Larguei o meu telemóvel por um mês. Eis o resultado.

Larguei o meu telemóvel por um mês. Eis o resultado.

Como descreveria a relação com o seu telemóvel? Se acha que precisa de dar um tempo ao seu mais-que-tudo tecnológico, não está sozinha. Experimentei e conto-lhe os altos e baixos do fim da relação mais dependente das nossas vidas (com umas dicas extra).

Por Jul. 20. 2018

O despertador apita. É o meu telemóvel a acordar-me. Ainda antes de por os pés fora da cama, abro o Instagram. Depois o e-mail. Depois os WhatsApp. E de volta ao Instagram.

Eram assim os primeiros 15 (ou mais) minutos do meu dia. Uma quantidade de informação desnecessária que me invadia o cérebro todos os dias, antes ainda de ter cafeína no sistema, para me ajudar a processar.

Na viagem de metro para o trabalho, o telefone estava sempre na mão. Durante o dia, era capaz de pegar nele só para confirmar que não tinha notificações. Até ia comigo à casa de banho

Apesar de estar em negação, este era o estado da relação com o meu telemóvel: extremamente dependente. Há um mês, decidi que tinha de fazer alguma coisa. E ao trigésimo primeiro dia, sobrevivi para contar a minha experiência.

Afastar-me do meu telemóvel não foi uma escolha que me agradasse muito. Mas depois de ler sobre a influência que os smartphones têm nossa ansiedade e produtividade, fiquei com mais certeza de que tinha que tentar.

Esta dependência está por todo o lado e é socialmente aceitável ao nível de ser normal estarmos a conviver com amigos, mas separados por um pequeno ecrã.

Parei para pensar. Para além de falar com amigos e família, que outras alegrias é que o meu telemóvel me trazia? O que é que eu podia fazer com as horas que estava a desperdiçar em frente do ecrã? Provavelmente já fez estas perguntas a si própria. Se não, então está na altura de as fazer.

Mais de dois terços dos portugueses com telemóvel possuem um smartphone. Ao todo, o Barómetro de Telecomunicações da Marktest contabilizou 6,5 milhões de indivíduos proprietários de um telefone inteligente em 2017.

De acordo com o estudo Os Portugueses e as Redes Sociais (2017), também da Marktest, os portugueses passam em média 91 minutos nas redes sociais, sendo que na faixa etária entre os 15 e os 24 anos o valor aumenta para mais de duas horas (122 minutos). E, também por isso, estamos mais sós.

Fonte: Marktest

Esta dependência está por todo o lado e é socialmente aceitável ao nível de ser normal estarmos a conviver com amigos, mas separados por um pequeno ecrã.

O problema está na nossa relação com eles. Os smartphones infiltraram-se na nossa vida tão rapidamente sem nunca pensarmos no que é que queremos da nossa relação com eles – e que efeitos esta relação está a ter na nossa vida – Catherine Price

Quando falava com amigos acerca do meu detox digital, a resposta era quase sempre a mesma: “eu também devia fazer isso!”. Parece haver já uma noção generalizada de que a nossa relação com os smartphones não é saudável. E o que é que nós fazemos quanto a isso? Nada. Como qualquer viciado, ignoramos os sinais alarmantes e continuamos com os mesmos padrões de comportamento.

Mas Catherine Price acredita que é possível desenvolver uma relação saudável com o nosso telemóvel. A jornalista científica lançou o livro Como Largar o Telemóvel – Manual de Desintoxicação depois de se aperceber da influência que o telemóvel estava a ter na sua vida.

Arena, 15,30 €

“O problema não está nos smartphones em si”, conta no seu livro. “O problema está na nossa relação com eles. Os smartphones infiltraram-se na nossa vida tão rapidamente sem nunca pensarmos no que é que queremos da nossa relação com eles – e que efeitos esta relação está a ter na nossa vida”.

Mas a autora alerta que viver sem telemóveis não é o intuito do seu livro. “Deixar o seu telemóvel significa que está a dar a si mesmo espaço, liberdade e as ferramentas necessárias para criar uma nova e longa relação com ele. Uma relação em que usufrui do que adora no seu telemóvel e se vê livre do resto”.

Os últimos capítulos incluem um plano de 30 dias com truques e estratégias para vencer o seu vício. Mas não há uma cura milagrosa de 5 passos para conseguir uma relação saudável com o seu telemóvel. O segredo está em pequenos truques que ajudam a mudar a forma como vê o seu smartphone e como interage com ele.

