Uma conversa com Jader Almeida, o designer silencioso
Aos 36 anos é uma referência no universo do design global. Sem nunca negar a forte influência do mestre Sergio Rodrigues, Jader Almeida tem traçado com sucesso o seu próprio caminho. Pode conhecer as suas peças na pop up store QuartoSala da recém-inaugurada casa Pau-Brasil.
O Príncipe Real foi em tempos apelidado de Praça Rio de Janeiro. Nem de propósito, foi precisamente neste bairro lisboeta que em abril deste ano abriu no piso 1 do Palacete Castilho a casa Pau-Brasil. Um espaço de divulgação de arte, moda, beleza e cultura brasileiras.
Assim que abre a porta do n.º 42 da Rua da Escola Politécnica, antes de subir as escadas, depara-se com uma zona de entrada desenhada pela premiada arquiteta Joana Astolfi . É a entrada para um novo mundo… A casa Pau-Brasil é uma high-end concept store. Uma curadoria de produtos e marcas que melhor interpretam e concretizam um Brasil brasileiro de vocação internacional. Com mais de 500 m2, a Pau-Brasil é a casa na Europa de 18 prestigiadas marcas brasileiras.
Foi nesta janela, para o que de melhor se faz hoje no país irmão, que conversámos com Jader Almeida, rodeados das suas peças e de outras dos mais conceituados designers brasileiros, no espaço da QuartoSala.
Entrevista com o designer Jader Almeida
Como começou tão cedo, aos 16 anos?
Na verdade foi uma série de fatores. O design, como costumo falar, é quase como uma alquimia, que varia consoante o momento político, económico, as pessoas. Não existe na visão romântica do género. A real parte do negócio nem sempre é tão romântica. No meu caso, tive algumas circunstâncias que me conduziram a isso e que foram determinantes para a minha carreira e sequência dos factos.
Quais foram então?
Comecei logo aos 14 anos a fazer alguns cursos técnicos. Nasci numa região a sul do Brasil que tem grandes indústrias. Tem um parque industrial fantástico. Como parte dessa cultura, comecei logo a fazer alguns cursos, como desenho mecânico, entre outros. Tenho um primo responsável por uma indústria na cidade que me convidou aos 16 anos para trabalhar na fábrica, pois já tinha alguns conhecimentos. E assim foi. Hoje estou com 36, 20 anos depois. Tudo começou de forma diferente do que acontece com as outras pessoas, que primeiro estudam e depois escolhem uma profissão. Primeiro comecei a trabalhar e só depois a estudar. Foi tudo muito intenso. Foi mesmo circunstancial.
Mas nessa idade, a maioria dos jovens não quer trabalhar. Houve assim um grande esforço da sua parte…
Existiu sempre uma grande determinação. E sempre foi, acima de tudo, algo que me dá muito prazer. É mais ou menos como aquela frase: ‘trabalha com o que gostas que jamais precisarás de trabalhar’. Romantizando, foi mais ou menos esse o caminho…
Arquitetura e design
Mas depois formou-se em arquitetura e urbanismo. Porque seguiu esse caminho?
Na altura, com 17, 18 anos é o momento de entrar na universidade. Como já tinha uma vivência do design, acedi por escolher uma área que me desse um leque muito maior. A arquitetura, para mim, sempre foi um curso emblemático. O arquiteto tem o domínio de desenhar com uma caneta uma cidade e isso motivou-me muito. Entender o macro até ao micro.
E onde fica hoje a arquitetura?
Hoje, a arquitetura, para mim, configura-se na questão da formatação dos espaços comerciais. A arquitetura é quase reativa ao próprio design, caminham juntos e em paralelo; e um complementa o outro.
Disse em entrevista que procura produtos com um valor durável. O que quer dizer com isso?
Que quando compramos um produto, pensando do ponto de vista que vai envelhecer com o tempo e uso, este permanece consigo, com os seus filhos e os seus netos. É quase aquela ideia, voltando à palavra que gosto de usar, de romantizar e ficar como uma herança.
