunos tinha algum tipo de distúrbio psicológico e havia até uma presidiária em liberdade condicional.
Saímos daquele curso um pouco desanimados com o ambiente, mas o talento da Gabi com aquele material não podia ser ignorado, portanto fizemos mais uma tentativa, agora na escola de cerâmica de maior renome na região, a Escola de Cerâmica de La Bisbal.
Aquele momento foi de pura exploração, aventura e a descoberta de uma nova paixão. Terminado o mestrado, em 2010, já de volta ao Brasil, tínhamos um plano razoavelmente bem definido, em que a Gabi se tornaria assistente de um atelier de cerâmica e eu procuraria entender melhor o mercado, conhecer a concorrência e foi para aí que direcionámos as nossas energias, já que a notícia que nos tornaríamos ceramistas não agradou tanto aos nossos pais, que associavam a prática de artesanato com desleixo, drogas leves e baixa remuneração.
Resolvi encarar novamente o mercado de eventos, mas desta vez numa agência especializada em eventos de design auroral, em que artesões mais refinados mostravam os seus trabalhos a lojistas do mercado de decoração e design. No início de 2011 já tinha um relatório detalhado dos principais ceramistas do Brasil, os seus principais clientes e ideias das faturações anuais.
A nossa primeira exposição foi já bastante esclarecedora. A proposta naquele momento era oferecer um produto sob medida ao cliente, fosse ele quem fosse. E apesar de os lojistas se interessarem pela ideia, para fazer uma peça sob medida era preciso fazer duas ou três peças antes da peça final. Depois, o cliente só queria uma para testar na loja.
As vendas foram muitas, mas o prejuízo foi certo. Até que veio a revelação. No terceiro dia de feira, entrou no nosso stand uma senhora que perguntou se faríamos um determinado prato da nossa exposição com o logotipo dela e, caso fizéssemos, ela compraria 200 unidades de cada.
Intrigados, perguntámos o que ela faria com as peças e descobrimos que era para um catering no interior do país que não tinha muitas opções de aluguer de peças. Aquilo abriu-nos os olhos para um nicho de mercado absolutamente encantador. Cerâmicas sob medida para restaurantes.
Como foi a mudança, em 2018, para Portugal? Como é que começaram do zero?
No final de 2017, o Studio contava com 220 restaurantes que eram nossos clientes no Brasil e a faturação era exatamente o dobro do ano anterior, o crescimento era constante, estávamos presentes nos melhores restaurante do país, e foi quando, após um incidente desagradável, decidimos fechar a empresa.
Um assalto à mão armada quando estávamos no carro com o nosso filho de dois anos no banco de trás pôs em causa a situação degradante que o nosso país estava a passar. Depois de muita resistência, decidimos vender todos os nossos equipamentos para uma ceramista amiga, tudo pela metade do preço, com a condição de que ela contratasse os nossos cinco funcionários.
Aproveitámos a cidadania europeia da Gabi e, dois meses após o encerramento das atividades, em fevereiro de 2018, já estávamos a viver em Portugal.
Se alguém me tivesse dito como seria aquele início de adaptação, talvez nunca teria saído do Brasil. O primeiro ano foi marcado por três mudanças residenciais até uma casa adequada. O nosso objetivo era encontrar um atelier, comprar equipamentos e começar a trabalhar logo no primeiro mês, e já estávamos atrasados 10 meses, pois o forno nunca mais chegava e as nossas poupanças estavam novamente a chegar ao fim.
Foi em outubro de 2018 que conheci o chef João Rodrigues, que nos conhecia pelo nosso Instagram, e perguntou se podíamos fazer peças para o restaurante novo dele. Não era para o Feitoria, o seu restaurante com estrela Michelin, mas sabíamos que tínhamos de ter paciência, era um recomeço.
O forno não tinha chegado ainda, mas num ato de total irresponsabilidade aceitei o trabalho, e o meu tom de desespero fez o fornecedor dos equipamentos entregar tudo no mesmo mês.
Fizemos as peças em trinta dias, mas, por sorte do destino, o novo estabelecimento atrasou-se e ele colocou as peças novas no Feitoria, e foi um sucesso. Em pouco tempo muito chefs portugueses começaram a ligar e aos poucos o Studio foi tendo os seus dias preenchidos de trabalho.
Porque é que só agora decidiram produzir para o público em geral? Foi uma das consequências da pandemia?
As vendas ao público sempre estiveram nos nossos planos, mas nunca foram uma prioridade. Isso não quer dizer que não houvesse procura pelo consumidor final, porque sempre houve muita, principalmente depois de começarmos a fazer pratos para restaurantes de renome como o D.O.M. do Alex Atala, em São Paulo, ou o Olympe da família Troisgros, no Rio de Janeiro.
Mas assim como os consumidores finais demonstraram interesse no nosso trabalho, os restaurantes também, na mesma medida.
Acontece que vender para um restaurante é muito mais vantajoso, pois significa lidar com poucos clientes de alto volume de vendas, ao contrário do consumidor final, que gera vendas pulverizadas de poucas peças.
