Tudo começou com um artigo que li no Arts and Culture do The Financial Times de fim de semana sobre pequenas doses de LSD e cogumelos mágicos de psilocibina. Fiquei curiosa, até porque o The Financial Times – o meu jornal de referência – é conhecido pela seriedade e qualidade, pelo que dar a primeira página do seu suplemento semanal a este tema significava que o assunto era sério e tinha sido investigado.
No artigo, referiam um livro que um jornalista tinha escrito – How to Change Your Mind (Penguin Press), de Michael Pollan – sobre as suas impressões ao experimentar aquelas substâncias alucinogénias.
A curiosidade fez com que mandasse vir o livro pela Amazon. Li-o, sublinhei as partes principais e a curiosidade aguçou-se – segundo o autor, fazia sentido experimentarmos expandir a nossa consciência. Mas onde fazê-lo?
Não me atrevia a falar abertamente com ninguém sobre o assunto… Podiam pensar que estava maluca e o meio onde esses produtos são tomados é-me completamente alheio. Em miúda tinha experimentado algumas drogas leves – confesso que gostei, mas foi uma fase que rapidamente ultrapassei, ficou-me apenas a euforia dos momentos.
A tomada de decisão
Agora, na minha quase sétima década, fazia algum sentido mergulhar no meu Eu e colocar a minha vida no crivo da minha consciência?
Tinha medo e só um artigo que li na The Economist me deu coragem para seguir em frente. A revista que venero abordava o assunto da psilocibina e referia um sítio na Europa onde podia experimentá-la em segurança. Esta era para mim indispensável e o próprio Pollan referia no livro que este tipo de experiência deve ser acompanhado por quem já a tenha feito e esteja habituado a lidar com alguma ocorrência.
Falei com a minha família; ficaram curiosos com a ideia e deram-me apoio. Só o meu marido torceu o nariz e me disse ser ridículo uma pessoa com a minha idade meter-se nesse género de experiências: “Já não tens idade, não sejas ridícula!”, disse.
Mas fui ridícula e contactei por e-mail a dita empresa, que logo me enviou um interrogatório exaustivo ao qual tive que responder com minúcia. Como sofro de algumas maleitas, fui obrigada a enviar as últimas análises, que, segundo eles, iriam ser analisadas por uma equipa médica.
Este aspeto deu-me confiança, não eram uns amadores a brincar aos retiros psicadélicos. Trocámos vários e-mails e, por fim, fui aceite. “Coragem”, dizia a mim mesma, “agora que te meteste nisto, vai até ao fim…” Acresce que a experiência não é barata – 2000€, fora as viagens, pelo que a minha curiosidade me saiu por cerca de 2400€ e, inicialmente, tive de dar um sinal de 500€ – desistir estava fora de questão.
De malas feitas
O dia de partir para a Holanda aproximava-se e o nervosismo era muito, ainda por cima com o meu marido sempre a dizer: “Não vás, vens de lá sem saber quem és.” Fui primeiro para Amsterdão, onde um carro nos esperava (éramos quatro no aeroporto) para nos levar a Zandvoort, a cerca de 30 km.
No carro, a expectativa era latente: três homens entre os 35 os 55 anos e eu; eles vindos dos Estados Unidos da América (EUA). Passado pouco tempo, chegámos a uma vivenda que tinha sido uma antiga igreja, adaptada para estes retiros. Entrámos, fomos convidados a tirar os sapatos e fomos apresentados aos mestres do retiro e a mais seis pessoas que também iriam participar.
A preparação
O primeiro dia foi de apresentação e interação com os outros participantes e com a equipa de sete facilitadores que nos iria acompanhar. No segundo dia, tivemos entrevistas one-to-one com os orientadores, nas quais partilhámos as nossas expectativas.
Cética como sou, achei que nos estavam a ‘fazer a cabeça’ e a orientar-nos para o que devia ser o resultado da dita experiência.
Nos tempos livres, passeávamos pelos bonitos arredores e trocávamos impressões com os nossos colegas. Fiquei a saber que dos dez, seis eram americanos e viviam nos E.U.A., um inglês, um francês que também vivia nos Estados Unidos, bem como um médico australiano – todos bem na vida, com empregos estáveis e bastante sucesso. Eu era, de longe, a mais velha, variando as idades entre os 32 e os 56 anos, para além da minha provecta idade… Havia apenas mais duas mulheres.
O terceiro dia começou com uma aula de respiração que nos preparou para a cerimónia principal. Nesse dia, não almoçámos para que o efeito das trufas (a parte dos cogumelos de psilocibina que está por baixo da terra) fosse mais intenso e rápido; confesso que fiquei espantada com o que aprendi na aula de respiração, foi muito útil para controlar os efeitos iniciais da psilocibina.
O momento da verdade
Aproximava-se a hora da cerimónia e a expectativa era grande; finalmente soou o gongo e chamaram-nos para a mesa que estava posta para a cerimónia do chá. Cada lugar tinha o nosso nome e sentámo-nos conscientes da solenidade do momento.
