Filho de Pablo Escobar diz que Narcos “mostra muitas histórias que nunca ocorreram”
Juan Pablo Escobar, filho de Pablo Escobar, acredita que a liberalização e a educação são a forma mais eficaz de lutar contra as drogas, que continuam a fazer um sem número de vítimas e a enriquecer narcotraficantes e corruptos. A propósito da estreia da terceira temporada da série da Netflix Narcos, a Saber Viver recupera a conversa que teve com Juan Pablo Escobar no evento Open Mag, onde o autor lançou o livro O Que o Meu Pai Nunca Me Contou.
Filho de um dos maiores narcotraficantes do mundo, Juan Pablo Escobar, agora Juan Sebastián Marroquín Santos, escolheu um caminho completamente diferente do pai, apesar de ter vivido no meio da mais profunda violência. Exilado na Argentina, mais precisamente em Buenos Aires, Juan Pablo Escobar é arquiteto e um defensor da paz, promessa que já dura há 23 anos e é para cumprir até ao fim da sua vida.
Aos 7 anos, o pai contou-lhe o que fazia e isso marcou-o. Já teve medo e muito, mas hoje já não o sente. Juan Pablo Escobar substituiu esse sentimento pela aceitação e só quer mostrar ao mundo o que o pai fez para que se aprenda com isso. Sonha com o dia em que poderá voltar à Colômbia. Mas nada o faz baixar a sua bandeira branca por um mundo melhor, livre de tráfico de droga e do dinheiro que este gera, que a ele e à sua família só lhes “trouxe infelicidade, fome, morte e desilusão”, e até fome os fez passar.
Juan Pablo Escobar defende a liberalização das drogas, porque o proibicionísmo não tem efeitos práticos, apenas enriquece os traficantes e as autoridades corruptas. Este é um dos temas que inclui no seu segundo livro, Juan Pablo Escobar, O Que o Meu Pai Nunca Me Contou, lançado em Portugal pela Planeta, em maio passado, durante o Open Mag – o evento que a Saber Viver organizou na LX Factory. Recordamos a entrevista da jornalista da revista Saber Viver, Rita Caetano, a Juan Sebastián Marroquín Santos (Juan Pablo Escobar).
Entrevista a Juan Pablo Escobar (Juan Sebastián Marroquín Santos)
Depois de ter escrito uma espécie de biografia do seu pai, porquê este segundo livro?
Porque encontrei mais histórias sobre o meu pai e queria falar da corrupção internacional que o ajudou a ter tanto êxito a nível económico e militar. Além disso, queria dar voz aos seus inimigos, porque nunca tinham falado, daí tê-los entrevistado. Este livro reflete as experiências pelas quais passei ao encontrar-me com eles.
Foi complicado falar com todas essas pessoas?
É difícil e ninguém nos prepara para isso. Não se sabe como vão reagir quando falam contigo, mas encontrei-me com pessoas que também tinham o desejo de falar, reconciliar-se e defender-se. Graças a todos fiquei a conhecer mais histórias sobre o meu pai.
Quem foi a pessoa que mais o surpreendeu?
Cada um tem a sua história, mas o filho de Barry Seal, que era piloto da CIA, mostrou-me que tinha uma capacidade de perdão tremenda. Eu pensava que sabia muito de perdão, mas Aron Seal e a sua mãe deram-me uma grande lição nesse âmbito.
Neste livro, mostra também que o seu pai teve a colaboração de várias entidades, mais precisamente da DEA e da CIA…
À primeira vista pode parecer estranho, mas é a verdade. A corrupção é o garante para que esses negócios aconteçam e é para que não se repita que dou a conhecer esta parte da vida do meu pai. A relação com a CIA surgiu para financiar a luta comunista na América Central.
Também fala da rota El Tren…
Sim, que envolvia uma grande cadeia de corrupção com as autoridades colombianas e norte-americanas e que fez chegar, pelo menos, 64 toneladas de cocaína aos Estados Unidos, com receitas estimadas em 768 milhões de dólares.
É muito crítico do proibicionismo, porquê?
Porque andamos a experimentar a fórmula do proibicionismo há 100 anos e o resultado está à vista: cada vez há mais corrupção e mais drogas que só prejudicam a saúde das pessoas. Creio que a proibição se apoia numa grande teia de corrupção e de violência em detrimento dos valores humanos que se foram perdendo. Só importa o dinheiro e a vida não vale nada.
Então como se deve lutar contra a droga?
A educação é a arma mais poderosa contra a droga. Tem que se declarar paz às drogas porque a guerra às substâncias ilícitas é arcaica, não faz sentido e a única coisa que tem feito é aumentar o poder das estruturas criminais que têm a droga em seu poder. Na minha opinião, quando o estado proíbe, na realidade, está a ser irresponsável porque está a dizer aos delinquentes: ‘administrem este negócio, tornem-se perigosos e muito ricos, que nós vamos persegui-los’. A pergunta que tem de ser feita é em que mãos queremos a droga?
Tem sido uma guerra sem fim…
Sim e nós os latino-americanos somos a suas primeiras vitimas. É preciso que o mundo reavalie todas as estratégias porque a guerra contra as drogas perdeu por knock out, tem feito muitas vítimas e tem deixado atrás de si cada vez mais mortos.