Na primeira parte do livro, Price fala dos malefícios por detrás dos smartphones, o que me deu a motivação certa para iniciar os meus 30 dias de mudança de hábitos.

Na primeira semana, comecei por prestar atenção a como o meu telemóvel influenciava o meu estado de espírito. Era automático: se estava aborrecida, pegava nele. Mas descobri também que o meu conceito de aborrecimento era simplesmente um sintoma do meu vício.

Eu não estava realmente aborrecida quando havia tantos outros estímulos e hipóteses de distração à minha volta.

No trabalho, comecei a levantar-me e a fazer um chá ou a ir buscar um copo de água, sempre que a tentação era mais forte. Em casa, comecei a deixar o telemóvel dentro de uma gaveta, já que quando estava fora do alcance dos meus olhos tinha menos tendência a pegar nele.

O que nós não nos apercebemos é que os designers tecnológicos deliberadamente manipulam as nossas respostas de dopamina para fazer com que seja extremamente difícil parar de usar os seus produtos – Catherine Price

Ataquei também o “bicho” do scrolling pela manhã. Antes de dormir, desligava o wifi e os dados móveis do meu telemóvel para evitar ter notificações que me incentivassem a abrir aplicações pela manhã.

No primeiro dia, percebi logo que algo não estava a resultar, porque as notificações caiam a seguir a desligar o despertador. Depois de uma pequena pesquisa no Google, percebi que quando desligava o botão wifi no ecrã principal do meu iPhone, isso não significava que tivesse desligado por completo a rede.

Este é apenas um dos muitos truques dos quais Price fala no seu livro. “O que nós não nos apercebemos é que os designers tecnológicos deliberadamente manipulam as nossas respostas de dopamina [o neurotransmissor do prazer] para fazer com que seja extremamente difícil parar de usar os seus produtos. Conhecido como brain hacking, isto é essencialmente um design de comportamento com base na química do nosso cérebro” e estão por todo o lado no nosso smartphone.

No dia 16 do meu detox digital, decidi, num ato de presunção mascarado de coragem, apagar o Instagram, Facebook e Messenger do meu Iphone.

Fi-lo depois do almoço quando me sentei para trabalhar. Senti-me orgulhosa: “eu não preciso do Instagram para nada”. Passadas duas horas, e por motivos de trabalho, tive que visitar um perfil do Instagram no meu computador.

Em casa, um amigo perguntou se tinha visto a mensagem que me tinha enviado pelo Instagram. Cedi e fiz o download da rede social novamente. Falhei na minha presunção de que posso ser imune às redes sociais mas este “sol de pouca dura” fez-me ver que a moderação é a chave para o sucesso.

Estes pequenos truques fizeram com que a ansiedade de estar sem o telemóvel se convertesse num estado de indiferença saudável.

 

Nos dias seguintes, tentei não julgar tanto a minha interação com o meu telemóvel. Quando a mão parecia ganhar vida própria e ir à mala para tirar o meu telemóvel, era um sinal para parar e pensar na minha intenção.

Havia algum propósito em verificar o meu ecrã, ou era apenas mais uma forma de me distrair do meu trabalho? Estes pequenos truques fizeram com que a ansiedade de estar sem o telemóvel se convertesse num estado de indiferença saudável.

Price aconselha a que crie obstáculos que sabotam o seu comportamento em modo piloto automático. Por exemplo, eliminar notificações, fazer o download de apps como Moment que contabilizam as horas que passa ao telefone, ou criar zonas sem telemóvel na sua casa.

No final, devo confessar, que pequei várias vezes. Como no dia 25, que decidi passar 30 minutos a fazer scrolling quando cheguei a casa do trabalho. Mas não pequei sem intenção, o que foi realmente importante para reavaliar quando e como uso o meu smartphone.

No trigésimo primeiro dia posso dizer que, apesar de nāo estar totalmente curada, passo menos horas ao telemóvel. Aprendi que na verdade não me faz assim tanta impressão ficar sem saber o que é que se passa no Instagram. E não preciso do meu smartphone para me distrair. Nós criamos a nossa própria realidade e eu não quero que a minha seja vivida através de um ecrã.

