A emergência climática é uma realidade e o futuro da Terra está ameaçado. Não restam muitas dúvidas sobre isto e, apesar de uma franja significativa da população continuar a assobiar para o lado e outra negar o impacto do Homem e das suas ações no planeta, há quem sofra de ansiedade devido à crise planetária.
A este sofrimento emocional, mental e somático dá-se o nome de ecoansiedade, definida pela Associação Americana de Psicologia como o medo crónico de sofrer um cataclismo ambiental originado pelas irrevogáveis mudanças climáticas, gerando uma preocupação com o futuro – o seu e das gerações futuras.
De positivo a negativo
A ecoansiedade não é considerada um distúrbio, aliás, a associação britânica Climate Psychology Alliance realça mesmo que “é uma resposta inevitável e até saudável às ameaças ecológicas que enfrentamos, como a escassez de alimentos e de água, eventos climáticos extremos, extinção de espécies, aumento de problemas de saúde, agitação social e, potencialmente, o fim da vida humana na Terra. Prestar atenção ao que está a acontecer nas nossas comunidades e em todo o mundo é uma resposta mais saudável do que recusar ou rejeitar”.
No entanto, “isso não significa que se deva desvalorizar o sofrimento que causa”, diz-nos Mathias Ammann, psicoterapeuta e um dos membros da Ecopsi, um grupo de profissionais que trabalha na promoção da saúde mental e bem-estar psicológico no cenário atual de crise planetária e alterações climáticas. Bem pelo contrário, porque a ecoansiedade tem um lado traumático, sobretudo devido ao sentimento de impotência e ao facto de se estar sempre a pensar no que vem a seguir.
“Muitas vezes, não se consegue conter o desconforto e surge a angústia, o medo, a raiva, e isto pode conduzir à inatividade”, acrescenta o psicoterapeuta.
Tudo junto pode gerar depressões e estados de ansiedade críticos.
Uma preocupação mental
“A ansiedade em termos moderados faz parte do nosso dia a dia, mas perante uma circunstância exagerada e aterradora, que neste caso é o medo de perder a Natureza, pode tornar-se crítica e aguda e levar àquilo a que já se chama depressão verde”, explica o ativista ecológico Paulo Vieira de Castro, que acaba de lançar o livro Isto Não É Uma Invenção – Ecoansiedade e o Futuro do Planeta, em parceria com o festival Mental, que este ano tem como um dos temas precisamente a ecoansiedade.
“Uma das nossas missões é colocar em debate temas pouco falados em Portugal, como já fizemos com a FOMO [medo de ficar de fora] e a ciberdependência no passado. Este ano, decidimos dar destaque à ecoansiedade porque é algo que está a crescer exponencialmente por todo o mundo, sobretudo nos países desenvolvidos e pouco se fala por cá”, confirma Ana Pinto Coelho, diretora e curadora do festival, que decorre em Lisboa até 28 de maio e que irá, em junho, para a Madeira e Açores, terminando em Castelo de Vide, em setembro.
Como é que a ecoansiedade se desenvolve? “Quando uma ideia afetiva que se organiza à volta das mudanças climáticas se torna dolorosa, é sinal de que a pessoa começou a integrar as perdas do passado e do presente. Aos poucos, vai descobrindo que o seu padrão de consumo, o seu estilo de vida e o modo de produção da sociedade foi e é muito danoso para as espécies e para o ecossistema; além de antecipar o imprevisível futuro e as consequências de tudo isto. E isso pode levar a uma dor no peito, a boca fica seca e as mãos começam a suar, sintomas de ansiedade”, explica Mathias Ammann.
Ativismo precisa-se
A emergência climática, realça Paulo Vieira de Castro, “é uma crise sem precedentes e de não retorno”. O ativista ecológico assegura que “vai ser a próxima pandemia, para qual não teremos confinamentos ou vacinas que nos salvem. Isto convoca-nos para um conjunto de mudanças, o que significa que cada um de nós, fazendo a sua parte, por muito pouco que seja, está a fazer o que lhe compete e a fazer muito pelo mundo. É preciso convocar as pessoas para o ativismo”.
Não nos podemos esquecer, continua Paulo Vieira de Castro, de que “aquilo que leva ao desaparecimento da Natureza é um esforço coletivo, ou seja, todos estamos a contribuir para isso. Mas quem está alerta para o problema e sofre de ecoansiedade sente o luto ecológico como algo individual”.
Para MathiasAmmann, “o luto é um longo, doloroso e necessário processo”. As maiores vítimas da ecoansiedade são os mais jovens, são eles que começam a sentir na pele a falta das soluções e que mais têm a perder. É por este motivo que, no final do livro, o ativista ecológico pede desculpa aos mais jovens.
“Realmente, eles vão receber um mundo muito pior do que nós recebemos”, sustenta. Mas esse sentimento de culpa das gerações mais velhas pode também gerar ecoansiedade, como diz Mathias Ammann, “os pais e avós mais empáticos podem sofrer também pelos filhos e netos”.
Paulo Vieira de Castro refere que “temos de aprender a viver com esta culpa e perceber que já não dá para fazer um simples ctrl+alt+del. Não podemos recomeçar e escrever uma nova História, temos sim de mudar o nosso comportamento. Se vier a acontecer a sexta extinção da vida na Terra, como se vaticina, será a primeira a ter mão humana e isto tem de nos fazer pensar”.
O exemplo dos mais novos
São também os jovens que mais se estão a organizar para combater a emergência climática. “Foi nas escolas que começaram as greves climáticas e quem liderou este pensamento foi uma jovem, Greta Thunberg. Estou convicto de que este despertar ecológico está relacionado com a ecoansiedade”, diz o ativista ecológico.
“Começa por ser uma ansiedade moderada e, à medida que se vão apercebendo que não há solução para as questões colocadas pela própria ecologia, começam a alterar a sua forma de vida, a mudar a alimentação, o que vestem e até os próprios relacionamentos e os grupos que frequentam. Um ponto mais elevado de ecoansiedade leva ainda que muitos jovens digam não querer ter filhos, ou seja, não querem gerar uma vida num mundo para o qual não têm esperança”, alerta Paulo Vieira de Castro.
A mesma opinião tem Mathias Amman, que confirma que “já há pessoas a evitar ter filhos hoje em dia, porque acham que o futuro do mundo será, no mínimo, triste”.
Ana Pinto Coelho acredita que “as gerações mais velhas têm de olhar para os jovens com empatia e respeito pelo que estão a fazer, pois estão a mudar a vida deles por altruísmo, pelo planeta”. No entanto, avisa também que só se vence esta batalha “através da política. Quem manda é que faz as leis e é preciso mudar nesse plano. Enquanto as pessoas se orgulharem de vestir uma T-shirt que custou 3€ e das grandes empresas o perpetuarem, não há uma mudança efetiva”.