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Conheça o Nunchi, a prática que a vai ensinar a ler os outros

Conheça o Nunchi, a prática que a vai ensinar a ler os outros

Veio da Coreia e é um conceito de inteligência emocional que lhe vai dar uma ferramenta fundamental: o saber ouvir quem e o que a rodeia, mesmo em silêncio.

Por Dez. 28. 2019

“Nunca perca uma oportunidade para ficar calada.” Este é o princípio do nunchi, “a subtil arte coreana de conseguir ler um espaço e discernir o que as pessoas estão a pensar para criar harmonia e confiança”, refere Euny Hong, jornalista e autora do livro The Power of Nunchi: The Korean Secret to Happiness and Success (Penguin Books).

The Power of Nunchi: The Korean Secret to Happiness and Success, Amazon

Filha de pais coreanos, acredita que esta é a altura certa para introduzir este conceito fora da Coreia e a explicação é simples: “A nossa civilização está no auge do egocentrismo. A dependência dos smartphones teve esse efeito, fornecendo uma desculpa socialmente aceitável para ignorarmos toda a gente ao nosso redor. Não há razão para lamentar a tecnologia, mas podemos tomar um antídoto: conectarmo-nos com o nosso ambiente, estar em silêncio e usar os olhos e ouvidos para reunir dados que estão ao nosso redor de maneira desinteressada para um propósito pragmático.”

Observar com atenção

Centremo-nos na origem da palavra. Literalmente, nunchi significa ‘acuidade visual’ e difere da comum observação em dois aspetos: “Dá enfâse a todo o espaço, em vez de apenas a algumas pessoas, e à velocidade. Na Coreia, as pessoas não dizem que têm um bom nunchi, mas sim rápido”, explica Euny Hong.

Nunchi é, sem dúvida, um conceito associado à inteligência emocional, daí que não seja de estranhar que outro dos seus princípios seja o cuidado com a maneira como se age ou com o que se diz aos outros.

O silêncio é aqui elevado a um patamar superior e a autora lembra que todas as religiões que conhece “mandam rezar ou meditar” e o que é isto senão “formas de nos esforçarmos a estar em silêncio”?

Silêncio ouvinte

No nunchi, o silêncio é acompanhado de outro fator importante: ouvir os outros. “Depois de ter comida e um abrigo, aquilo de que os humanos mais precisam é de se sentirem ouvidos e vistos. A maioria das pessoas não liga muito ao facto de concordarmos com elas, quer apenas que as oiçamos.

É por este motivo que qualquer especialista em resolução de conflitos dirá que, se quiser neutralizar imediatamente uma pessoa com raiva, basicamente deve resumir e repetir o que ela acabou de dizer. Como se fosse o seu eco.

Por isso, se alguém gritar consigo e disser algo como ‘por que está a demorar tanto? Não tenho o dia todo!’, diga-lhe apenas: ‘Entendo que esteja chateado porque sente que foi paciente e desperdiçou tempo’. Não está a dar nada à pessoa, apenas a repetir o que ela disse por outras palavras”. É uma forma de mostrar que está a prestar atenção às pessoas, e isso “acalma-as”.

Para bem do casal

Já pensou que adotar um comportamento nunchi tem muitas vantagens para si? “Dar-se-á melhor com as pessoas à sua volta, conseguirá o que quer das pessoas num sentido puramente maquiavélico e proteger-se-á de quem pretende prejudicá-la”, realça a jornalista.

Euny Hong garante que o nunchi pode ser muito compensador num relacionamento amoroso. “Quando um casal entra numa discussão cíclica – exatamente o mesmo argumento, as mesmas palavras, mais ou menos a cada três meses –, estamos, geralmente, perante um problema de nunchi”, afirma.

Na verdade, esse comportamento significa que “um ou ambos os membros do casal não estão a dizer exatamente o que sentem, porque as discussões fazem as pessoas sentirem-se vulneráveis. Às vezes, nem eles próprios sabem o que estão a sentir”.

“Os casais têm de usar o seu nunchi para perceberem não verbalmente o que o outro está a ‘dizer’. Não podem dizer apenas ‘fala, não consigo ler a tua mente’. Isso nunca, mas nunca, resulta. Por mais irritante que seja, tem de saber ler a mente do seu parceiro/a”, mesmo no silêncio.

Da Coreia para o Mediterrâneo

Mas será fácil seguir os princípios nunchi fora da Coreia? Euny Hong não tem dúvidas de que é possível, embora haja países onde será mais fácil do que noutros. “É relativamente difícil praticar nunchi na América do Norte porque a cultura anglo-saxónica é realmente muito literal.

De acordo com a minha experiência, penso que é mais fácil seguir os princípios nunchi nas culturas mediterrânicas, porque culturalmente valoriza-se muito a comunicação não verbal, além da sabedoria herdada de como se comportar perante os outros.”

No sul da Europa, “é mais provável que se respeitem as regras formais, mesmo que seja apenas dizer bonjour ou bom dia ou buona sera a alguém antes de dizer mais alguma coisa. Isto é um comportamento nunchi e cria uma pausa na conversa que permite conectar-se com o ambiente.

Na América, é muito comum perguntar-se a um colega ‘já acabaste o teu trabalho?” Antes mesmo de dizer olá”. Uma atitude nada nunchi, já que o nunchi pretende que as pessoas se sintam sempre o mais confortáveis possível.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 234, dezembro de 2019.
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