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Neutralidade corporal: quando olhamos para a nossa imagem de um ponto de vista neutro

Neutralidade corporal: quando olhamos para a nossa imagem de um ponto de vista neutro

O reconhecimento de que o nosso valor pessoal não é definido pela nossa aparência física, mas pelas nossas qualidades intrínsecas – é esta a proposta da neutralidade corporal. Conversámos com Catherina Maria Jönsson, psicóloga clínica no Hospital CUF Porto, para saber mais sobre este conceito.

Por Out. 21. 2024

Nem todas as pessoas têm uma boa relação com a sua imagem. Há quem passe muito tempo a olhar-se ao espelho, a notar todos os pormenores e ditas imperfeições do seu corpo e rosto, como aquele pedacinho de celulite que teima em não ir embora ou aquela ruga de expressão que foi ganhando o seu lugar com o passar dos anos. Depois desta análise profunda, não ficamos satisfeitas com a pessoa que nos olha de volta, e prometemos melhorar todos aqueles aspetos que nos incomodam.

“A prevalência da insatisfação corporal em Portugal encontra-se entre entre o 25% e os 73%, estando associada a várias psicopatologias, tais como a depressão, a ansiedade e os distúrbios alimentares”, começa por explicar Catherina Maria Jönsson, psicóloga clínica no Hospital CUF Porto, à Saber Viver. Não obstante, “vários movimentos sociais têm procurado desafiar os ideais de beleza e promover atitudes mais positivas em relação ao corpo”, como o da neutralidade corporal, um movimento que emergiu em 2015 como uma alternativa à positividade corporal (body positivity em inglês).

Mas, afinal, do que se trata?

“Um estudo de 2023, publicado no Body Image, definiu a neutralidade corporal como uma atitude neutra e sem juízos de valor face à aparência do nosso corpo. O único valor atribuído ao corpo centra-se naquilo que ele nos permite fazer, tal como ouvir, correr, pensar, sentir, entre outras funções. É o reconhecimento de que o nosso valor pessoal não é definido pela nossa aparência física, mas pelas nossas qualidades intrínsecas desvalorizando a atratividade física”, esclarece a psicóloga.

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“O movimento surgiu como resposta a uma cultura de ridicularização do corpo (body shaming) e com a desilusão sentida com o movimento da positividade corporal, pela dificuldade sentida em celebrar um corpo que a sociedade rejeita”, afirma. “Em 2016, Anne Poirier, terapeuta americana na área da imagem corporal começou a utilizar o conceito de neutralidade corporal com os seus clientes que sentiam que amar o seu corpo não era um objetivo realista. Em 2021, publicou o livro The Body Joyful, popularizando o conceito. Desde então, o movimento tem crescido como uma alternativa à positividade corporal, tendo atualmente como maiores defensoras do movimento a Taylor Swift, a Selena Gomez, a Lizzo e a Jameela Jamil”.

           The Body Joyful, de Anne Poirier (Woodhall Press)

Positividade corporal vs Neutralidade corporal

Os conceitos partilham alguns pontos em comum, vão ambos contra o body shaming, mas definitivamente não são iguais.

“A positividade corporal visa desafiar os ideais de beleza ocidentais estereotipados, promovendo a celebração da diversidade corporal e o empoderamento feminino. Perpetua, portanto, o enfoque no corpo da mulher, atribuindo-lhe valor. O movimento de neutralidade corporal, por contraste, propõe uma perspetiva de neutralidade emocional face ao corpo e ao valor que lhe atribuímos, defendendo a sua aceitação tal como ele é”, ilucida a psicóloga.

Se o body positivity empodera a mulher ajudando-a a sentir-se bem em qualquer tipo de corpo, a neutralidade corporal “assume que esta não é uma opção viável para todas as mulheres ou até um desejo partilhado”, continua. “Posiciona-se, portanto, como um exemplo de pós-feminismo em que o verdadeiro empoderamento da mulher é a escolha livre do tipo de relacionamento que quer ter com o seu corpo, livre da pressão de conformidade com um corpo idealizado pela sociedade”.

