Crónica. Yoga aplicado à alimentação (mindful eating)
Está familiarizada com o conceito da alimentação consciente? Jean-Pierre de Oliveira, professor de yoga e cronista da Saber Viver, explica não só o que é, como também qual a sua ligação com a prática de yoga.
Tal como respirar, comer é uma função básica e vital que fazemos todos os dias. Mas nem sempre pensamos no ato de comer como algo transformador. Contudo, a alimentação consciente pode ser de facto uma prática poderosa.
Da mesma maneira que o yoga nos ensina como nos tornarmos plenamente conscientes de cada um dos passos da respiração (inspirar, pausar, expirar, pausar) para termos um maior controle sobre a nossa mente e emoções, leva-nos também a criarmos espaço para observar o ato de comer e os próprios alimentos, bem como a forma como nos comportamos e sentimos quando o fazemos.
Com a prática, seremos levados a considerar a sustentabilidade dos recursos inerentes à sua proveniência, formas de cultivo e de preparo, para começarmos a fazer escolhas com mais sentido, mais éticas e em sintonia com as nossas aspirações.
Uma alimentação consciente é o resultado de uma maior compreensão das implicações do processo de comer, para nós, para os outros e para o meio ambiente.
Acredito que ter uma alimentação consciente é simplesmente uma extensão da prática de yoga, quando aplicada fora do tapete, quando o yoga se transforma num estilo de vida e deixa de ser uma simples sequência de posturas entre quatro paredes.
O yoga ensina-nos a estarmos presentes (atentos às nossas capacidades e limitações para que nos respeitemos) e reconhecermos que existem diferenças no nosso corpo, de um dia para o outro, e que temos a capacidade de conseguir ouvir o que ele nos comunica para prevenir lesões ou doenças.
É claro que esta comunicação se pode estender a todas as áreas da nossa vida, e é quando começamos a estender a prática à nossa dieta e nutrição que percebemos quão desconectados podemos estar de uma alimentação consciente, longe de reconhecermos que não existe apenas uma forma correta de alimentação válida para todos.
Não coma. Nutra-se
Uma outra implicação da alimentação consciente é a de comer doses moderadas com a quantidade certa de alimento para evitar o desperdício. Colocar no prato uma quantidade razoável de comida para ficarmos saciados e não o que nos dita a gula ou a avareza.
É importante relembrar que o alimento ingerido na quantidade certa irá alimentar o corpo e dar-lhe energia e, em excesso, irá entorpecê-lo e retirar-lhe energia.
Mas é principalmente através de uma observação contínua e sem julgamento das nossas preferências e experiências que podemos evoluir para um tipo e forma de alimentação mais adequada e coerente em relação às nossas aspirações pessoais e sociais.
Com uma perceção mais clara do corpo, através da prática regular e consistente de yoga, somos levados a fazer escolhas diárias que contribuem para a melhoria da nossa saúde e bem-estar.
A alimentação consciente requer, de si, que abrande e que mastigue cada pedaço de alimento que ingere com a intenção de nutrir o corpo, sentindo os maxilares e os músculos da garganta em ação. Que pare entre cada garfada e permita que o alimento e o ato de comer sejam o seu principal foco naquele momento.
Comece a observar a sua prática de alimentação
• Se costuma fazer refeições com música, TV ou outros sons em segundo plano, tente desligá-los.
• Permita-se diminuir a velocidade com que come e observe os alimentos à sua frente. Observe a cor, a textura e o aroma. Quando mastigar, permita-se desacelerar e mastigar o alimento por completo, de forma a aperceber-se dos vários sabores.
• Reserve um momento para considerar a fonte do alimento. Se for um vegetal ou uma fruta, imagine a planta de onde foi recolhido, a pessoa que o escolheu, o caminho e a distância percorridos para chegar até ao seu prato. Se é uma carne, considere a proveniência do animal, como foi alimentado e tratado.
• Considere como os alimentos foram cozinhados.
Práticas de yoga e alimentação consciente
Aprenda a definir uma intenção
Defina a sua intenção deixando de lado as expectativas. Ao definir uma intenção para uma prática de yoga (como sejam a paz, a presença, a alegria, ou outros aspetos) fixe sempre um tema ao qual poderá regressar durante a sua prática.
Aprenda a definir uma intenção antes de comer, como por exemplo: “Quando terminar de comer, quero sentir-me melhor do que quando comecei”.
Definir uma intenção leva a uma consciência mais profunda, qualquer que seja a ação; contudo, aprenda a não criar expectativas que poderão drenar a sua energia caso não sejam atingidas.
Pare com frequência
Quando estamos em práticas mais intensas de Hatha Yoga podemos precisar de parar para voltar a encontrar o fôlego.
No meio de uma refeição, pratique esta mesma técnica, respire e avalie como está o seu estômago. Observe se gosta da comida, se precisa mesmo de terminar o seu prato ou se precisa, simplesmente, de parar de comer.
Permita-se integrar a experiência
As aulas de yoga terminam com savasana, uma posição de recuperação e integração em que fica deitado de costas, de olhos fechados por 5 a 10 minutos. É nesta pausa que permite que seu corpo e mente assimilem a prática.
Isto também pode ser aplicado à sua alimentação. Após o último pedaço de comida, sente-se, repare no seu grau de satisfação, respire e descanse antes de prosseguir e de retomar as suas próximas atividades.
Pratique para evoluir
Quer esteja na sua prática de Hatha Yoga ou a comer de forma consciente, há sempre momentos em que tudo acontece de forma espontânea e natural e, outros, em que manter-se consciente torna-se um desafio arrebatador.
Mas é exatamente por isso que são chamadas de práticas: onde é necessário uma ação repetida para se obterem resultados consistentes para evoluir.
Quer seja pela prática de asanas ou de uma alimentação consciente, sentirá mais satisfação ao realizar essa prática com maior atenção e com uma intenção bem definida.
Jean-Pierre de Oliveira é professor de yoga, autor e um earth activist. A sua inspiradora abordagem ao yoga adapta esta sabedoria antiga à vida dos ioguis modernos como um estilo de vida além das aulas. É conhecido pelo seu estilo genuíno de ensino e instrução técnica profissional reconhecida que o tem levado a participar em diversos eventos.