Porque devemos ser otimistas (e viver mais o presente)
Muito vantajoso para a saúde física, mental e emocional, o otimismo não é só ver o lado positivo a vida. É ter a capacidade de ver as coisas como elas são, imaginar como seria se fossem melhores e agir em conformidade para melhorarem.
Se olharmos para o cenário atual, as incertezas são mais do que as certezas – continuamos a viver mergulhados numa pandemia que trouxe consigo uma crise económica, perda de emprego e isolamento social – mas é mesmo por isso que é fundamental olharmos para o presente (e para o futuro) com otimismo.
Afinal, na dose certa, o otimismo nunca fez mal a ninguém, bem pelo contrário (mas já lá vamos).
Antes de avançarmos, convém salientar que vamos ‘falar’ de um otimismo realista, que também implica dias e pensamentos negativos, porque a positividade tóxica pode ser tão perigosa como a negatividade.
Para nos ajudar nesta tarefa, estivemos à conversa com João Ferreira da Silva, psicólogo clínico da Psinove (psinove.pt) e com os coachs e oradores motivacionais Marie Forleo e Marc Reklau.
Os três são unânimes: ser otimista, nesta altura, é mais importante do que nunca – a nossa saúde física, mental e emocional agradece.
Otimismo = motivação
Num curto espaço de tempo, o mundo mudou e “é natural que, perante um cenário tão ameaçador, incerto e complexo, o stresse surja para muitos como resposta natural. Os estudos mais recentes, realizados no contexto da atual pandemia, referem problemas tão variados como ansiedade, depressão, perturbação de stresse pós-traumático, burnout (principalmente nos profissionais de saúde), isolamento, solidão e até problemas resultantes de excesso de tempo passado online, ou seja, uma diminuição significativa da saúde mental e bem-estar”, refere João Ferreira da Silva.
No entanto, nem todas as pessoas respondem da mesma forma e é aqui que entra o otimismo, até porque, como diz o psicólogo, “quanto mais otimista, maior o foco na resolução de problemas, maior a motivação, maior a facilidade em ajustar-se e adaptar-se a situações negativas, resultando num aumento da satisfação pessoal, afetos positivos e autoestima, ou seja, maior bem-estar”.
Ponto assente é que o otimismo não é um bicho de sete cabeças, ora atente nas palavras de Marie Forleo: “O otimismo é a capacidade de ver as coisas como elas são, imaginá-las melhor e agir para melhorá-las”. Na base desta definição está o facto, continua a também autora do bestseller Tudo Se Resolve (Nascente), “de que todos nascemos criativos e com a capacidade inata de mudar a nossa mente, as nossas ações e as nossas vidas”.
E sabe qual é o ponto fulcral? “É que o otimismo é fundamental para ter a motivação e a energia de que precisa para seguir em frente de maneira saudável, especialmente durante uma crise global”, garante Marie Forleo.
Opinião semelhante tem Marc Reklau, que assegura que “ser otimista não é estar sempre feliz, mas dar a volta quando se está numa fase negativa”.
O autor do livro 30 Dias para Mudar de Vida (Pergaminho) aconselha a olhar para outras alturas da vida e questionar-se: “Se já saí de outras crises, por que não hei de sair desta?”.
Trabalhar para o bem-estar
Para Marc Reklau, o otimismo dá trabalho. “Temos de agir e não esperar que as coisas aconteçam. Além disso, há um aspeto fundamental, não conseguimos controlar tudo o que nos acontece, mas podemos controlar a forma como reagimos às coisas e isso é ser otimista”.
Pôr os medos de lado é outro passo importante para o otimismo e o coach explica: “Muitas vezes, os medos são apenas mentiras que temos enraizadas, e aprendi que ao ter receio tenho de olhar para os factos.”
As evidências científicas não deixam margem para dúvidas: os benefícios de ser otimista são muitos.
“Talvez o principal possa resumir-se ao bem-estar. O otimista tende a valorizar as suas conquistas e a retirar maior satisfação dos diversos momentos da sua vida, sejam eles positivos ou negativos, e isso traduz-se em bem-estar”, refere João Ferreira da Silva.