O design é um testemunho material do nosso tempo, daquilo que vivenciamos do ponto de vista económico, político… Materializar, sim, mas também uma procura acentuada do desenho sem tempo. Os produtos que faço hoje, como já o fez Sergio Rodrigues, são com a absoluta convicção que daqui a 50 anos estarão atuais, livres de qualquer tipo de tendência e moda, livres de qualquer qualidade estética.
Tudo o que é eterno torna-se um clássico…
Exatamente. Essa é a minha busca, o meu objetivo.
Design silencioso
Mas como é que isso é possível? Como é que se desprove um objeto, uma peça de temporalidade? Recorre-se ao minimalismo?
A questão é uma medida, talvez empírica. Uma percepção, um feeling, um sentimento, pois não tem como medir. É muito do próprio sentimento da pessoa. Há muito além daquilo que é visível. O poeta Manoel de Barros dizia haver coisas que não são mensuráveis por materiais, por fita métrica e barómetros, e estão no campo das emoções. O design tem muito isso, assim como a música e a arte. O design começa a partir do momento em que a técnica é superada.
Como é que define o seu estilo?
É muito difícil definir, pois, assim, limitamo-nos. Costumo dizer que é um mix da herança nacional, global, um testemunho do nosso tempo, um espírito da época, mas que não se limita a isso. É um estilo atemporal, silencioso, no sentido em que o objeto não é o protagonista. A peça cumpre a sua função e vai-se modificando à medida que as pessoas a vão descobrindo. Cumpre a sua função sendo silenciosa e ganha as marcas e a elegância do tempo.
E com que materiais gosta mais de trabalhar?
Tudo com excelência. Materiais nobres, verdadeiros. A madeira é madeira, a cortiça, cortiça. Não há nada que imite ser uma outra coisa.
Identifica-se logo o material, certo?
Exatamente. E dentro do ponto de vista que vai envelhecer com qualidade.
A inspiração…
Quem é para si o grande mestre do design? Há alguém que o inspira?
Vários. Nunca poderia ser só um e não apenas do design, mas de todas as artes. Os escultores Richard Serra, que muito me emociona, e Sérgio Camargo, que tem um trabalho fantástico. Todos os concretistas brasileiros… Do passado, os arquitetos Oscar Niemyer e Paulo Mendes da Rocha.
No fundo, a inspiração é mais ou menos isso: um caldeirão de coisas, onde nós colocamos o nosso filtro cultural, em que acreditamos, gostamos. Quantas mais ligações, conexões temos, mais a inspiração acontece. É isso com tudo. Na música, na culinária, na arte. Da fusão de coisas retiram-se coisas distintas. Temos três cores primárias que, quando combinadas, criam outras infinitas. As combinações é que criam o infinito. É por isso que é difícil salientar apenas um mestre.
Se não fosse arquiteto, designer, em que outra área estaria a trabalhar?
Algo também ligado ao mundo criativo. Talvez se não trabalhasse diretamente com o design, a engenharia, que é a parte do background. Ou com roupa, com estética, design gráfico, fotografia. Mas, hoje já trabalho com todas essas áreas… No final das contas, isso tudo se integra, agrega e contribui.
Daqui a dez anos gostava de estar a fazer o quê?
Em 2027? Tenho um plano de, até 2024, estar nos cinco continentes com alguma regularidade. Hoje só falta a África do Sul. Na verdade, nunca se chega a um objetivo – há sempre um caminho. Daqui a dez anos quero continuar curioso, quero continuar com essa euforia que acredito que tem de ser cultivada.
E essa persistência ainda não acalmou?
Ainda não. Acredito que 99 por cento do sucesso advém do esforço. Nada acontece rapidamente.
Gostou de conhecer o designer brasileiro Jader Almeida? Temos outras entrevistas interessante, como à “rainha da lã portuguesa”, Rosa Pomar.