“A evolução da inteligência artificial está a automatizar cada vez mais tarefas e isso põe em causa o número de postos de trabalho disponíveis e a sua remuneração.”
Quem o diz é Daniel Susskind, economista, professor da Universidade de Oxford e autor do livro Um Mundo sem Trabalho (Ideias de Ler), que garante ainda que “o desemprego tecnológico não é algo do futuro, é um tema do presente”, afirma.
Em entrevista telefónica, disse-nos ainda que “não vai haver um Big Bang tecnológico, ou seja, o cenário não é um mundo sem trabalho, mas um mundo sem trabalho suficiente e bem pago para todos”.
Perante isto, os desafios são vários: conter o aumento da desigualdade social que esta situação vai gerar, encontrar um significado para a vida que substitua o trabalho e valorizar o trabalho voluntário e doméstico.
Entrevista a Daniel Susskind
Por que é que decidiu escrever este livro?
Todos os dias ouvimos histórias sobre máquinas que conseguem fazer tarefas que, até então, só os humanos conseguiam fazer, tais como guiar um carro, fazer um diagnóstico médico, escrever uma notícia, redigir documentos legais, compor música.
Isto significa que um dia a maior parte de nós vai perder o trabalho e a fonte de rendimento. Esta é uma das grandes questões atuais e acho que as pessoas não a estão a levar a sério.
Pensa-se ainda que é um problema distante?
Exato, mas não estamos a falar do futuro, mas de hoje. Além de que as preocupações com o desemprego tecnológico estão muito próximas das preocupações sobre a desigualdade social que já se sentem hoje.
Portanto, a desigualdade social vai aumentar?
Claro, o mercado de trabalho é a fonte de rendimento da maioria das pessoas.
No livro, diz que não vai haver Big Bang tecnológico. Qual será, então, o cenário?
Vai continuar a haver trabalho, mas à medida que vamos avançando no século XXI, a procura de trabalho humano irá diminuir e o que sobra não é suficiente para todos.
Há profissões mais em perigo do que outras?
Um dos erros é continuarmos a falar de profissões, porque encoraja-nos a pensar no trabalho como algo monolítico e indivisível: médicos fazem diagnósticos, advogados trabalham com leis e por aí adiante.
Esquecemo-nos de que as pessoas dentro dessas profissões desempenham várias tarefas e o que vai acontecer é que as máquinas farão algumas delas, enquanto outras continuarão a ser feitas pelos humanos.
De acordo com um estudo da consultora Mkenzie, mais de 60% das pessoas têm tarefas que podem ser feitas por máquinas. Por outras palavras, a maioria dos trabalhos tem componentes que podem ser automatizadas.
Mas há profissões e atividades que serão sempre feitas por humanos?
As máquinas desempenharão mais tarefas no futuro. No entanto, penso que algumas tarefas serão difíceis de automatizar. Outras, continuaremos a preferir que sejam feitas pelos humanos, mesmo que possam ser automatizadas. Não preconizo um mundo sem trabalho de todo, mas um em que não haverá trabalho pago para toda a gente.
Será o trabalho manual mais facilmente substituído por máquinas?
Podíamos pensar que sim, contudo, muito daquilo que podemos fazer com as mãos nem sempre é possível executar com máquinas. É, por isso, que ainda não temos, por exemplo, jardineiros ou empregados de limpeza robôs e já temos máquinas a fazer diagnósticos médicos. Quanto mais uma atividade for rotineira, mais provável é que seja automatizada.
E as máquinas vão replicar as nossas capacidades ou terão novas?
Durante muito tempo pensou-se que deveriam ser uma cópia nossa, mas o que aconteceu nos últimos anos foi o aparecimento de gerações de sistemas e máquinas que fazem as coisas de forma diferente dos humanos.
Um exemplo disso é o sistema desenvolvido pela Universidade de Stanford para a deteção de cancro da pele, muito diferente do que é feito pelos médicos. É a segunda geração de inteligência artificial, uma geração de sistemas e máquinas que, ao usarem uma grande quantidade de dados, criam novas estratégias para desempenhar tarefas que achávamos não poderem ser automatizadas.
Perante este cenário, é inevitável que os salários baixem?
Sim. Por isso é que não nos podemos focar apenas no número de pessoas que vão perder o trabalho, mas olhar também para a sua qualidade e remuneração.
Mas o desafio perante o desemprego tecnológico não é só económico, porque o trabalho é também uma forma de realização pessoal.
Sem dúvida. Como o trabalho é um dos grandes propósitos da nossa vida, temos de encontrar outros. E isso passa por uma política de lazer institucionalizada e pensada, algo como já se faz para os reformados, que, no Reino Unido, por exemplo, têm acesso gratuito a museus. Temos é de pensar nisso para outros momentos da nossa vida.
Que conselhos daria aos trabalhadores dos nossos dias? Terão de estar mais atualizados do que até agora?
Um lado inevitável do futuro é a incerteza, logo não sabemos quais serão as atividades e capacidades mais valiosas, daí que seja muito importante que sejam flexíveis e que se atualizem constantemente. Fazer um curso quando somos jovens e não nos irmos atualizando é um grande erro.
E o que diria aos estudantes?
Estamos num tempo de grande progresso tecnológico e há oportunidades que há uns tempos não eram sequer imagináveis, por isso, o desafio é virar as suas capacidades para aí e contemplarem uma de duas hipóteses: ou tornam-se muito bons a desempenhar tarefas que as máquinas não consigam fazer ou viram-se para a inteligência artificial e serão eles a construir as máquinas do futuro.
Mas para isso a escola tem de mudar.
Sim. O desafio da educação é triplo: não é só o que ensinamos, mas também como ensinamos (método de ensino) e com que frequência. Atualmente, estamos a formar profissionais para o século XX e não para o século XXI.
O que é para si saber viver?
Neste momento, é poder estar com a minha mulher e a minha filha de 2 anos, mas também escrever, pesquisar e pensar.