Basta percorrermos o feed do Instagram ou, até, estarmos mais atentas às conversas que ouvimos no metro. ‘O mercúrio está retrógrado outra vez’, ouve-se por aí.
A astrologia, que antes tinha o seu lugar guardado na secção Horóscopo das revistas, tornou-se agora mais acessível e personalizada.
Já não falamos só sobre o nosso signo solar, mas sobre planetas, ascendentes e mapas astrais. Diz-me a tua data, local e hora de nascimento e dir-te-ei quem és.
É um meme, é uma coleção nas passerelles dos grandes desfiles de moda, uma discussão nos consultórios de psicologia… Será realmente uma ferramenta poderosa de autoconhecimento ou um alívio para quem procura certezas?
“Desde questões relacionadas com a minha personalidade até à compreensão dos aspetos que nos vão influenciando coletivamente, a astrologia mudou a minha visão do que é verdadeiramente o consciente coletivo. Penso que é uma ferramenta incrível para nos ajudar a tomar decisões, verificar quais são as melhores alturas para atuar, para nos recolhermos e aguardar sem tomar decisões drásticas. É também uma ferramenta que visa um enorme desenvolvimento pessoal e espiritual”, conta-nos Joana Paraizo, 28 anos, estudante e apaixonada por astrologia.
Uma nova era na astrologia
Em 2003, o astrólogo João Medeiros decidiu trocar o emprego no Instituto Nacional de Estatística, na área em que se tinha formado, Economia, pela astrologia.
O interesse por esta área “surgiu, aos 23 anos, depois de ler alguns livros avançados sobre a matéria, em particular um livro que comprovava estatisticamente a relação entre as vocações das pessoas e as posições dos planetas à nascença”, diz-nos o astrólogo.
Desde então, já muito mudou na forma como as pessoas procuram e olham para a astrologia.
“As pessoas já começam a perceber que não existe apenas o signo solar, que existe o ascendente e uma variedade de outros elementos. Obviamente que a Internet, por um lado, ajudou a propagação de mais conhecimento informado sobre esta matéria”, explica-nos.
A verdade é que o interesse pela espiritualidade e o esoterismo tem vindo a crescer de forma exponencial nos últimos anos.
De acordo com um estudo realizado pelo Pew Research Center, a maioria dos millennials dos Estados Unidos da América acredita que a astrologia é uma ciência.
Embora esta tendência seja mais facilmente difundida pelas gerações mais jovens, verifica-se que o interesse é abrangente a todas as idades.
“Tanto nos cursos como nas consultas, o público é maioritariamente feminino, entre os 27 e os 55 anos. Também é verdade que cada vez mais homens procuram a astrologia e pessoas com um certo nível educativo, ou seja, não são propriamente pessoas que se possam considerar incultas”, diz-nos João Medeiros.
O sector dos serviços psíquicos e esotéricos cresceu 2% entre 2011 e 2016. Atualmente, e de acordo com a empresa de análise IBIS World, esta indústria vale dois mil milhões de dólares por ano.
A procura de um propósito
Mas, afinal, o que procuram os amantes da astrologia?
Maria Kowalsky, consultora de tendências da WGSN, diz ao jornal Folha de São Paulo que “os millennials estão a fazer perguntas existenciais sobre fé e propósito e estão a procurar respostas em diferentes lugares, conceitos e crenças. A astrologia faz parte da ‘nova espiritualidade’, ela possibilita ter uma conexão mais ‘profunda’ consigo mesmo”.
João Medeiros diz-nos que os temas que as pessoas procuram explorar são muito variados e vão desde “insatisfação com a carreira, com os relacionamentos e procura por um propósito de vida”.
A astróloga Telma Gonçalves (conhecida no Instagram como @astrologiadegrey, com mais de 15 mil seguidores), conta-nos que o seu verdadeiro interesse por astrologia surgiu, aos 25 anos, depois de descobrir que tinha uma doença oncológica.
“Foi a partir daí que senti mesmo a necessidade de entender o que estaria para além daquilo que conhecemos, qual a nossa verdadeira essência, missão e propósito de vida. Ainda no hospital, comecei a estudar astrologia (é daí que vem o nome astrologia de Grey, já que foi uma série que comecei a ver lá também), o meu próprio mapa e o dos meus familiares e amigos mais próximos e a perceber que vai muito além das previsões, dos signos como os conhecemos e das características de personalidade. Além de uma ferramenta de autoconhecimento, temos no mapa astral uma bússola incrível para entender o que a vida nos propõe viver.”
Um conhecimento milenar
Embora comece a existir um maior conhecimento de astrologia entre o cidadão comum, este não é um tema novo.
Os primeiros registos desta ciência não comprovada surgiram no Médio Oriente, com os caldeus (povo semita do Sul da Mesopotâmia), onde há registos do primeiro mapa astral da História, feito no ano de 410 a.C.
Desde então, a história da astrologia tem sofrido inúmeras alterações (tendo passado pela censura no tempo da Inquisição, onde milhares de documentos e livros foram destruídos), mas a verdade é que tem acompanhado o ser humano até aos dias de hoje.
Esta era uma técnica de autoconhecimento utilizada especialmente pelas elites e chegou até a ser ensinada nas universidades. Hoje em dia, é discutida em consultórios de psicologia.
“Jonathan Kaplan, psicólogo clínico em Nova Iorque, reparou que cada vez mais os seus clientes estão a comentar sobre o quão são afetados pela fase do mercúrio retrógrado”, lê-se no artigo Now Therapists Have to Figure Out Astrology, Tarot and Psychedelics (Atualmente, os terapeutas têm de perceber de astrologia, tarot e psicadélicos, em tradução literal), do jornal The New York Times.
Fica então a questão: será a astrologia a psicologia alternativa do século XXI?