Por esse motivo, adianta o psicólogo, “é natural que seja mais confiante e persistente, mesmo perante situações adversas, nas suas diferentes dimensões”.
O otimismo está correlacionado positivamente com a saúde. “No que toca à saúde mental, traduz-se em menor incidência de psicopatologia, ou seja, uma menor tendência a adoecer e, caso aconteça, verifica-se menor gravidade e recuperação mais rápida. Relativamente à saúde física, os diversos estudos referem melhor resposta do sistema imunitário, assim como diminuição de queixas somáticas. Alguns estudos sugerem ainda aumento da esperança média de vida de doentes cardíacos e oncológicos, e até diminuição da taxa de mortalidade. Para o estado de saúde geral, contribui também um maior autocuidado e uma menor incidência de comportamentos de risco e hábitos pouco saudáveis”, explica João Ferreira da Silva.
Já a nível social, também tem um impacto considerável, “resultando em relações mais satisfatórias e, ao nível académico/ profissional, parecem existir maiores índices de sucesso”, realça o psicólogo.
Resiliência e flexibilidade
Com o otimismo vêm também a resiliência e a flexibilidade e é fácil perceber essa relação. “Estando o otimismo relacionado com emoções positivas, permite uma expansão dos pensamentos e comportamentos, aumentando e fortalecendo os recursos pessoais e sociais disponíveis, resultando em benefícios adaptativos, ou seja, tornando o otimista mais resiliente e (psicologicamente) flexível”, sublinha João Ferreira da Silva.
E um otimista vive mais o presente e não pensa tanto no futuro? “Tendencialmente, sim. No entanto, talvez a questão não seja tanto onde vive, mas como vive. Um otimista analisa o futuro com base em expectativas positivas, vendo-o como promissor, algo que acarreta melhoria e que é tangível. Esta abordagem aumenta os níveis de motivação, tornando-o mais perseverante, mesmo perante grandes adversidades, ou seja, resiliente e flexível”, descreve o psicólogo.
Dias não e como se manter otimista
Como lhe dissemos no início do artigo, também há quem viva um otimismo irrealista que, de acordo com João Ferreira da Silva, “se trata de um viés que reflete o sentimento de que existe uma muito maior probabilidade de beneficiar de acontecimentos positivos, enquanto os acontecimentos negativos afetam, principalmente, os outros”.
Esta distorção, acrescenta o psicólogo, “resulta da combinação de fatores cognitivos, como informação deficiente ou pobre juízo crítico acerca das suas capacidades cognitivas; e fatores motivacionais, relacionados com uma negação defensiva enquanto proteção da sua autoestima”.
Essa visão enviesada da realidade pode “refletir-se ao nível do sucesso nas tarefas em que se envolve, dificuldades de adaptação em diversos contextos, como o profissional e social, tendência a comportamentos de risco com impacto ao nível da saúde física e mental e no bem-estar geral”.
Portanto, aquilo de que precisamos é de um otimismo realista, construído com base nas nossas capacidades e limitações, que permita uma análise dos acontecimentos e, consequentemente, encontrar uma solução que permita lidar com as situações de forma flexível, adaptando-se.
Dias maus todos temos e Marc Reklau realça que “é absolutamente normal”, e dá o seu próprio exemplo: “Até eu, que escrevo sobre felicidade e otimismo, tenho dias maus. Ser otimista e feliz não significa que nunca se está triste, mas sim que se sai desses momentos o mais rapidamente possível, porque percebemos o que nos fez sentir mal e agimos para nos sentirmos melhor”.
Marie Forleo corrobora: “Otimismo não significa que não enfrentamos os factos difíceis da vida. Não é uma alegria superficial. É sobre enfrentar a dor, a tristeza, fazer o luto e depois questionar: ‘O que vem a seguir? Quem quero ser em resposta a esta dificuldade?’ O otimismo requer inteligência, engenhosidade, coragem e trabalho árduo”.