© Gustavo Valente
“Não podemos dar tanto à nossa mente, temos de tentar que ela não se disperse”

“Não podemos dar tanto à nossa mente, temos de tentar que ela não se disperse”

O professor de ioga Jean-Pierre de Oliveira explica o porquê de o ioga ser tão importante nesta fase que estamos a passar. Já praticou? Talvez esteja na altura.

Por Nov. 5. 2020

A pandemia veio alterar tudo o que nos era rotineiro até agora. Além de que veio aumentar os estados de stresse, ansiedade, inquietação e também de medo. Mas, aos poucos, fomo-nos habituando.

Durante o confinamento, vimos inúmeras aulas de ioga a acontecerem online. Jean-Pierre de Oliveira foi um dos professores a aderir à tendência, ainda com alguma reticência. Agora, o seu estúdio volta a estar aberto, seguindo todas as normas de segurança (cada aula tem no máximo 12 alunos), sendo que o instrutor de ioga tem ainda outras plataformas disponíveis para quem não quer, para já, fazer aulas presenciais.

Estas mesmas aulas podem ser acompanhadas via Zoom ou, se preferir, pode ainda consultar a plataforma jpOnline, onde encontra várias aulas online (com um custo associado). Além disto, pontualmente, Jean-Pierre de Oliveira disponibiliza algumas aulas no YouTube.

O ioga e a meditação têm sido estratégias cada vez mais procuradas para combater toda a incerteza que se tem vivido e o próprio instrutor desta prática fala de como estas podem ser preciosas.

Entrevista a Jean-Pierre de Oliveira

Sente que com a pandemia as pessoas começaram a praticar mais ioga?

Sim. No meu estúdio circula muita gente. Há pessoas que praticam de forma pontual e depois há os alunos regulares que aparecem duas a três vezes por semana. Neste regime eu tinha, mais ou menos, 200 pessoas a frequentar o estúdio, neste momento, tenho 80 pessoas ativas. E destas 80 pessoas, 1/3 são pessoas que estão a chegar agora, que vêm ter comigo porque emocionalmente não se sentem muito estáveis. As pessoas estão muito cansadas e frustradas com a situação da Covid-19.

A diferença do ioga em relação a outras atividade é que, de facto, levamos as pessoas a trabalhar o mental e o físico ao mesmo tempo. Ou seja, se fizermos uma aula de body pump ou de aeróbica, estamos a trabalhar o sistema cardiovascular, e tudo bem, porque também nos faz bem à cabeça, mas não se trabalha especificamente os pensamentos ou a forma como reagimos.

O ioga vai dar essas duas coisas e, neste momento, é disto que as pessoas precisam. Precisam de saber que estão a fazer alguma coisa nestes dois planos, no mental e no físico.

Há alguma faixa etária que note que procura mais esta atividade?

Acho que é mais ou menos o habitual. A faixa etária normal é entre o 35 e 45.

© Gustavo Valente

Como foi começar a dar aulas de ioga online?

Inicialmente, bloquei um pouco. Estava com esperança que isto [a Covid-19] desaparecesse tão rápido como apareceu, então demorei um bocadinho de tempo a reajustar-me. Fiz algumas participações em eventos, nomeadamente com a Saber Viver, mas nada que se tornasse numa rotina. Depois, reparei que estava a receber uma quantidade brutal de mensagens nas redes sociais a pedirem-me ajuda.

É curioso que sou mais conhecido pelas aulas de ioga, mas um professor de ioga também dá meditação. Então, muitas pessoas pediram-me ajuda para começar a meditar, perguntavam-me como é que o podiam fazer, e fui desenvolvendo algumas ferramentas.

Coloquei algum material no YouTube e no blogue, para onde gravei algumas meditações e exercícios respiratórios – estes são ótimos para quem não gosta de meditar ou para quem quer começar, porque vou dizendo às pessoas o que é que têm de fazer com a respiração. Reparei no número de visualizações e de partilhas e vi que havia interesse. Então, defini estratégias.

Há, por exemplo, pessoas que não gostam de diretos, então criei o JP Online, com práticas minhas que eu fiz durante o confinamento, e uma base de dados com mais ou menos 50 aulas. Esta é uma ferramenta paga, como se fosse uma mensalidade. Depois, quando começámos a desconfinar, criei uma nova forma de trabalhar: as aulas que dou no estúdio podem também ser feitas pelo Zoom.

Mentalmente, os professores também têm de estar preparados…

Sim, essa parte também é importante. Realmente, as pessoas pedem muitas coisas aos professores, mas o professor de ioga não deixa de ser um ser humano também e posso dizer-lhe que fiquei também muito afetado em relação ao que aconteceu.

Entrei no ioga porque gosto imenso do contacto com as pessoas e gosto mesmo de dar aulas, é onde está a minha essência. E, de facto, comecei a sentir-me muito triste por não poder estar com os meus alunos, por isso também foi um processo de aprendizagem para mim.

Visto que podemos estar à porta do segundo confinamento, como é que o ioga e a meditação podem ajudar as pessoas?

