Crónica: o que é que o Instagram já fez por si hoje?
Um ataque ao Insta? #Não. Esta é apenas uma reflexão sobre se estamos a usar (desperdiçar?) o nosso tempo em prol do que realmente nos faz bem ou não.
No outro dia contavam-me a história de uma influencer digital (com mais de 52 mil seguidores no Instagram) estar a dar que falar por ter deixado uma carta misteriosa à mãe, que a fez desesperar. Não conseguia entrar em contacto com a filha, chegou a suspeitar de tentativa de suicídio, e apelava, no seu perfil de Instagram, à ajuda de alguém que soubesse da filha.
Não sei o que se passou ao certo (e continuo sem saber), mas o primeiro instinto que tive foi ir ao perfil dela e tentar perceber alguma coisa. Que tonta. Por achar que ia encontrar algo suspeito numa das suas bonitas e artísticas fotografias, ou simplesmente por ter tentado.
Este episódio, que nada tem de extraordinário, fez-me refletir. Afinal, percorremos os feeds desta rede social, scroll down até ao infinito à espera de encontrar o quê? Inspiração, divertimento, a novidade de que todos falam, uma forma de “matar” o tempo (que já é pouco), aprovação, motivação…?
#ObrigadaInstagram?
Se refletirmos por uns minutos, o que é que o Instagram já fez por nós, verdadeiramente? Tornou-nos mais ansiosos, sonolentos e obcecados pela cultura visual, talvez. Ou mais próximos e ligados uns aos outros, ainda que virtualmente, mais curiosos e até ativistas, com um despertar de consciências.
Em que medida as redes sociais que usamos todos os dias, sobretudo o Instagram e o Facebook, contribuem para o nosso bem-estar? E quando digo medida, digo para pensarmos numa correlação direta.
Quando pega no telemóvel, carrega no pequeno ícone roxo ou no azul e o dedo começa fazer suaves movimentos ascendentes no ecrã, e uma enxurrada de fotografias, vídeos, pequenas frases e muitos hashtags vão aparecendo, como se sente? Relaxada? Realizada? Tranquila? Feliz? Alegre? Grata? Divertida? Se eu tivesse de responder “sim” a alguma destas questões, teria de acrescentar também “mas muito raramente”.
Sou utilizadora do Instagram e Facebook – mais passiva do que ativa. Segundo pesquisas apontadas pelos investigadores do Facebook, David Ginsberg e Moira Burke, este tipo de utilização é precisamente a mais “preocupante”. Uma utilização passiva, sem interacção e usada como um mirone, impossibilita os utilizadores de terem a gratificação prevista pelas redes sociais.
Recordemos que o sucesso do Facebook e Instagram mede-se sobretudo em quantidades de gostos, comentários, partilhas e qualquer tipo de interação. Portanto, no limite, estamos a contribuir para o bem-estar da própria rede social. E para o nosso?
Não sou extremista quando penso nas redes sociais e na sua utilidade nos dias de hoje. Mas não posso afirmar que ao longo destes últimos anos elas tenham feito assim tanto por mim (fora do contexto profissional) e pelo meu bem-estar. Pelo menos não na proporção em que deveriam, dado o tempo que lhes dedico…
O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem…
Segundo o Bareme da Internet da Marktest, a penetração das redes sociais em Portugal aumentou mais de três vezes e meia entre 2008 e 2017, passando de 17,1 para 61,9%. O Facebook e o Instagram lideram esta corrida.
O mesmo estudo indica que dedicamos uma média diária de 91 minutos nas redes sociais. Mas se consultarmos as funcionalidades recentes que nos indicam o tempo que passamos nas plataformas geridas por Mark Zuckenberg, sabemos que este número pode ser mais elevado.
Como em muitos temas dos tempos modernos, não há um consenso, nem na comunidade científica (ainda), sobre o impacto que as redes sociais têm na nossa saúde.