Sabíamos que havia interesse do consumidor final e assim que houvesse a oportunidade iríamos ativar este mercado. A pandemia deu-nos essa oportunidade.
Em que é que se inspiram para criar as peças?
A principal inspiração para a criação da linha “doméstica” foi o natural, não exatamente a natureza, mas sim o humano, que é único, orgânico e desigual. O ponto de partida foi o que sempre utilizámos nas criações desenvolvidas para os grandes restaurantes: a durabilidade e resistência das peças.
Estamos habituados a produzir material que tem de sobreviver ao uso intenso dos estabelecimentos de alta gastronomia, e redobramos esse cuidado ao criar peças diretamente para o consumidor final.
Onde é que são produzidas as peças e quantas pessoas trabalham convosco?
Todas as nossas peças são produzidas no nosso armazém em Alcabideche, próximo de Cascais, e atualmente a equipa é formada pela Gabi, por mim, Alex, e mais três assistentes.
Há uma certa imperfeição que torna as vossas peças únicas. Porquê a escolha deste design?
É menos escolha e mais consequência. As nossas peças são todas feitas à mão. E até as peças feitas nos moldes acabam também por ser finalizadas à mão.
Alguns clientes preferem peças mais perfeitas, outros querem explorar uma estética mais orgânica, a verdade é que não há muito como evitar, enquanto as nossas peças forem feitas à mão elas terão essas imperfeições.
Eu diria que terão para sempre, pois o nosso maior prazer é tocar em todas as peças que produzimos.
Sabemos que têm uma forte preocupação com o meio ambiente. De que forma é que a vossa marca contribui para uma pegada mais verde?
Depois de o Studioneves conseguir estar presente em restaurantes que jamais imaginávamos ser possível, como o Feitoria, o Alma, o Celler de Can Roca, duas vezes melhor restaurante do mundo, e o Mirazur, atual melhor restaurante do mundo pelo ranking do 50 Best, ficámos muito contentes, mas também percebemos a nossa responsabilidade e o nosso desafio.
A nossa prioridade neste momento é a sustentabilidade. Queremos tornar o Studioneves o atelier de cerâmica mais verde possível, mas estamos a encontrar muitas resistências.
O maior problema num atelier de cerâmica são as consequências do uso de energia para alimentar os fornos. Sejam elétricos ou a gás, os combustíveis fósseis são queimados e toneladas de CO2 são emitidas na atmosfera.
Ainda não temos uma solução viável para que os fornos de médio porte cheguem às altas temperaturas necessárias através de energia renovável, assim, a forma que encontrámos para produzir de forma mais sustentável foi reduzir ao máximo as nossas temperaturas.
Percebemos que sozinhos não damos grande alívio ao planeta, por isso, decidimos partilhar o feito no nosso Instagram, pois metade dos nossos seguidores são ceramistas. Se 10% desse público percebesse a nossa urgência, seriam 1200 ateliers de cerâmica a reduzir em 30% as emissões de CO2, e isso já é um começo.
Conhecemos muito bem os ceramistas, muitos são nossos amigos de longa data, sabemos que são pessoas sensíveis, mas também sabemos que são pessoas que odeiam mudanças, portanto fomos mais além.
Em primeiro lugar, fizemos um post para os ceramistas brasileiros com informação sobre onde poderiam comprar cerâmica de boa qualidade e que fundisse a baixa temperatura. Depois, publiquei vários outros posts com receitas de vidrados que funcionavam muito bem naquela cerâmica e na temperatura pretendida.
A resposta foi espetacular. Os ceramistas enviaram-me os seus resultados, dúvidas, mas acima de tudo perceberam a importância para o planeta, e também para o bolso deles, afinal, queimar a uma temperatura mais baixa também diminui a conta da luz.
O assunto de sustentabilidade ganhou outra dimensão no Studio. As nossas embalagens hoje são hoje 100% de papelão reciclável e contratámos uma consultoria de sustentabilidade de Nova Iorque, com boa experiência no assunto, para nos ajudar a perceber o que mais podemos fazer, e mais importante, que isso se possa replicar também noutros ateliers.
O feedback tem sido positivo? Sentem que as pessoas procuram cada vez mais este tipo de produto?
Sim, muito positivo. Apesar de estarmos a viver tempos difíceis, de incertezas e de crise económica, podemos dizer que o lançamento da linha Casa foi um sucesso.
O facto da maioria do nosso público nas redes sociais ser brasileiro gerou uma grande quantidade de pedidos, mas infelizmente tivemos que travar essas vendas.
Fizemos uma breve análise das emissões de CO2 por cada embalagem de pratos que enviávamos por avião para o Brasil e o volume de emissões é muito maior do que imaginávamos. Isso aliado às taxas alfandegárias muitas vezes superior ao valor dos pratos foi o suficientes para descontinuarmos as vendas para o Brasil.
O foco passa a ser Portugal em primeiro lugar e depois a Europa, mas não temos pressa, tudo a seu tempo.
Onde é que se veem no futuro?
Vemos no futuro o trabalho incessante em fazer os melhores pratos sempre, todos os dias, pois é isso que temos vindo a fazer desde o início do Studio até hoje, e acredito que nunca irá mudar.