Se este também é o seu desejo, comece por seguir estes alguns conselhos de Catherine Price. Verá que gestos simples podem fazer a diferença na sua relação com a tecnologia (e inserir as hashtags #phonebreakup ou #comolargarotelemovel nos próximos posts, que fará, entretanto, com mais moderação).

7 dicas para fazer um detox do seu telemóvel (também está a precisar?)

1. Comece aos poucos

Deixe o seu telemóvel em casa e dê uma caminhada. Leia um livro durante a sua viagem de metro ou autocarro em vez de verificar os seus emails. Ao início poderá ficar surpreendia com a força do desejo de recorrer ao seu telemóvel.

Preste atenção a esse sentimento. Como é que se sente fisicamente? No que é que está a pensar? Pare para pensar e continue a observar e, eventualmente, o desejo irá desvanecer.

2. Repense a forma como vê o seu telemóvel

Muitas pessoas associam passar menos tempo ao telemóvel a absterem-se de momentos de prazer – e quem é que gosta de se privar? Em vez disso, pense desta forma: o tempo que está no telemóvel é tempo que não esta a usar para fazer outras coisas prazerosas, como estar com amigos ou a praticar um passatempo.

Pense que em vez de passar “menos tempo ao telemóvel” esta a “passar mais tempo a viver”.

3. Use a tecnologia a seu favor

Existem já várias apps que medem o tempo que passamos no miniecrã, como é o caso da Moment ou da Quality Time. Outras apps como Freedom ou Flipd permitem que bloqueie o acesso a aplicações problemáticas e websites quando quer ser produtivo, ou apenas aproveitar o momento.

A Lilspace faz o mesmo para o sistema Android e exibe também um cronómetro com o tempo que conseguiu ficar desconectado.

“Depois de conhecer os malefícios por detrás dos smartphones, ganhei a motivação certa para iniciar os meus 30 dias de mudança de hábitos.”

4. Crie obstáculos

É incrível a quantidade de vezes que pegamos no telemóvel sem pensar e só imergimos deste modo “zombie” 20 minutos mais tarde, sem nos apercebermos de como o tempo voou. Este tipo de interações deixa-nos insatisfeitos e faz-nos fazer sentir que estamos a desperdiçar o nosso tempo.

Uma solução é criar pequenos obstáculos que a obriguem a parar e pensar duas vezes antes de pegar no seu telemóvel. Pode, por exemplo, colocar um elástico à volta do seu smartphone como lembrete para parar antes de agir. Opte também por um fundo de ecrã com uma pergunta que a faz pensar se quer mesmo desbloquear o seu telemóvel. E pode ainda reduzir a luminosidade do ecrã tornando-o menos apelativo.

5. Pequenos truques fazem a diferença

Crie estímulos que a ajudem a alcançar os seus objetivos. Se o seu desejo é ler mais, deixe o livro à vista na mesa de cabeceira. Se o que quer mesmo é cozinhar mais vezes, faça uma lista de compras para aquela receita que está morta por provar.

Crie um espaço para carregar o seu telemóvel que não seja no seu quarto e compre um alarme para a sua mesa de cabeceira.

Por outro lado, procure evitar algumas armadilhas que podem parecer inocentes. Apague algumas aplicações de redes sociais do seu telemóvel e aceda às mesmas apenas no seu computador. Desative notificações, incluído as do seu email. Em casa, estabeleça a regra de que não há telemóveis à mesa.

6. Transforme o seu vício num hábito saudável

Quando vê alguém a pegar no telemóvel, provavelmente isto faz com que queira tirar o seu do bolso imediatamente. Com alguma prática, pode transformar este impulso num hábito mais saudável. Por exemplo, da próxima vez que tiver vontade de ir ao Instagram, beba um copo de água.

7. A sua atenção é valiosa

Aquilo a que decidimos prestar atenção define a nossa vida de muitas formas. É assim escolhemos a maneira como despendemos do nosso tempo.  As pessoas que desenvolvem apps precisam desesperadamente da nossa atenção porque é assim que fazem dinheiro. Já pensou porque é que tantas apps são grátis? É porque os anunciantes são os verdadeiros clientes – e a sua atenção é o produto que está a ser vendido. Por isso, questione sempre: a quem é que quer dar a sua atenção?

 


 

Aceita o desafio de fazer uma desintoxicação do seu telemóvel durante um mês? Conte-nos como correu. Descubra quando é que um “inocente” sms pode ser considerado traição.