“Ter golfinhos no Tejo é único. Não há nenhuma capital europeia com um património destes”
Sabia que pode mergulhar com tubarões em Sesimbra? E ver orcas, golfinhos e tubarões-martelo junto à Costa da Caparica e Fonte da Telha? Divulgar estas maravilhas da costa portuguesa tornou-se a missão de Bernardo Queiroz, que juntou a paixão pela vela ao ativismo ambiental.
Ganhou o bichinho da vela aos 13 anos e, aos 18, escolheu fazer dela a sua profissão. Juntou-se a um amigo e criou a Terra Incógnita – BMW Sailing Academy, que celebrou recentemente 25 anos de atividade, depois de perceber que a Economia não era a sua praia e que do que realmente gostava era de barcos.
Entusiasta da vida, em geral, e da vida marinha, em particular, hoje conjuga a gestão da escola com o taekwondo, o kickboxing, o mergulho e a escalada. A última paixão é o wake foil, as pranchas ‘voadoras’ ou ‘equilibristas’ que parecem voar acima da água e que já pode ter avistado no mar.
Se não estiver a velejar ou a ver golfinhos no Tejo, talvez o encontre na costa de Sesimbra a tentar avistar tubarões-azuis ou ao largo dos Açores a procurar tubarões-baleia.
Divulgar a existência destes animais, incrivelmente aqui tão perto, assim como sensibilizar as pessoas para a sua preservação tornou-se um estilo de vida que adora partilhar. É difícil ficar indiferente à sua energia contagiante.
Entrevista a Bernardo Queiroz
Para quem não pesca nada do assunto, o que é que a vela tem de especial?
Ui, muitas coisas, a viagem, o silêncio, a dicotomia homem versus Natureza… Quando o mar e o vento estão brutos, as nossas capacidades são postas à prova de forma gigante. Em termos competitivos, é como associar o xadrez a uma aula de musculação.
É preciso ser explosivo, rápido, forte, dinâmico, mas ao mesmo tempo saber usar os elementos e a técnica para manobrar o barco, aproveitando ao máximo o vento para o pôr a andar. A tática de uma largada é um autêntico jogo de antecipação e estratégia, é uma modalidade muito mental e muito física ao mesmo tempo.
Começou a praticar por influência familiar?
O meu pai tinha praticado quando era novo, mas, quando contava histórias sobre barcos nas viagens que fazíamos de carro, aquilo ficava-me no ouvido. Eu sempre gostei do Cousteau e dos documentários da BBC Vida Selvagem, mas, como não podia mergulhar, devido a uma perfuração no tímpano, aos 13 anos, comecei a praticar vela no Clube Naval de Lisboa.
Dois anos depois já estava a dar aulas, era a forma de não gastar fortunas aos meus pais. Mais tarde, entrei em Economia, mas não me revi no curso e comecei a pensar que devia haver uma forma mais profissionalizada de ensinar vela. Juntei-me a um amigo e apostámos num conceito diferente, com barcos melhores, maiores e mais confortáveis, como já se fazia lá fora, e também num público adulto, já que os clubes trabalhavam sobretudo com crianças.
Comprámos dois veleiros, eu pedi três mil contos ao banco, ele pediu outros três mil, os pais ficaram como avalistas, arranjámos dois patrocínios e ao final de dois anos e meio tínhamos os barcos pagos.
Quando conseguimos um escritório na Vela Latina, em Lisboa, tivemos um grande impulso. De repente já não era o hobby dos putos que andavam sempre bronzeados na faculdade e quando iam às orais os professores diziam: “Você não estudou nada de certeza”, porque parecíamos carvão.
À medida que a escola foi crescendo, fomos juntando outras valências, como a escola de navegação para tirar carta de marinheiro, patrão local e de costa, e os eventos corporativos, que hoje em dia têm muito peso.
