“Sentimos que não nos encaixamos, que o mundo não é para nós”
Ser demasiado sensível não é um dom, mas também não é um problema, é um traço de personalidade de 20% da população mundial, que, como diz a coach holandesa Karina Zegers de Beijl, quer apenas viver num mundo melhor.
Karina Zegers de Beijl diz que renasceu no dia em que finalmente descobriu que o seu modo de encarar a vida e refletir sobre ela, que as fortes emoções que sente e a perceção de subtilezas que escapam aos outros são facetas de um traço de personalidade: ela é uma pessoa altamente sensível (PAS).
Até lá, sentiu-se sempre uma ave rara, mas também nunca viu isso como um problema, como acontece a muitas PAS. Depois daquela descoberta, começou a estudar o traço de personalidade e especializou-se na matéria com a psicóloga americana Elaine Aron, que, na década de 90, o deu a conhecer ao mundo.
Fazer com que todos as PAS vivam melhor é a sua missão, por isso, Karina Zegers de Beijl, coach e mediadora, é também presidente da Associação de Pessoas com Alta Sensibilidade de Espanha.
Para chegar ainda a mais pessoas, escreveu o livro Pessoas Altamente Sensíveis, editado este ano, em Portugal, pela Esfera do Livros, até porque se “estima que 20% da população mundial seja altamente sensível, mas muitos não sabem que o são”.
Entrevista a Karina Zegers de Beijl
Por que razão não se fala muito das pessoas altamente sensíveis?
Por um lado, depende das próprias, porque têm vergonha e sentem-se vulneráveis; por outro, ainda há pouco conhecimento e há um segmento da psicologia que não reconhece as PAS, já que não é um transtorno, mas um traço de personalidade.
Quais são os fatores que determinam que uma pessoa é altamente sensível?
São quatro e todos têm de coexistir. O primeiro é a profundidade na maneira de processar a informação recebida. Queremos sempre saber mais e mais e isso dá origem à segunda caraterística, a sobrestimulação, porque recebemos mais informação do que aquela que o cérebro consegue processar.
Isto é stressante e cada PAS reage de forma diferente, umas bloqueiam, outras têm dores de cabeça ou dificuldades respiratórias. O terceiro é a emotividade e empatia. Comovemo-nos com facilidade e somos empáticas quando estamos bem.
Perdem a empatia quando estão mal?
A nossa empatia é inata, contudo, quando temos medos, não pensamos nos outros, entramos em modo de sobrevivência.
E qual é a última característica?
Sensibilidade para subtilezas, ou seja, percebemos coisas em que os outros nem reparam. Percebemos se uma pessoa está bem ou mal só de olhar para ela; que uma planta está a morrer; notamos qualquer mudança que se tenha dado no local de trabalho.
As PAS são muito diferentes das demais pessoas?
Sentimo-nos muito diferentes, mas não sei se somos. Sentimos que não nos encaixamos, que o mundo não é para nós, mas é sempre uma perceção individual. Eu também passei por aí, mas agora sinto que me encaixo, apesar de ser diferente.
E têm mais de stresse e ansiedade?
Sim, porque a vida e o mundo estão feitos para a maioria. O nosso mundo é muito rápido, muitas vezes, violento. As pessoas andam sempre com pressa e, como nós recebemos dez vezes mais informação e estímulos sensoriais do que uma pessoa que não é PAS, não temos tempo físico para gerir tudo, ou seja, estamos sempre a correr e nunca alcançamos o fim e isto stressa.
Um pouco de stresse é saudável, porque nos ativa, mas ter mais do que aquele que se pode descarregar durante a noite ou em momentos de pausa é prejudicial. O stresse a longo prazo faz-nos adoecer. Gera ansiedade, mas também dores físicas, insónias e há muitas PAS a sofrerem de burnout.
Em que campos da vida as PAS têm maiores dificuldades?
Depende de cada pessoa. No entanto, os estudos mostram-nos que as PAS que crescem num espaço de aceitação, em que a sensibilidade das crianças é valorizada, não têm problemas em nenhum campo na idade adulta. Não se veem como um problema.
Mas não é assim com a maioria…
Sim, a maioria recebeu a mensagem, desde a infância, que ser sensível não é bom, que o mundo é duro e que precisa de pessoas duras. Como consequência, as PAS vão negando a sua personalidade e é normal que tenham problemas, porque não se pode ser aquilo que não se é.
Não se pode ser duro se se é sensível, não se pode fazer um trabalho exigente física ou emocionalmente, porque simplesmente não vai dar certo. Trabalhos que sejam demasiado intensos, em ambientes muito competitivos ou onde há muito ruído não são adequados às PAS.
E nos relacionamentos?
Pode haver conflitos se não tivermos a consciência de que os outros não nos entendem porque não são como nós. Temos de explicar como somos para que nos compreendam e, para isso, temos de nos autoconhecer.
Por exemplo, uma PAS está sempre disponível para ajudar, não precisa que lhe peçam ajuda, mas o contrário não acontece, porque as outras pessoas não percebem.
As PAS têm muita dificuldade em dizer não?
Claro, custa muito. Em primeiro lugar, queremos dar uma boa impressão, depois, durante a infância, aprendemos que ser sensível é um problema e ouvimos repetidamente para não chorarmos e para não nos queixarmos e a tendência é para nos adaptarmos, mesmo que isso signifique uma baixa autoestima. Quando dizemos ‘sim’, procuramos respeito, validação, amor, mas não é assim que funciona.
Ser altamente sensível é um dom ou um problema?
Nem um nem outro. Eu chamaria um talento. Mas antes de saber que era uma PAS, não o via assim, mas tão-pouco era um problema para mim. Era como era, mas não me entendia bem.
Sente-se muito estranha no mundo de hoje?
Estou encantada com o mundo de hoje. Sei que não sou como a maioria, mas aprendi a tirar proveito disso e encontrei o meu papel. Uso o facto de ser diferente para chamar a atenção para as PAS e ajudá-las.
É muito importante que uma PAS saiba que o é?
Sim, o autoconhecimento é a chave de tudo. Saber o que é este traço de personalidade e como se manifesta em cada um é muito importante, pois a partir daí podemos trabalhar a nossa forma de ser. Não serve de desculpa para nada, mas responsabiliza-nos e torna-nos mais fortes.
Não digo que encontremos a felicidade depois disso, até porque esta é efémera, mas ficamos mais contentes e implicados com a vida. Os valores e a moralidade fazem-nos mover.
Preocupamo-nos com a justiça, com o meio ambiente, com os maus-tratos das mulheres, crianças e animais. Quando nos conhecemos, encontramos a nossa força interior, podemos fazer coisas e isso é maravilhoso.
Foi o que fez?
Sim, e acredito que a maioria das pessoas que trabalha em ONG são PAS, que aprenderam a usar a sua sensibilidade para tornar o mundo um lugar melhor e menos doloroso e feio. Mas coisas tão simples como sorrir para os outros, cumprimentar as pessoas na rua, algo que nós fazemos naturalmente, também tornam o mundo melhor.
Sem esperar que os outros façam o mesmo?
Totalmente, porque nem todas as pessoas têm essa capacidade e não podemos forçar os outros a serem como nós, mas sabemos que damos algo positivo àquelas pessoas mesmo que não se manifestem… E nós, PAS, temos de falar quando precisamos de alguma coisa.