Gravado antes da pandemia, o quinto álbum de Mallu Magalhães teve de esperar por dias mais esperançosos para poder ser ouvido. Batizado de Esperança, surge com uma mistura de influências musicais que nos fazem viajar sonoramente até várias latitudes, tendo como fio condutor a voz da cantora.
Nesta entrevista, a compositora brasileira, de 29 anos, radicada em Portugal, fala-nos dos dois países, da música, da maternidade, da marca de design que quer lançar em 2022 e do bom que foi voltar aos palcos após o interregno causado pela pandemia.
Entrevista: Mallu Magalhães
O seu novo álbum foi inicialmente batizado de Felicidade, mas acabou por ser Esperança. Alterou o nome porque estamos a precisar de esperança?
O nosso dia a dia já está mais agradável, mas, quando o álbum foi lançado, em junho, ainda havia muitas incertezas por causa da pandemia. A ideia inicial era chamar-lhe Felicidade, porque era uma homenagem às pequenas e grandes alegrias. Mas, depois, veio a covid-19 e achei que Esperança se adequava melhor, até porque caminha ao lado do conceito de felicidade. A pandemia foi um grande desafio.
Foi um período difícil para si?
Além de não termos espetáculos, eu e o Marcelo vimo-nos fechados em casa com a nossa filha sem saber quando poderíamos ir ao Brasil. Organizámo-nos para que a Luísa, que estava no pré-escolar, tivesse a sua rotina de estudo, pensámos em atividades que pudesse fazer e brincadeiras para que ela se mexesse. Graças a Deus, saímos os três com saúde, mas claro que foi um período duro para todos nós. No entanto, acho que também nos uniu e saímos mais fortes. Tentei sempre olhar para o lado positivo, e o facto de ter a recolha de direitos autorais mensalmente deu-me uma segurança financeira mínima.
O facto de estar longe do Brasil, um dos países mais fustigados pela pandemia, foi aflitivo?
Foi. Tivemos familiares que tiveram covid- 19, que estiveram internados, tivemos perdas e foi horrível não poder ir ver as pessoas. O Brasil já estava numa situação delicada politicamente; veio a pandemia, ficou mais grave ainda.
Do que sente mais saudades do Brasil?
Primeiro, da minha família e amigos, mas também sinto falta da cultura humana, da nossa forma calorosa de lidar com os outros, da comida, do calor, das praias e de escorregar na pedra da cachoeira.
Lisboa e Portugal já influenciam o seu trabalho?
Lisboa tem uma coisa de que gosto muito, que é uma vida cultural muito ligada ao futuro. Os artistas, os músicos, os DJ, os produtores e os designers são muito produtivos e muito abertos. Existe uma onda muito cosmopolita, há sempre novidades, e essa pulsação criativa é óbvio que me influencia muito. Uma pessoa fica logo mais produtiva, quer estar nesses lugares, quer fazer coisas novas. É um dia a dia bem criativo.
Voltando ao álbum, ao ouvi-lo é possível sentir várias influências que vão do jazz ao blues, passando pela MPB. Porquê essa escolha?
Foi natural. Comecei a fazer alguns testes em casa, mas achei que estava estagnada e, por isso, chamei o Mario Caldato Jr. As ideias estéticas surgiram naturalmente, chamámos vários músicos e, depois, misturámos as ideias do estúdio e do computador que resultaram num álbum cheio de referências. Fizemo-lo desta maneira, talvez inconscientemente, para que tivesse dinâmica, tendo como ponto comum a minha voz.
Desta vez também canta em inglês e espanhol. Porquê essa junção?
O inglês foi sempre muito natural para mim, porque tinha o folk americano como referência. Quando tinha 12 anos, o meu avô, por perceber que eu gostava de música, ofereceu-me um gira-discos e começou a dar-me uns discos velhos.
Comecei a ouvir Bob Dylan, Johnny Cash, Frank Sinatra, Cole Porter, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, além dos brasileiros Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Mutantes e Rita Lee. Quando tocava para os adultos, também reparava que ficavam mais impressionados quando cantava em inglês. Decidi, então, comprar um dicionário e ficava a pesquisar para escrever as letras.
E o espanhol?
Foi porque achei que era muito chique cantar em espanhol e tenho uma grande cara de pau [risos]. Arranjei uma professora de espanhol que me ensinou a dizer tudo direito.
Sempre se imaginou cantora?
Não. Pensava ser veterinária, trabalhar em moda ou ser pintora; nunca me imaginei na música, porque o mundo do espetáculo não despertava em mim nenhum sentimento de desejo. Até fiz um curso técnico de costura, mas depois percebi que era possível fazer uma carreira na música de forma tranquila, sem precisar de imitar ninguém.
Também já escreveu livros, colaborou com marcas de moda. A sua criatividade impele-a a fazer outras coisas?
Sempre desenhei e escrevi muito, só me falta tempo. Quando vou buscar a minha filha à escola, quero estar com ela e ainda há as demandas da casa, o dia corre e não consigo fazer tudo o que quero. Às vezes, até fico frustrada, mas repito que é uma questão de tempo. As ideias não têm de morrer ali, podem esperar a hora delas.
Para quem tem a sua vida mais ou menos desenhada, é muito construtivo experimentar outras coisas, parece que areja a cabeça e, depois, voltamos mais produtivos para a nossa área. Agora, estou a desenvolver a minha própria marca, que espero lançar no início do próximo ano.
Uma marca de roupa?
A ideia inicial era ser uma marca de roupa, mas tornou-se uma marca de design e quero que caminhe a par com os discos. Além das peças de vestuário, terá postais com pinturas relacionadas com os álbuns, posters fotográficos com frases das músicas, etc. E gostava de fazer esse trabalho com outros artistas.
Como foi voltar aos palcos depois de tanto tempo parada?
Foi muito bom, foi melhor do que eu imaginava. Acho que foi emocionante para toda a equipa e para quem estava na planeia. Foi revigorante, tranquilizador e fiquei muito mais feliz no dia a dia. Acho que estava meio sem graça e não sabia.
O que é para si saber viver?
Com a pandemia, tornou-se ainda mais claro que tudo é um momento. Dada essa natureza aleatória do mundo, temos de aproveitar o que de bom nos acontece. Da mesma maneira que é desafiadora, a vida é maravilhosa e, por isso, temos de saber olhar para o lado que nos faz bem e saber aproveitar esses pequenos presentes do dia.