“Tenho quase 70 anos e tive uma experiência psicadélica”
Já há algum tempo que drogas psicadélicas, como a psilocibina, têm vindo a ser apontadas pela comunidade científica como o antídoto para a depressão. Mas e quando uma mulher de quase 70 anos a usa recreativamente e se entrega a uma experiência mística como forma de alargar a sua consciência? Leia o testemunho surpreendente nas linhas que se seguem.
Tudo começou com um artigo que li no Arts and Culture do The Financial Times de fim de semana sobre pequenas doses de LSD e cogumelos mágicos de psilocibina. Fiquei curiosa, até porque o The Financial Times – o meu jornal de referência – é conhecido pela seriedade e qualidade, pelo que dar a primeira página do seu suplemento semanal a este tema significava que o assunto era sério e tinha sido investigado.
No artigo, referiam um livro que um jornalista tinha escrito – How to Change Your Mind (Penguin Press), de Michael Pollan – sobre as suas impressões ao experimentar aquelas substâncias alucinogénias.
A curiosidade fez com que mandasse vir o livro pela Amazon. Li-o, sublinhei as partes principais e a curiosidade aguçou-se – segundo o autor, fazia sentido experimentarmos expandir a nossa consciência. Mas onde fazê-lo?
Não me atrevia a falar abertamente com ninguém sobre o assunto… Podiam pensar que estava maluca e o meio onde esses produtos são tomados é-me completamente alheio. Em miúda tinha experimentado algumas drogas leves – confesso que gostei, mas foi uma fase que rapidamente ultrapassei, ficou-me apenas a euforia dos momentos.
A tomada de decisão
Agora, na minha quase sétima década, fazia algum sentido mergulhar no meu Eu e colocar a minha vida no crivo da minha consciência?
Tinha medo e só um artigo que li na The Economist me deu coragem para seguir em frente. A revista que venero abordava o assunto da psilocibina e referia um sítio na Europa onde podia experimentá-la em segurança. Esta era para mim indispensável e o próprio Pollan referia no livro que este tipo de experiência deve ser acompanhado por quem já a tenha feito e esteja habituado a lidar com alguma ocorrência.
Falei com a minha família; ficaram curiosos com a ideia e deram-me apoio. Só o meu marido torceu o nariz e me disse ser ridículo uma pessoa com a minha idade meter-se nesse género de experiências: “Já não tens idade, não sejas ridícula!”, disse.
Mas fui ridícula e contactei por e-mail a dita empresa, que logo me enviou um interrogatório exaustivo ao qual tive que responder com minúcia. Como sofro de algumas maleitas, fui obrigada a enviar as últimas análises, que, segundo eles, iriam ser analisadas por uma equipa médica.
Este aspeto deu-me confiança, não eram uns amadores a brincar aos retiros psicadélicos. Trocámos vários e-mails e, por fim, fui aceite. “Coragem”, dizia a mim mesma, “agora que te meteste nisto, vai até ao fim…” Acresce que a experiência não é barata – 2000€, fora as viagens, pelo que a minha curiosidade me saiu por cerca de 2400€ e, inicialmente, tive de dar um sinal de 500€ – desistir estava fora de questão.
De malas feitas
O dia de partir para a Holanda aproximava-se e o nervosismo era muito, ainda por cima com o meu marido sempre a dizer: “Não vás, vens de lá sem saber quem és.” Fui primeiro para Amsterdão, onde um carro nos esperava (éramos quatro no aeroporto) para nos levar a Zandvoort, a cerca de 30 km.
No carro, a expectativa era latente: três homens entre os 35 os 55 anos e eu; eles vindos dos Estados Unidos da América (EUA). Passado pouco tempo, chegámos a uma vivenda que tinha sido uma antiga igreja, adaptada para estes retiros. Entrámos, fomos convidados a tirar os sapatos e fomos apresentados aos mestres do retiro e a mais seis pessoas que também iriam participar.
A preparação
O primeiro dia foi de apresentação e interação com os outros participantes e com a equipa de sete facilitadores que nos iria acompanhar. No segundo dia, tivemos entrevistas one-to-one com os orientadores, nas quais partilhámos as nossas expectativas.
Cética como sou, achei que nos estavam a ‘fazer a cabeça’ e a orientar-nos para o que devia ser o resultado da dita experiência.
Nos tempos livres, passeávamos pelos bonitos arredores e trocávamos impressões com os nossos colegas. Fiquei a saber que dos dez, seis eram americanos e viviam nos E.U.A., um inglês, um francês que também vivia nos Estados Unidos, bem como um médico australiano – todos bem na vida, com empregos estáveis e bastante sucesso. Eu era, de longe, a mais velha, variando as idades entre os 32 e os 56 anos, para além da minha provecta idade… Havia apenas mais duas mulheres.
O terceiro dia começou com uma aula de respiração que nos preparou para a cerimónia principal. Nesse dia, não almoçámos para que o efeito das trufas (a parte dos cogumelos de psilocibina que está por baixo da terra) fosse mais intenso e rápido; confesso que fiquei espantada com o que aprendi na aula de respiração, foi muito útil para controlar os efeitos iniciais da psilocibina.
