Há quem diga que a crise da meia-idade é um mito; mas a ciência confirma o contrário. Sim, ela existe e em ambos os sexos. Acontece, geralmente, entre os 45-55 anos (o que não quer dizer que não surja mais cedo ou mais tarde), com intensidades diferentes em cada pessoa.
Há exceções, claro, mas é uma altura na qual a maioria das pessoas faz uma retrospetiva do passado e pensa no futuro e, em casos mais extremos, pode dar origem a depressões e episódios de ansiedade.
Maria José Núncio, socióloga, professora universitária no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, mediadora e coach familiar, não tem dúvidas: “Não é um mito. É a consciência de se ter chegado ao meio de vida que começa a pesar, é pensar-se que há todo um projeto que ficou para trás, o que sugere uma certa nostalgia do passado, é fazer o balanço dos vários cruzamentos da vida.”
O que a ciência diz sobre a crise de meia-idade
O conceito de crise de meia-idade foi criado, em 1965, pelo psicólogo canadiano Elliott Jaques, que a caracterizava como o período de idade em que os adultos reconhecem a mortalidade e que os anos de produtividade são, a partir daí, cada vez menos.
Um dos fatores que o levou a formar esta teoria foi ter estudado génios criativos como Dante, Michelangelo ou Paul Gauguin e ter encontrado um padrão em todos: uma mudança de estilo ou um declínio na produtividade por volta dos 35 anos (estamos a falar de épocas em que a esperança média de vida era bem menor).
Em 2015, o Instituto Nacional de Envelhecimento dos Estados Unidos da América (EUA) publicou o resultado do estudo MIDUS, que concluiu que os idosos apresentavam níveis de felicidade maiores que os jovens e as pessoas de meia-idade. Esta investigação durou 20 anos e analisou sete mil adultos entre os 25 e os 75 anos.
No mesmo ano, uma outra pesquisa, realizada por investigadores da Universidade de Warwick, em Inglaterra, e do Darmouth College, nos EUA, demostrou que a curva da satisfação ao longo da vida tem a forma de um U. Isto significa que, geralmente, os indivíduos são felizes na infância, mas quando chegam à idade adulta essa felicidade diminui, atingindo o seu ponto mínimo quando entram na meia-idade.
Os níveis de satisfação voltam a aumentar a partir dos 70 anos. A investigação teve como amostra 50 mil adultos a viver na Alemanha, Grã-Bretanha e Austrália e não encontrou diferenças entre homens e mulheres nem entre os diferentes países.
Sintomas frequentes
• Descontentamento com a vida em geral
• Exaustão
• Tédio
• Tristeza
• Questionar-se sobre tudo o que se fez
• Confusão sobre quem se é e sobre o rumo que a vida está a tomar
• Irritabilidade
• Diminuição ou aumento significativo do desejo sexual
• Maior ou menor ambição
• Energia desmedida
• Querer fazer sempre coisas novas
Estes são alguns dos sintomas que a Associação Americana de Psicologia associa à crise da meia-idade. Quer se queira, quer não, há mudanças do ponto de vista biológico e fisiológico que afetam homens e mulheres e isso pode ser duro.
Muitas vezes, na meia-idade, “temos de tomar conta de nós, dos nossos filhos e dos nossos pais e ainda trabalhar. Além disso, nessa altura, também há quem perca o trabalho, quem se divorcie e isso leva à solidão e à sensação de perda de utilidade”, refere a socióloga.
Por outro lado, acrescenta, a pressão social para a eterna juventude, beleza e desvalorização das pessoas à medida que os anos vão passando também não ajuda.
“E não estou com isto a falar apenas da desvalorização do ponto de vista físico, porque essa é óbvia – a publicidade apela a que não tenhamos rugas, que sejamos todos novos, que não tenhamos cabelos brancos e tenhamos um corpo perfeito –, mas também do ponto de vista dos saberes e do conhecimento”, diz.
Maria José Núncio acredita que a meia-idade terá mais peso hoje do que teve no passado, porque “a pressão para sermos sempre jovens e para estarmos atualizados é maior”.
A socióloga lembra que nos últimos 50 anos o ritmo de mudança foi tão grande a nível de organização social e do trabalho, da própria vida, do quotidiano que leva a que as pessoas se sintam rapidamente ultrapassadas.
“Quando atingem a meia-idade é o momento em que as pessoas se começam a aperceber que estão a envelhecer e que se confrontam com o que vai ser o seu papel. E o que está a acontecer é uma pressão da sociedade para que vivamos a segunda metade da nossa vida como vivemos a primeira, mas isso é fictício. Não é por me vestir como uma adolescente ou não ter rugas que os 50 anos desaparecem. O confronto é sempre entre tudo o que já vivemos, o conjunto de memórias que temos e a dúvida do que está para vir”, afirma.