É verdade que se veste sempre de preto por causas das vítimas do seu pai?
É uma das razões, nunca me viria a contar este tipo de histórias com, por exemplo, uma camisa havaiana. Além disso, nós os arquitetos vestimo-nos muito de preto não sei bem porquê e tira-me alguns quilos.
Como é que foi a vida com o seu pai?
Foi uma vida dividida em duas partes. A primeira foi uma vida aparentemente normal repleta de luxos e muito amor, há que dizê-lo. Mas tudo mudou no momento em que tomou a decisão de matar o Ministro da Justiça, em 1984. Nessa altura, começou um exílio, passámos a ser uma família em fuga da perseguição do Estado. Evidentemente, houve uma perda de valores e a violência cresceu descontroladamente.
E como era seu pai em casa?
Muito amoroso, completamente diferente do bandido e da pessoa pública que se conhece. Educou-nos com valores, apesar de fora de casa não os praticar. Ensinou-me a não consumir drogas, mas vendia-as. Na verdade, toda a sua vida é uma grande contradição.
Nunca consumiu drogas?
Aos 28 anos experimentei marijuana uma vez, mas tenho muito respeito pelas drogas e pelo mal que fazem às pessoas. O meu pai sempre me disse que a droga é para vender e não para consumir.
Sente falta do seu pai?
Claro.
Frequentemente apelidam o seu pai de Robin Hood, concorda?
Os meios de comunicação têm esse hábito e o meu pai não se aborrecia com isso, mas só uma parte da sua história pode ser comparada.
Conta que passou fome apesar de todo o dinheiro que tinham…
Não é uma metáfora, é mesmo a realidade e é das histórias que mais conto, porque o dinheiro do narcotráfico parece prometer felicidade, alegria e luxos, mas a nós tirou-nos tudo isso. Trouxe-nos infelicidade, fome, morte, desilusão, isolamento e tirou-nos amigos e familiares. De que serve ter milhões, mas depois morrer de fome por não puderes ir à esquina comprar pão. Que vida é esta? Passar por isso faz com se se olhe para o dinheiro com desprezo. Se é isto ter dinheiro, prefiro renunciá-lo.
E, depois da morte do seu pai, a sua vida mudou. Tiveram medo?
Medo tínhamos sempre. Tentamos escapar dos cartéis da droga, da violência e tivemos que nos exilar.
Por que escolheram ir viver para a Argentina?
Porque estava ali ao lado. Ainda tentamos Moçambique e Brasil mas não conseguimos. Vivemos em Buenos Aires há 22 anos, é uma cidade muito bonita com uma atmosfera muito europeia.
E sente falta da Colômbia? Gostaria de regressar?
Claro que sim. Todas as pessoas que conhecem a Colômbia querem regressar.
Como vê o processo de paz colombiano?
Estou otimista, acho que se vai conseguir, apesar de todos os problemas porque nós, os colombianos, estamos cansados da violência. São mais de 50 anos de conflito.
Viveu no meio da mais profunda violência. Como conseguiu manter-se sempre fora desse submundo?
Ser testemunha de tanta violência ajudou-me perceber a importância da paz.
Porque critica tanto a série Narcos?
Porque glorifica a atividade criminal do meu pai e parece fazer a crer ao mundo que é um super-homem e isso só contribui para confundir as pessoas. A série mostra muitas histórias que nunca ocorreram. Para mim, Narcos tem o fim político de encobrir a responsabilidade dos Estados Unidos a respeito do meu pai e do tráfico de droga.
O que falta dizer sobre o seu pai?
O meu pai é uma personagem que encerra na sua história muitos mistérios, apesar de só ter vivido 44 anos. Há muito mais para contar e descobrir.
Isso significa que irá escrever mais livros?
Quando terminei o primeiro livro disse que já estava tudo dito, mas já escrevi o segundo, portanto, desta vez não vou cometer o mesmo erro, ou seja, não nego essa possibilidade.
Já nos disse que sentiu medo e, hoje, ainda sente?
Substituí o medo pela aceitação. No dia que me tiverem de matar, matar-me-ão. Já tenho horas extras de vida.
E lutar pela paz será sempre o seu principal objetivo de vida?
Sempre. Quando falo, faço-o com o objetivo de melhorar a forma como vemos o mundo e como nos vamos comportando.
E, por falar em mundo, como vê o seu estado atual?
Penso que o mundo tem armas na mão e que se está sempre à espera que alguém seja o primeiro a disparar. É fundamental atuar de maneira responsável, porque a paz é primordial e temos de a defender.
Tem um filho, que conselhos lhe dá?
Primeiro, estou a ensiná-lo a amar o seu avô porque, seguramente, se o meu pai fosse vivo dar-lhe-ia muito amor; segundo, o meu compromisso é educá-lo e conto-lhe as histórias do seu avô para que não as repita; terceiro dou-lhe todo o amor que posso para que não cresça na ausência de valores e sem respeito pelo demais.
Para si o que é saber viver?
É aprender a valorizar as coisas mais simples da vida. Quando as temos, não as valorizamos e nem sabemos o que custa consegui-las. Todo o dinheiro que o meu pai teve não lhe permitiu comprar e desfrutar das coisas simples da vida.
Gostou da entrevista com o filho de Pablo Escobar? Já conhecia o livro O Que o Meu Pai Nunca me Contou?