O momento da verdade
Aproximava-se a hora da cerimónia e a expectativa era grande; finalmente soou o gongo e chamaram-nos para a mesa que estava posta para a cerimónia do chá. Cada lugar tinha o nosso nome e sentámo-nos conscientes da solenidade do momento.
À frente de cada pessoa, estava um pratinho com trufas de psilocibina, umas fatias de gengibre e de limão (explicaram-nos que serviam para desenjoar) e um pequeno almofariz, para além do bule e da chávena. Começámos por esmagar as trufas no almofariz e, depois de aquecermos a água, colocámos tudo no bule.
De seguida, chamaram-nos um a um para a sala onde decorreria a cerimónia; éramos aspergidos à entrada com fumos e cheiros para expulsar os maus olhados e depois cada um se sentava num colchão até nos trazerem uma bandeja com o chá.
O ambiente exultava harmonia, com música de fundo apropriada e os sete facilitadores vestidos de branco e com um ar compenetrado. Foi-nos dado o sinal para bebermos o chá, assim fizemos. De seguida, colocámos vendas nos olhos e deitámo-nos em círculo nos colchões. Entretanto a música intensificava-se…
A viagem
Cinco minutos depois, o meu mundo mudou, começou a ter cor, o som vinha em catadupas, acompanhado de imagens psicadélicas que vinham ter comigo com uma intensidade crescente. Era único! lembrei-me do disco dos Beatles Lucy in the Sky With Diamonds, estava totalmente imersa nos sons e nas cores, numa profusão de imagens avassaladora.
Achei que não ia aguentar, pensei em desistir e aí os exercícios de respiração que me ensinaram para a controlar foram importantes. Ao meu lado, uma das americanas teve uma série de orgasmos sonoros – “good for her”, balbuciou o inglês.
Passada essa fase inicial de sons e imagens, comecei a mergulhar no meu Eu: Primeiro, a minha mãe, depois, os meus filhos vieram ter comigo, entraram-me nas veias e compreendi a ligação profunda da família e a interligação das gerações. Mais tarde, o meu marido e o meu pai também se juntaram numa comunhão que me preencheu.
Traumas, felizmente, nenhum sobreveio, penso que os tenho bem resolvidos. Depois da fase de interação com os nossos ‘demónios’, segue-se a aceitação. Aceitei o que tenho, perdoei as pessoas com quem não falo e entrei numa fase de bliss total: sorria, sentia que emanava bondade e que tinha um brilho especial. Mais tarde, disseram-me que estive mais de meia hora com um sorriso idiota.
Passei muito tempo da minha ‘viagem’ ao ar livre estendida numa chaise-longue, sem venda, a apanhar sol, sempre acompanhada de um facilitador, a ouvir os sons, a ver as folhas a ondular, tudo cheio de cor e movimento numa sintonia única entre a Natureza e o meu ser. Lindo!
Ainda hoje guardo essa imagem de harmonia com o meio ambiente e comigo própria. Ao meu lado, o chef francês cheirava uma hortense e comia as pétalas, que depois cuspia num gesto de repulsa – repetiu esta cena duas ou três vezes.
Apetece-me citar Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se…” Atrevo-me a pensar que a minha alma se engrandeceu, fiquei mais consciente das minhas limitações, aceito melhor os outros e, sobretudo, dou valor ao que tenho e sinto-me em sintonia com o que me rodeia
O Regresso
Voltei à sala já mais consciente. Ao meu lado, um indiano, empresário de Silicon Valley, dava murros num caderno enquanto apontava o que lhe vinha à cabeça; do outro lado, um nutricionista inglês sorria com um sorriso beatífico; ao fundo, o médico australiano contorcia-se sonoramente, enquanto a americana chorava copiosamente. Todos estávamos imersos nos nossos fantasmas sem ligarmos ao que nos rodeava.
Eu, já menos afetada, retinha os pormenores. A minha ‘viagem’ durou quatro horas, outros estiveram cerca de seis horas sob a influência dos cogumelos. No final, foi-nos servido um snack que nos soube a maná vindo do céu: uvas, chocolate preto, wraps vegetarianos…
Nessa noite, ao jantar, todos tínhamos um sorriso estampado no rosto, um olhar claro, de uma experiência que tinha sido reveladora e gratificante.
Dormi muito bem nas duas noites que se seguiram, o ambiente era de paz, solidariedade e comunhão entre os presentes. Tivemos mais uma sessão one-to-one sobre a nossa experiência, na qual fomos aconselhados a não contar o que se tinha passado, não fossem os nossos ouvintes acharem que estávamos ‘apanhados’. Lembrei-me do meu marido…
Se vale a pena? Apetece-me citar Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena se…” Atrevo-me a pensar que a minha alma se engrandeceu, fiquei mais consciente das minhas limitações, aceito melhor os outros e, sobretudo, dou valor ao que tenho e sinto-me em sintonia com o que me rodeia.
Já se passaram três meses e ainda recebo e-mails da Sinthesys! Alguma coisa ficou de positivo. Se volto a repetir a experiência? Não me parece, uma vez para mim chegou, mas confesso que valeu a pena.