Este ano começou a fazer observação de golfinhos…
Uma das nossas missões mais recentes passa pela divulgação de que, no verão, existem golfinhos no Tejo todos os dias. Atualmente, a probabilidade de os avistar a cada saída é de 90 a 95%. Temos de mostrar às pessoas que na nossa costa há imensa vida que deve ser preservada e cuidada. Não há nenhuma outra capital europeia com um património destes.
Poder desfrutar deles da maneira certa, permitindo que se aproximem, façam cabriolas e se divirtam marca as pessoas.
Consta que estão a aparecer mais nos últimos meses, tal deve-se à diminuição da poluição?
É verdade que agora se veem mais e mais perto, talvez porque haja mais alimento – vê-se muito mais sardinha e carapau, provavelmente devido à diminuição da pesca por causa da pandemia. Mas, na verdade, há dois anos, pelo menos, que já os avistava. E porventura já lá estariam antes, mas simplesmente não tínhamos começado a procurá-los.
Na maior parte das vezes, apenas se veem à superfície umas barbatanas pequeninas muito fáceis de passarem despercebidas; é preciso saber procurá-los através das aves, dos sítios onde sabemos que costumam passar e das marés. Podem estar 30 barcos dentro do rio e ninguém os ver se não estiverem focados nisso.
Os mais fáceis de avistar são os roazes, porque são maiores – têm quatro metros e 500 quilos –, mas também porque gostam de águas menos profundas, entram mais encostados à margem Norte e dão mais saltos, são mais acrobáticos.
Os golfinhos-comuns são mais difíceis de observar porque são mais pequenos – têm um metro ou dois, no máximo – e preferem águas mais profundas, pelo que entram mais junto à margem Sul, onde há menos tráfego de barcos à vela e menos pessoas nas margens.
Mesmo difíceis de ver são os golfinhos-bouto, ainda mais pequenos, bastante tímidos e solitários. Por vezes só sabemos que andaram aqui porque são apanhados nas redes dos pescadores”.
Há outros animais ainda desconhecidos da maioria das pessoas…
Sim, há orcas, tubarões e golfinhos de várias espécies junto à Costa da Caparica e Fonte da Telha… É importante sensibilizar as pessoas para a sua existência precisamente para os proteger melhor.
Os tubarões, por exemplo, são pescados em excesso na nossa costa e exportados por causa das barbatanas. Ainda agora uma petição foi levada a plenário na EU para interditar essa exportação na Europa porque assume contornos bárbaros, inclusivamente chegam a cortar-lhes as barbatanas e mandá-los vivos para dentro de água novamente.
Para muitas pessoas, ver estes animais pode fazer a diferença nas ações de sensibilização para as consequências do plástico no mar e da urgência de mudar alguns hábitos
Em que situações é que sente “só por isto a vela já vale a pena”?
Basta estar a navegar com o vento certo, a ondulação certa, ao pôr do Sol, com a família ou grandes amigos a bordo. Quando vejo baleias ou golfinhos, também. Os meus filhos têm esta sorte e não têm noção.
É por isso que gosta de levar pessoas a ter experiências de férias imersivas?
Temos um nicho de mercado vocacionado para quem quer ter uma experiência total. Ainda é algo informal, mas por vezes levo grupos de alunos da escola de vela, de navegação ou patrocinadores a ter experiências que permitem ter umas férias diferentes e mergulhar no nosso estilo de vida.
Este ano irei com uma família aos Açores. Além da experiência do barco, vamos fazer mergulho, canyoning, comer ameijoas à Fajã de Santo Cristo…
Conte-nos uma história das aventuras no mar
Na altura da guerra do Iraque, a dada altura, os americanos desativaram o GPS; estávamos a vir do Algarve para Lisboa no meio de bastante nevoeiro e de repente não sabíamos onde estávamos. Resultado, viemos a viagem toda a fazer cálculos, sempre sabendo que o ‘devemos estar mais ou menos aqui’ podia dar em batermos no cabo Espichel!