A nossa mente tende a dispersar-se e quanto mais nos dispersamos, mais criamos uma certa inquietação. Agora funcionamos muito rapidamente, até com as redes sociais, as coisas acontecem de forma muito acelerada e há muita informação. É normal que entremos em desequilíbrio e que tenhamos um vazio que precisamos de preencher. O Instagram e o Facebook vão-nos dando muita informação, mas quanto mais nós conseguirmos absorver, mais queremos absorver.

O que acontece é que a nossa mente começa a ficar instável e está sempre sedenta de mais, mais e mais. No fundo, o que se pretende para ficar bem é exatamente o contrário. Não podemos dar tanto à nossa mente, temos é de tentar focá-la numa coisa específica durante o máximo de tempo possível e tentar com que ela não se disperse, para criar estabilidade e equilíbrio. É isto que o ioga faz.

Através da meditação, o ioga ajuda-nos a ficar parados e a não seguir todos os pensamentos que nos passam pela cabeça. É tentar criar o hábito da calma e isso, hoje em dia, para todos nós, é muito difícil porque estamos acostumados a um excesso de informação.

E isso, inevitavelmente leva à ansiedade…

Sim. Eu consigo ver duas coisas nos meus alunos. Ansiedade, porque não sabemos quando é que isto vai acabar e isso deixa-nos inseguros e, por outro lado, como não sabemos até onde é que isto pode ir e não sabemos o que podemos ou não fazer, surge e frustração.

Para poder acalmar a ansiedade e a frustração temos de nos tentar focar no presente. Toda a técnica do ioga é esta: através do trabalho do corpo, quando se está a fazer as sequências, as pessoas estão focadas no que estão a fazer ali. Depois, no lado mental, as técnicas de respiração e meditação vão criar uma janela de tranquilidade na cabeça das pessoas.

''Seria ótimo percebermos que temos exigências em relação a nós próprios e que, em vez de lhes respondermos logo, deveríamos tentar perceber porque é que elas existem''

Nota que as pessoas procuram mais o ioga para se libertarem deste excesso de informação?

Exatamente. Se houve um momento em que procurávamos informação, agora queremos o contrário.

Para as pessoas que voltaram ao teletrabalho e que estão mais vezes em casa, que cuidados devem ter quando praticam ioga?

O primordial, e nem sempre é fácil para todas as famílias, é encontrar um local tranquilo e sem distúrbios para nos podermos focar. É deixar o telemóvel noutra divisão da casa, é desligar a televisão, afastar-se dos ruídos e das pessoas. O ioga não é uma coisa fácil, é uma prática que mexe muito com a nossa mente e esta vai sempre procurar um escape. Por isso, é importante isolarmo-nos.

Depois, o tapete de ioga seria o ideal, mas mesmo sem tapete consegue praticar-se ioga. Até diria que o equipamento não é assim tão importante. No fundo, o ioga tem esta mais valia em que o mais importante é a força e vontade.

De que forma é que podemos introduzir o slow living na nossa vida a fim de torná-la mais tranquila?

O slow living não é algo adquirido, temos de trabalhar constantemente. O slow living é não fazermos tanta coisa por impulso, é não responder de imediato às nossas próprias solicitações. Seria ótimo percebermos que temos exigências em relação a nós próprios e que, em vez de lhes respondermos logo, deveríamos tentar perceber porque é que elas existem.

“Quero ir ao Instagram agora”. Mas porquê? O que é que vou buscar dali? O slow living é um pouco isto, criar a necessidade de não sermos tão impulsivos. Até nos relacionamentos com os outros isto acontece. Por exemplo, com um melhor amigo ou melhor amiga. Às vezes temos algumas conversas que até nos aborrecemos com eles.

Imaginemos que tenho uma amiga que acho que deveria fazer ioga, mas ela diz que não quer e que a única razão de eu tentar convencê-la é porque sou professor. A conversa começa a ficar desagradável, mas o que eu quero é ajudar a minha amiga, não é zangar-me com ela. Por outro lado, estou a responder aos meus impulsos ao responder-lhe.

Basicamente, se eu entrar neste modo de slow living vou deixar de ser impulsivo e vou olhar para o ponto de partida desta conversa, que é: quero o melhor para a minha amiga. É todo o conjunto de técnicas que podemos pôr em prática para não entrarmos neste esquema da impulsividade que nos faz cometer erros até com as pessoas de quem mais gostamos.

O que é que costuma dizer às pessoas que são reticentes em relação ao poder do ioga e da meditação?

Acredito que nem todos temos de gostar da mesma coisa. Prefiro ter na minha sala pessoas motivadas, que me procuram, do que pessoas que consegui convencer. Se a pessoa perguntar, tento dar o máximo de informação de forma a que ela me consiga perceber, mas a motivação vem mesmo de dentro. Acho mesmo que quando a pessoa dá uma oportunidade ao ioga, volta sempre. Pode é não ser logo.

Há sempre o momento certo e o professor certo. Somos todos diferentes, alunos e professores, e tem de haver um match. O aluno tem de encontrar o professor certo para ele, ou seja, com o discurso compatível e com a forma de pensar dele.