Recapitulemos o que se tem dito sobre as vantagens e desvantagens das redes sociais:
• Cientistas do Centro Nacional de Excelência em Saúde Mental dos Jovens, da Universidade de Melbourne, correlacionam o uso das redes sociais com depressão, ansiedade, distúrbios no sono, na alimentação e um aumento do risco de suicídio, avança um artigo da The Conversation;
• Em 2015, pesquisas da Universidade do Missouri descobriram que o uso regular do Facebook poderia levar a sintomas de depressão se a rede despoletasse sentimentos de inveja no utilizador;
• Outras pesquisas demonstraram que pessoas que consultam as redes sociais à noite, antes de ir dormir, têm mais probabilidade de sofrer de alterações de humor, como neuroticismo e doença bipolar, e avaliam-se como menos felizes e mais solitárias.
• Um outro estudo, que correlaciona o uso da Facebook com a depressão, também descobriu que pessoas que utilizam esta rede principalmente para se ligarem com os outros não experienciaram os seus efeitos negativos;
• Existe ainda evidência de que as redes sociais podem beneficiar pessoas que sofrem de problemas relacionados com a saúde mental, ao ajudá-las a construir comunidades online que dão apoio emocional;
• Um estudo recente feito no Reino Unido, na Universidade de Oxford, com 12 mil adolescentes (entre os 10 e 15 anos) concluiu que o efeito das redes sociais pode ser “mínimo”. Ou seja, que o impacto destas na vida e bem-estar dos teenagers corresponde a menos de 1%. O curioso? Que esta percentagem sobe um pouco mais quando se analisam raparigas, face aos rapazes (ainda que minimamente);
• Mostrou-se ainda que os adolescentes marginalizados conseguem construir ligações online que de outra forma não conseguiriam.
O nosso bem-estar: um investimento seguro
Se as redes sociais fazem bem ou mal à saúde, ainda está por provar. A resposta não é linear e os estudos atropelam-se.
Vantagens e desvantagens gerais à parte, a questão está em gastarmos tempo com o que não nos dá o que precisamos. Depois da senda que iniciei pelo autocuidado, é cada vez mais fácil separar o trigo do joio.
Chega a uma altura em que urge fazermos uma seleção mais rigorosa de onde investimos energias. Simplesmente porque não chegamos para tudo (e precisamos aprender a viver sem pressa)! E se tantas vezes o trabalho ocupa irremediavelmente o lugar de destaque, é bom que o (pouco) tempo que sobra seja otimizado e potenciado.
Encontrar investimentos dois-em-um, em que se ganhe mais do que aparentemente se vislumbra, são achados nesta vida. Passar horas no Instagram, sem que esse tempo esteja duplamente a fazer algo por nós a para nós, será um mau investimento, diria. E nem tudo se resume a uma melhor gestão de tempo.
Se queremos inspiração, entretenimento ou simplesmente “matar o tempo”, talvez renda mais explorar todas as alternativas. Ter uma conversa real, ler um livro empolgante, observar o que nos rodeia, meditar por dez minutos, decorar uma coreografia, fazer um exercício de visualização ou investir no autocoaching parecem-me, ao mesmo tempo, opções inspiradoras e bons trampolins para momentos mais tranquilos e potenciadores de bem-estar – pessoal e profissional.
São só pequenos exemplos que fariam muito mais por mim do que o recorrente deslizar de dedo ecrã abaixo. Como estes há muitos outros exemplos que cumprem melhor esse propósito para cada uma de nós.
Porque, pense bem: o que é que o Instagram fez por si ontem? Da próxima vez que aceder ao seu feed, pare para pensar o que é que esse momento vai fazer por si hoje. E não se esqueça de ponderar todas as opções nas quais poderia estar a investir esse valioso tempo. Sem julgamentos.
Fontes: Estudo da Universidade de Missouri; estudo The Lancet Psychiatry; estudo Mental Health Foundation; artigo “Social media effect ‘tiny’ in teenagers, large study finds”; artigo “Social media bad for the minds of young people, right? Maybe not”.
Refletir sobre o que nos faz bem, também é uma forma de autocuidado (há mais 20 regras a seguir para cuidar de si).