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Conheça as suas qualidades e abrace os seus defeitos

Conheça as suas qualidades e abrace os seus defeitos

Reconhecer os nossos defeitos, aceitá-los como parte de nós e evitar as comparações são alguns dos conselhos dos especialistas para viver em harmonia com as suas características menos boas. Descubra também dicas para enfrentar as suas falhas pessoais.

Por Set. 27. 2022

Toda a alma tem uma face negra, nem eu nem tu fugimos à regra”, diz o refrão de uma célebre canção de Rui Veloso. Esta letra diz ainda: “O teu lado solar só dura um segundo, não é por ele que te quero amar” e remata com: “Mostra-me o teu lado lunar”.

Esta melodia, que nos invade a cabeça, funciona quase como um mantra, que todos devemos compreender: ninguém é perfeito, todos temos um lado mais negro, menos feliz, com defeitos e mais vale aceitá-lo como parte da nossa existência.

A nossa personalidade é um puzzle montado com características mais luminosas e outras mais escuras, que são a receita única do nosso ‘Eu’.

“No fundo, os defeitos são as características de uma pessoa às quais ela própria, ou os outros, atribuem um juízo de valor. Todos nós temos defeitos, no entanto, o que difere entre nós é a forma como lidamos com eles”, resume, a propósito, a psicóloga clínica Magda Gabriel.

Já Sara Larcher, terapeuta sistémica e integrativa e a terminar a licenciatura em Ciências Psicológicas, no ISPA, afirma igualmente que “somos duas faces da mesma moeda: somos luz e sombra, alegria e tristeza, virtudes e defeitos”.

As perigosas comparações

Um hábito muito comum é tornar patológicos aspetos que, na verdade, são apenas traços distintivos. Quantos de nós não ouvimos, enquanto crianças, os nossos pais ou educadores a rotularem-nos de teimosos ou preguiçosos?

Crescemos a acreditar que realmente temos esses ‘defeitos’ e tentamos combatê-los ou escondê-los o resto da vida, sem termos consciência de que a teimosia pode ser uma mais-valia no mundo do trabalho – a tal persistência, característica dos verdadeiros empreendedores – ou de que a preguiça não era mais do que um sinal de falta de interesse nas matérias que nada nos estimulavam na escola.

Tal como fazemos no plano físico – autocriticamos a nossa imagem –, também apontamos inúmeras falhas à nossa personalidade, e às dos outros. Quantas vezes não fazemos disso espelho e apontamos aos outros os defeitos que encontramos em nós.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer e aceitar. Só depois é que se pode pensar no que se quer melhorar e trabalhar sobre isso – Magda Gabriel, psicóloga

No fundo, apenas encontramos imperfeições porque teimamos em fazer comparações, porque acreditamos que os outros são perfeitos e buscamos essa perfeição.

Ser mais tímido, mais inseguro, mais ansioso, mais impaciente ou mais falador são aspetos distintivos da nossa personalidade e não devem ser apontados como negativos.

Reconhecer e aceitar

“Muitas vezes, as pessoas vivem numa luta constante com elas próprias porque não querem ser assim ou porque não gostam da sua forma de ser, o que lhes dá um sentimento de impotência, de que nunca vão conseguir mudar. Perante esta fragilidade, sujeitam- se ainda mais às críticas dos outros, tornando-se num círculo vicioso”, explica Magda Gabriel.

“O que poderemos fazer perante defeitos como a desorganização, a ansiedade, a dependência, a procrastinação e outros mais? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer e aceitar. Só depois é que se pode pensar no que se quer melhorar e trabalhar sobre isso”, afirma.

Claro que, entrando mais profundamente nesta questão, se calhar a inveja, o ciúme, a intolerância, o orgulho ou o pessimismo excessivo já entram na categoria de características de personalidade prejudiciais, quer nas relações pessoais, quer nas relações profissionais, necessitando de ser trabalhadas de forma mais intensa.

Tudo a que resiste persiste

“Tudo o que é nosso deve ser acolhido, abraçado, sentido. Esconder debaixo do tapete não é uma boa solução, pois ‘tudo o que a que resiste persiste’”, afirma Sara Larcher, citando Carl Jung, conceituado psicoterapeuta do início do século XX.

Para a terapeuta sistémica e integrativa, certificada em Psicologia Positiva, Mindfulness e Terapia Transgeracional, as nossas falhas são como um monstro que, quanto mais tentamos afastar, maior se torna.

O autoconhecimento é a melhor ferramenta para lidar com os nossos supostos defeitos. “É fundamental trazer à consciência quem somos. Explorarmo-nos e ouvirmo-nos”, explica.

Contudo, afirma que há partes nossas que podemos acolher e não querer partilhar com os outros. É uma escolha pessoal. “É vital tomar consciência delas, mas partilhar não é uma obrigação”, remata.

Se sentir que a ansiedade já faz parte de si há muito tempo, é preciso perceber o que está na origem e abordá-la de forma profissional – Magda Gabriel, psicóloga

Reconhecimento e aceitação

Para as duas especialistas, o reconhecimento e a aceitação são o primeiro passo para controlar estas características, seja ou não com ajuda.

“Só depois do reconhecimento e aceitação é que se pode saber o que melhorar e trabalhar sobre isso. Esse trabalho pode ser feito pela própria pessoa, através de algumas estratégias; noutras situações seria mais benéfico procurar ajuda de um especialista”, refere Magda Gabriel.

E dá alguns exemplos: uma pessoa desorganizada pode melhorar o aspeto da organização, estabelecendo algumas rotinas. Porém, se o ‘caos externo’ começar a trazer sofrimento, então, provavelmente, poderá haver um ‘caos interno’ de emoções que precisam de ser abordadas de outra forma.

“Se, por exemplo, uma pessoa relativamente calma começar a sentir-se mais ansiosa, poderá, por si, recorrer a estratégias como a respiração abdominal e a meditação. No entanto, se sentir que a ansiedade já faz parte de si há muito tempo, é preciso perceber o que está na origem e abordá-la de forma profissional”, afirma Magda Gabriel.

Sara Larcher refere que é fundamental conhecer não só os defeitos, mas, sobretudo, as nossas forças de carácter, combatendo assim a carga de negatividade presente neste autoconhecimento.

Enfrentar as falhas

Veja aqui algumas dicas dos especialistas para lidar com os seus defeitos e assim conseguir melhorar a relação consigo e com os outros.

1. O primeiro passo é o autoconhecimento: não esconda os defeitos de si própria;
2. Evite comparações com os outros e não faça espelho dos seus defeitos;
3. Aceite as suas partes menos boas. Assim, diminui o ‘tamanho do monstro’;
4. Não seja tão crítica nem tão preocupada em julgar os outros;
5. Não procure a perfeição; isso só a vai deixar mais focada nos defeitos;
6. Ao aceitar-se, quebra o círculo vicioso e atrairá mais as pessoas;
7. Temos de cuidar de nós em todas as nossas dimensões (corpo, mente e espírito).

Fonte: Magda Gabriel, psicóloga; Sara Larcher, terapeuta; Sharon Martin, psicoterapeuta.
A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 266, agosto de 2022.