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Cobwebbing: a arte de se afastar do que é tóxico

Cobwebbing: a arte de se afastar do que é tóxico

Seja num relacionamento amoroso, numa amizade ou numa relação profissional, quando se decidir afastar de alguém, remova tudo o que a faça lembrar dessa pessoa para que não fuquem teias de aranha a pairar…

Por Out. 10. 2024

E se limpássemos as relações interpessoais que nos fazem mal como limpamos os espaços físicos? É essa a proposta do cobwebbing, que em tradução literal significa teia de aranha e que neste contexto, se refere ao ato de limpar as teias de aranha (emocionais e materiais) deixadas pelos relacionamentos para se poder seguir em frente.

Este termo foi cunhado por Caroline West, especialista em sexo e relacionamentos da Bumble, a conhecida aplicação de encontros, em outubro passado. A autora usou-a para as relações amorosas, mas, em menos de um ano, o conceito transferiu-se para todos os tipos de relacionamentos, desde os familiares às amizades, não esquecendo os laborais.

Da ansiedade ao constrangimento

Acabar com relacionamentos de qualquer tipo é mais complicado do que remover uma teia de aranha, mas é possível. “Não é simples, porque estas relações prejudiciais, a que podemos chamar de tóxicas, normalmente são muito difíceis de ultrapassar, já que nos trazem sentimentos muito ambivalentes. Queremos sair delas, mas sentimos que não somos capazes de o fazer e, por exemplo, no caso das relações profissionais, não podemos simplesmente remover o colega ou o chefe”, explica Diana Cruz, psicóloga.

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O primeiro conselho da também autora do livro Não É Amor, É Uma Relação Tóxica (Manuscrito) é “perceber que estas relações são realmente prejudiciais. O que acontece é que algumas vezes achamos que elas são prejudiciais, mas, como também têm benefícios, aguentamos a parte prejudicial e tóxica”, descreve a nossa entrevistada.

Uma relação é tóxica quando “nos faz sentir mal física e psicologicamente. Provoca ansiedade e constrangimento e incomoda, como se perto daquelas pessoas nunca pudéssemos mostrar exatamente como somos. O próprio corpo está desconfortável, temos pensamentos negativos, de autocrítica e damos por nós a pensar que não queríamos estar próximos daquele indivíduo ou como é que seria se não estivéssemos”, enumera Diana Cruz.

Estes pensamentos devem ser valorizados e são sinais de que devemos remover essas pessoas da nossa vida, pois afetam a nossa autoconfiança, autoestima e desempenho social ou laboral.

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Contacto zero é a regra

A pergunta que se impõe é como fazer essa limpeza. “Cruamente, o ideal é o contacto zero”, afirma perentoriamente a psicóloga, mas isso nem sempre é possível, sobretudo quando se trata de relações familiares e profissionais. “Quando não é possível afastarmo-nos totalmente, o caminho é fazer o mais parecido com o contacto zero, ou seja, é reduzir a interação ao mínimo”, aconselha Diana Cruz.

“Temos de identificar até onde se pode ir nessa interação, ou seja, temas de conversa, profundidade da mesma, pouca partilha de coisas pessoais. Regra geral, não se pode ir muito a longe. É uma conversa muito circunstancial”, acrescenta.

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Ter a noção do valor próprio e autoestima é a base para se conseguir fazer esse afastamento. Para a psicóloga, “muitas vezes o que faz as pessoas continuarem a manter as relações é acharem que, se não ficarem com aqueles amigos, companheiros ou colegas de trabalho, vão ficar sozinhas e desamparadas, sem qualquer tipo de apoio”. Portanto, “deixar estas relações tem muito mais que ver com o valor e limites que estabelecemos para nós próprios. Quando esta autoidentificação está feita, é tudo uma questão de manter a distância suficiente”, refere.

Eliminar a toxicidade

Como lembra Diana Cruz, a expressão do cowebbing, “começou por ser usada nas áreas da química e significa limpar as células de tudo que é tóxico”, e nos relacionamentos deve acontecer o mesmo, quando estão em colisão com o nosso bem-estar. “Muitas vezes isso obriga as pessoas a mudar de contextos, temos de encontrar o que nos faz sentir bem, a par do desapego que vamos fazendo das pessoas que queremos afastar”, salienta a psicóloga, que diz que não há grandes diferenças neste processo entre relacionamentos amoroso e os outros.

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“A diferença tem que ver com as relações que são completamente impostas e nós não podemos mudar. Não podemos deixar de trabalhar porque há uma pessoa que é tóxica na nossa rede de trabalho. Mas podemos mudar o sítio onde vamos almoçar e a hora em que o fazemos, podemos tentar aproximarmo-nos mais de outros colegas que nos pareçam menos tóxicos.

Nas relações amorosas, em teoria, nós temos mais liberdade para deixarmos esses relacionamentos. Na prática, também não é exatamente assim, porque não é só acordar de manhã, bater com a porta e ir embora. Sobretudo nas relações em que há uma dependência emocional muito marcada. Custa sempre e há uma espécie de travessia do deserto, mas o afastamento vai trazer muitos benefícios”, remata Diana Cruz.

Limpeza total: como a fazer

Quando se fecha uma relação é importante afastarmo-nos de tudo o que nos lembra aquele relacionamento e, como realça a psicóloga Diana Cruz, “hoje em dia há muito para limpar, porque estamos ligados de muitas maneiras com os laços digitais”.

  • Elimine os objetos e memórias que lhe fazem lembrar as pessoas que quer remover da sua vida . Pode ser um disco, uma T-shirt, um livro, etc.
  • Deixe de seguir essas pessoas nas redes sociais. Como naquelas só publicamos o que queremos, quando nos mantemos atentos à vida digital daquelas pessoas, podemos pensar que afinal aquela pessoa é melhor, mais alegre e mais interessante do que quando estava na nossa vida, ou seja , a parte má desvanece-se e pode haver a tentação de querer uma reaproximação.
  • Às vezes também é importante deixar grupos comuns, seja o dos copos das sextas-feiras ou o do paddle. Se estivermos a falar de relações amorosas ou de amizade, isso implica perder amigos.
  • A solidão é muito difícil. Para não nos sentirmos sozinhos, é preciso diversificar os amigos, conhecer novas pessoas, experimentar novas atividades, ir a novos sítios e é bom fazer isso enquanto se vai afastando das outras.
A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº291, setembro de 2024.
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