Quando se rejeita isso, “está-se a anular todo o capital de experiência que se adquire ao longo da vida”, alerta a nossa entrevistada.
Desconformidade individual
“Quando a sociedade diz que já não existe meia-idade e que podemos fazer tudo em qualquer idade, está a vender uma ideia errada, até porque sabemos que não é possível do ponto de vista biológico”, assegura a professora universitária.
E qual é a consequência disso? “Quando nos apercebemos que não é possível e temos essa ideia implementada, sentimo-nos desconformes. O que se deveria fazer era tirar a carga negativa da idade. Se é óbvio que há coisas que aos 55 anos não consigo fazer como fazia aos 25, também há coisas que consigo fazer com 55 que não conseguia aos 25”, salienta Maria José Núncio.
Isto não significa que “as pessoas devam ser categorizadas de acordo com a idade, mas também não podemos ser escravos do marketing e de uma sociedade de consumo que leva à desconformidade”, sublinha.
“Uma coisa é eu optar por me vestir como alguém de 18 anos, outra é deixar que a sociedade me imponha essa ideia”, exemplifica a socióloga, que receia que a ditadura da imagem reforce alguma superficialidade da sociedade. “Já não é só a roupa que passa de moda, são também as próprias pessoas.”
Quando se faz um balanço entre as expectativas que tínhamos e quais as que se concretizaram e as que não, começa o receio de já ser tarde para as concretizar, isso também leva a que as pessoas se sintam mal.
No entanto, cada vez vivemos mais tempo e vamos fazendo coisas até mais tarde. Mas é aqui que entra uma expectativa que pode ter muito peso, a da maternidade. “As mulheres chegam a um determinado ponto e sabem que essa expectativa foi gorada e, para muitas, não é fácil”, refere Maria José Núncio.
Diferenças de género
A menopausa marca em definitivo a meia-idade nas mulheres, mas isso não significa que os homens não a sintam. O que acontece ainda “é uma sobrevalorização dos efeitos negativos da meia-idade na mulher, enquanto há uma espécie de branqueamento nos homens. Como vivemos numa sociedade de linhas muito sexistas e patriarcais, assumir que o homem também sente algumas fragilidades na meia-idade é de alguma maneira inferiorizá-lo; já o assumir nas mulheres é uma coisa normal, é domínio público”, sublinha a socióloga.
Como mediadora familiar, Maria José Núncio já trabalhou com casos em que a meia-idade no sexo masculino desencadeou crises conjugais.
“Os homens receiam perder a capacidade de sedução e muitas vezes têm casos extraconjugais nessa altura. É como se estivessem a queimar os últimos cartuxos, tanto que neles, a meia-idade é como se fosse um devaneio momentâneo, enquanto nelas é definitiva. É como se a mulher se tornasse uma outra mulher, quando até acho que, do ponto de vista psicológico, tem mais impacto nos homens, daí a comum procura de pessoas mais novas para terem casos”.
Se atualmente, as mudanças físicas que ocorrem afetam mais o sexo feminino pela ditadura da imagem imposta às mulheres, Maria José Núncio acredita que os homens que hoje têm 30-35 anos vão sentir isso também: “Vai haver uma aproximação a esse nível até porque, nessa geração, os homens preocupam-se mais com a imagem”.
Ainda há tempo
O aumento da esperança média de vida nas últimas décadas fez com que hoje as pessoas, quando chegam à meia-idade, não se acomodem e acreditem que ainda podem mudar. “Hoje, as pessoas sentem-se mesmo a meio e sabem que ainda há muito para fazer, que ainda têm saúde, que ainda têm muitos anos de carreira pela frente e que vale a pena mudar se não estão satisfeitas”, afirma a socióloga.
Contudo, isso não significa que todas mudem de vida nessa altura. “Às vezes, os meios de comunicação social transmitem uma imagem de que muitas pessoas chegam aos 50 anos, deixam tudo e vão fazer, por exemplo, um retiro para a Índia. No entanto, essa imagem não pode ser alargada a toda a população e quem o faz é porque, geralmente, atingiu uma condição económica que lhe permite fazer isso. Não é um salto no escuro e está tudo bem com quem não tem coragem de o fazer”, refere Maria José Núncio.
O importante, diz a socióloga, é irmo-nos preparando ao longo da vida para esta fase, ter a noção que a juventude não é eterna e que cada fase da vida nos traz um enriquecimento diferente. Se assim for, os medos que levam à crise da meia-idade e os problemas que daí advêm diminuem”.