A neutralidade corporal é uma atitude que pode ser praticada por todos – Catherina Maria Jönsson, psicóloga clínica

Um problema real em Portugal

Portugal e Espanha estão entre os países europeus que mais ênfase dão à aparência física, de acordo com um estudo do ano passsado que analisou uma amostra de 203 jovens adultas com uma idade média de 27 anos. “Sabemos que a insatisfação corporal é mais pronunciada em países afluentes com um estilo de vida mais ocidentalizado, onde há um foco maior no individualismo e no consumo. Nestes países, a atratividade física tem um valor extremo, sendo que nos Estados Unidos a insatisfação corporal tem maior prevalência do que a Europa ou Austrália. Não obstante, com o aumento de acesso a conteúdos ocidentais centrados no corpo, através da televisão, da internet e das redes sociais, existe cada vez mais uma pressão global para focar na aparência física e alcançar o corpo ideal”, explica Catherina Maria Jönsson.

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Terá efeitos negativos a nível psicológico?

“Ainda se sabe pouco sobre o impacto desta atitude mais neutra face ao corpo”, admite a especialista. No entanto, “um outro estudo de 2023, publicado no International Journal of Eating Disorders, sugere que o foco na funcionalidade do corpo, em vez da sua aparência, aumenta a esperança da mulher, o apreço pelo seu corpo e a satisfação corporal”. O estudo publicado no Body Image, referido acima, “sugere ainda que a exposição a conteúdos de neutralidade corporal através das redes sociais induz uma autoimagem positiva imediata, melhora o humor e oferece uma alternativa aos padrões estandardizados de beleza”.

Porém é importante percebermos que qualquer conceito levado ao limite pode acarretar perigos para a saúde mental e física. Outros dados sugerem que a neutralidade corporal “pode sustentar uma atitude de desamparo aprendido, onde o indivíduo interioriza a crença de que é impossível alcançar o amor pelo seu corpo; o enviesamento negativo, que impede a procura de formas positivas de interagir com o corpo; e o evitamento experimental, isto é, as experiências corporais que causam desconforto são evitadas e, consequentemente, não trabalhadas”.

Como adotar a neutralidade corporal, um passo de cada vez

“A neutralidade corporal é uma atitude que pode ser praticada por todos, mesmo se tiverem uma boa relação com o corpo, porque desenvolve um apreço e uma valorização das nossas qualidades intrínsecas e daquilo que o nosso corpo nos permite fazer”, sugere a psicóloga.

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Se quiser praticar a neutralidade corporal, pode começar com as seguintes dicas:

1. Descarte as dietas e opte por uma alimentação equilibrada e sustentável;

2. Escolha exercícios que lhe dão prazer, não os que queimam mais calorias;

3. Use roupa confortável e doar o que já não lhe serve;

4. Evite os pensamentos negativos que tem sobre o seu corpo e o corpo dos outros;

5. Sinta-se grata pelo seu corpo e aprecie o que lhe permite fazer;

6. Faça um intervalo das redes sociais ou deixe de seguir conteúdos que promovem a autodúvida;

7. Reduza a exposição ao espelho e a utilização da balança;

8. Adote uma atitude de aceitação radical do seu corpo tal como ele é;

9. Pense nos atributos pessoais e nas qualidades intrínsecas que definem o seu valor.

“A neutralidade corporal é uma prática que requer intencionalidade e consistência. Se a insegurança e a vergonha surgir, tenha autocompaixão. Volte à prática e não desista. ”, apela Catherina Maria Jönsson.

“Se após algum treino ainda comparar o seu corpo com o corpo dos outros, pensar muito nos aspetos negativos da sua aparência, realizar exercício de uma forma excessiva, fizer restrições alimentares, procurar a validação dos outros, evitar atividades sociais que exponham o seu corpo ou sentir ansiedade ou depressão face à sua aparência, procure um psicólogo clínico diferenciado em imagem corporal”.