Relações e família

A música violenta e misógina que os adolescentes ouvem

Todas as gerações se expressam através da música, mas o que fazer quando as letras que os jovens trauteiam são violentas, misóginas e xenófobas?

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A música violenta e misógina que os adolescentes ouvem A música violenta e misógina que os adolescentes ouvem
© Getty Images
Rita Caetano
Escrito por
Abr. 16, 2025

Una mamacita desde los fourteen/Entra a la disco y se le siente el ki/Mami, estos shots yo me los doy por ti (em português, algo como Uma boazona desde os 14/Entra na discoteca e sente-se o ki/Linda, estes tiros dou-os por ti). “You know these hoes hungry, they gon’ f**** for a name/I put her on the gang, she get f***** for a chain” (Conheces essas vadias famintas, elas vão f**** por um nome/pu-la no gangue, ela foi f***** por uma corrente, em tradução literal). “Lei la comando con un joystick/Non mi piace quando parla troppo (troppo)/Le tappo la bocca e me la f***” (Comando-a com o joystick/Não gosto quando fala muito (muito)/Tapo-lhe a boca e f*****, em português).

Estes são três excertos de canções de línguas diferentes que chegaram aos tops apesar da sua linguagem violenta e misógina. O primeiro é retirado do tema+57, resultante da parceria entre Feid, Karol G, Maluma, J Balvin, Blessd, Ryan Castro e Ovy On The Drums e faz uma clara apologia à sexualização juvenil; o segundo é o single Like That, de Future, Kendrick Lamar e Metro Boomin, que, segundo os críticos, é uma humilhação para os rivais de Lamar, Drake e J. Cole, mas também menospreza o sexo feminino sem pudor; já o terceiro é cantado pelo trapper italiano Tony Effe e é claramente sexista.

O rol de exemplos podia continuar e, se tem filhos adolescentes, é muito provável que estas e outras canções do género façam parte das suas playlists. Preocupante, sobretudo se não houver espírito crítico quando se ouvem tais letras, e não se esqueça que hoje os jovens têm acesso a tudo nos seus smartphones.

Impacto real

Sim, são apenas canções e sempre existiram letras violentas, mas músicas onde as mulheres são tratadas como objetos, as asneiras são uma constante e todo o tipo de violência, racismo e xenofobia é aplaudido têm um impacto nos ouvintes mais jovens e podem contribuir para ajudar a normalizar comportamentos inaceitáveis.

Não nos podemos esquecer que a música sempre foi um veículo de emoções e de sentimentos e um meio de transmissão de valores. “A música é uma forma de expressão e uma das principais na adolescência. Mais do que nunca vemos os adolescentes sempre de auscultadores a ouvir a sua música e, quanto mais estas tecnologias são muito portáteis e pessoais, mais serão uma forma de construir identidade, de expressar emoções e de veicular ideias. Sendo uma das estratégias mais utilizadas, a música é uma linguagem para os jovens; eles falam uns com os outros e exprimem-se através daquela e, portanto, é algo que acaba por acompanhá-los na construção da sua identidade e vai contribuir para as suas crenças, ideias, preconceitos e valores”, alerta Diana Cruz, psicóloga e terapeuta familiar.

Além de tudo isto, lembra a especialista em Psicologia, que a música é uma forma de arte, e é “suposto que seja uma forma de nos aculturar e educar. Obviamente, se nós educarmos as pessoas com maus valores e maus princípios, vai ser muito prejudicial”.

Rapazes e raparigas

Isto é tanto mais grave quando os estudos nos mostram que os rapazes adolescentes e jovens adultos parecem hoje ser mais misóginos, discriminadores e conservadores do que a geração anterior.

“No início da adolescência, por norma há muitas diferenças físicas, cognitivas e emocionais entre rapazes e raparigas; as meninas crescem mais depressa. Essa polarização gera maior distância entre ambos e, se em simultâneo, temos uma cultura em que estão a ser veiculadas ideias, por exemplo, misóginas, que passam na rádio e das quais os amigos gostam, portanto é como se essas ideias fossem aceites”, afirma Diana Cruz.

Do lado das raparigas, essas canções podem também ajudar a normalizar esses comportamentos. Essa normalização pode ser feita de duas maneiras, realça a terapeuta familiar: “Uma é acharem normal serem maltratadas num relacionamento; a outra, é o ódio a si próprias por se acharem pessoas horríveis.”

“Será que ela é do job?/Tava na França /Bebendo numa praia em Dubai/E quero saber o que cê esconde debaixo dessa marra/Quero te ver pelada/E despertar o seu lado safada/Deixar você molhada.” Estes são os versos de Ballena, do brasileiro Vulgo FK. Do job é uma expressão que nos últimos tempos ganhou outro significado no Brasil, sendo usado em canções e redes sociais para se referir a garotas de programa, normalizando a prostituição.

Pais em ação

Como é que os pais devem lidar com estas músicas é a pergunta que se impõe. Diana Cruz é perentória na resposta: “Os pais devem conhecer as músicas e não devem fazer censura”. Esta última é a regra para todas as outras coisas, “quanto mais os pais proíbem, mais os filhos querem. O fruto proibido é sempre o mais apetecido”, frisa a nossa entrevistada.

“É verdade que, para nós adultos, aquela música não nos interessa nem sequer achamos que é música, mas devemos ouvir e não fingir que não existe”, aconselha Diana Cruz, que acrescenta que “os pais devem conhecer a música que os filhos ouvem, tal como devem saber quem são os seus ídolos e influenciadores bem como as mensagens que veiculam”. Até para poderem encetar um diálogo que possa levar os jovens a pensarem nas mensagens que recebem.

Frases para encetar uma conversa sobre as letras das canções

  • “Ouvi aquela tua música, percebes do que fala?”
  • “Não gostei de ouvir aquela música e não é porque não quero que tu a ouças, é porque não estava à espera de ouvir este tipo de linguagem. Sabes o que significa?”
  • “Por que é que ouves esta música? Gostas do ritmo, gostas do cantor ou da banda ou é a mensagem que te diz algo?”
  •  “Olha, eu costumo ouvir a banda X porque é alegre ou porque fala de temas positivos, queres ouvir?”
Fonte: Diana Cruz, psicóloga e terapeuta familiar

Expandir horizontes

Diana Cruz defende também que os progenitores devem ser um veículo de expansão de experiências musicais. Isso passa por por lhes mostrarem outras músicas. Além disso, “devem orientá-los para uma maior diversidade e artística e cultural, afinal há muito mais do que música, há a leitura, o teatro, os museus. Hoje, os miúdos não ligam nenhuma ao que não está no seu telefone”, subinha a psicóloga.

“Igualmente importante é estimular o pensamento crítico e fazê-los perceber que mensagens estão a ser transmitidas e as implicações que isso tem”, explica Diana Cruz. A psicóloga acredita que uma forma de os alertar para a gravidade de algumas letras é fazer com que se ponham no lugar dos visados e verbalizem o que sentiriam se assim fosse. “Assim, estarão mais capazes de fazer o seu próprio julgamento”, sublinha a terapeuta familiar.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 298, abril de 2025.

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