À frente de cada pessoa, estava um pratinho com trufas de psilocibina, umas fatias de gengibre e de limão (explicaram-nos que serviam para desenjoar) e um pequeno almofariz, para além do bule e da chávena. Começámos por esmagar as trufas no almofariz e, depois de aquecermos a água, colocámos tudo no bule.
De seguida, chamaram-nos um a um para a sala onde decorreria a cerimónia; éramos aspergidos à entrada com fumos e cheiros para expulsar os maus olhados e depois cada um se sentava num colchão até nos trazerem uma bandeja com o chá.
O ambiente exultava harmonia, com música de fundo apropriada e os sete facilitadores vestidos de branco e com um ar compenetrado. Foi-nos dado o sinal para bebermos o chá, assim fizemos. De seguida, colocámos vendas nos olhos e deitámo-nos em círculo nos colchões. Entretanto a música intensificava-se…
A viagem
Cinco minutos depois, o meu mundo mudou, começou a ter cor, o som vinha em catadupas, acompanhado de imagens psicadélicas que vinham ter comigo com uma intensidade crescente. Era único! lembrei-me do disco dos Beatles Lucy in the Sky With Diamonds, estava totalmente imersa nos sons e nas cores, numa profusão de imagens avassaladora.
Achei que não ia aguentar, pensei em desistir e aí os exercícios de respiração que me ensinaram para a controlar foram importantes. Ao meu lado, uma das americanas teve uma série de orgasmos sonoros – “good for her”, balbuciou o inglês.
Passada essa fase inicial de sons e imagens, comecei a mergulhar no meu Eu: Primeiro, a minha mãe, depois, os meus filhos vieram ter comigo, entraram-me nas veias e compreendi a ligação profunda da família e a interligação das gerações. Mais tarde, o meu marido e o meu pai também se juntaram numa comunhão que me preencheu.
Traumas, felizmente, nenhum sobreveio, penso que os tenho bem resolvidos. Depois da fase de interação com os nossos ‘demónios’, segue-se a aceitação. Aceitei o que tenho, perdoei as pessoas com quem não falo e entrei numa fase de bliss total: sorria, sentia que emanava bondade e que tinha um brilho especial. Mais tarde, disseram-me que estive mais de meia hora com um sorriso idiota.
Passei muito tempo da minha ‘viagem’ ao ar livre estendida numa chaise-longue, sem venda, a apanhar sol, sempre acompanhada de um facilitador, a ouvir os sons, a ver as folhas a ondular, tudo cheio de cor e movimento numa sintonia única entre a Natureza e o meu ser. Lindo!
Ainda hoje guardo essa imagem de harmonia com o meio ambiente e comigo própria. Ao meu lado, o chef francês cheirava uma hortense e comia as pétalas, que depois cuspia num gesto de repulsa – repetiu esta cena duas ou três vezes.
Apetece-me citar Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se…” Atrevo-me a pensar que a minha alma se engrandeceu, fiquei mais consciente das minhas limitações, aceito melhor os outros e, sobretudo, dou valor ao que tenho e sinto-me em sintonia com o que me rodeia
O Regresso
Voltei à sala já mais consciente. Ao meu lado, um indiano, empresário de Silicon Valley, dava murros num caderno enquanto apontava o que lhe vinha à cabeça; do outro lado, um nutricionista inglês sorria com um sorriso beatífico; ao fundo, o médico australiano contorcia-se sonoramente, enquanto a americana chorava copiosamente. Todos estávamos imersos nos nossos fantasmas sem ligarmos ao que nos rodeava.
Eu, já menos afetada, retinha os pormenores. A minha ‘viagem’ durou quatro horas, outros estiveram cerca de seis horas sob a influência dos cogumelos. No final, foi-nos servido um snack que nos soube a maná vindo do céu: uvas, chocolate preto, wraps vegetarianos…
Nessa noite, ao jantar, todos tínhamos um sorriso estampado no rosto, um olhar claro, de uma experiência que tinha sido reveladora e gratificante.
Dormi muito bem nas duas noites que se seguiram, o ambiente era de paz, solidariedade e comunhão entre os presentes. Tivemos mais uma sessão one-to-one sobre a nossa experiência, na qual fomos aconselhados a não contar o que se tinha passado, não fossem os nossos ouvintes acharem que estávamos ‘apanhados’. Lembrei-me do meu marido…
Se vale a pena? Apetece-me citar Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se…” Atrevo-me a pensar que a minha alma se engrandeceu, fiquei mais consciente das minhas limitações, aceito melhor os outros e, sobretudo, dou valor ao que tenho e sinto-me em sintonia com o que me rodeia.
Já se passaram três meses e ainda recebo e-mails da Sinthesys! Alguma coisa ficou de positivo. Se volto a repetir a experiência? Não me parece, uma vez para mim chegou, mas confesso que valeu a pena.