Relações e família

O amor em tempos de pandemia acontece. Esta história é um exemplo

Estará a paixão em risco devido ao novo coronavírus? Especialista garante que não. A necessidade de prazer que o cérebro tem vai continuar a fazer com que as pessoas se apaixonem, apesar de todos os receios.

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O amor em tempos de pandemia acontece. Esta história é um exemplo O amor em tempos de pandemia acontece. Esta história é um exemplo
© instagram @giuliajrosa
Rita Caetano
Escrito por
Ago. 25, 2020

“Menino pede amizade a menina no Facebook e começam a conversar.” É desta forma que Beatriz (nome fictício), produtora de conteúdos, 44 anos, descreve o início da sua relação com Filipe (nome fictício), ilustrador, 46, em pleno confinamento, 15 dias depois de o Estado de Emergência nos ter mandado a todos para casa.

As mensagens escritas na rede social já citada foram a primeira forma de contacto, mas “seis dias depois começámos a falar ao telefone. A primeira conversa começou às 23h e acabou às 8h da manhã…”. Depois desta, muitas se seguiram e sempre longas.

Quando perguntámos a Beatriz o que a cativou no Filipe, a resposta não se fez esperar: “O mundo criativo que temos em comum e o processo, as dores, a busca por inspiração, que é tão difícil para a maioria entender, a forma como pensamos fora da caixa. Alguém que compreende e acompanha ao mesmo ritmo. A sensibilidade na forma como fala do que sente em relação a tudo, tão invulgar nos homens que têm sempre falta de vocabulário para estes assuntos e fogem deles como o diabo da cruz. O tom com que fala, sempre apaziguador.”

“A fotografia no Facebook só deixava conhecer um rosto pela metade, a parte física começou por ser um mistério, o que causava alguma curiosidade, mas não era importante porque de início era só alguém com quem gostava de conversar. Só que passámos a falar desde que acordávamos até irmos dormir”, acresenta.

O receio do novo coronavírus foi adiando o encontro físico, apesar de “estarmos na mesma cidade e a viver a 20 minutos um do outro, à distância de oito paragens de metro. Ninguém fez pressão. Falámos muitas vezes nisso, dizíamos ‘em circunstâncias normais isto seria diferente’…”.

No primeiro encontro, mais de dois meses depois de se terem conhecido, “não havia como não pensar no risco, toda uma ansiedade, apesar de confiar nele, senão não o faria numa altura em que não abraço a família nem os amigos. Qual distanciamento social?

A nossa capacidade de adaptação e a necessidade de procurar prazer vão fazer com que as pessoas, apesar de todos os receios, se apaixonem como sempre fizeram – Rosa Basto, hipnoterapeuta

Alguém que chega e te olha com uma máscara, a quem não podes dar um beijo e um abraço arrebatador, mas estás preocupada que deixe os sapatos na entrada, que desinfete as mãos sem tocar em nada antes, onde deixa o casaco… Acho que esta primeira vez bateu todos os inícios de histórias que já vivi”, descreve Beatriz.

E todo o encanto das conversas escritas e ao telefone não se quebrou: “Parece coisa de filme, mas um dia disse-lhe: ‘Achas que podes ter saudades de alguém com quem nunca estiveste?’ A sensação foi a de que já o conheço há muito, sem muita estranheza. É uma paz estar nos braços dele. E com tanto desejo reprimido só podia ser bom”, conclui Beatriz.

Procurar o prazer

Esta é uma história de amor em tempos de pandemia que mostra que o cupido não se deixou intimidar pela Covid-19, mesmo quando as pessoas tiveram de se fechar em casa e, agora, tenham de manter o distanciamento social de 1,5 a dois metros.

Rosa Basto, licenciada em Psicologia, hipnoterapeuta e autora do livro Comece a Viver Agora (Planeta), não tem dúvidas: “A nossa capacidade de adaptação e a necessidade de procurar prazer vão fazer com que as pessoas, apesar de todos os receios, se apaixonem como sempre fizeram. O cérebro gosta particularmente de ter prazer na vida e foge da dor, logo vai haver um regresso à vida paulatino, sobretudo se, durante o confinamento, as pessoas refletiram sobre as suas prioridades”.

Rosa Basto acredita que “quem antes já tinha medo da rejeição e se escondia atrás das redes sociais tenha ainda mais receios agora, mas os outros não. Os primeiros vão precisar de ajuda, os outros terão mais facilidade. Os seres humanos são gregários, gostam de estar juntos, precisam de afeto”.

Para confirmar o que expõe, a hipnoterapeuta lembra que Freud já dizia que temos duas grandes necessidades: “A necessidade de sermos desejados e de ser importantes. Para isso, precisamos dos outros e é isso que o cérebro procura, alguém que nos valorize, que nos deseje e que nos aprecie. Além disso, a Humanidade já ultrapassou outras pandemias e as pessoas não deixaram de amar e o mundo de prosperar. E é o que vai acontecer novamente, é preciso ter cuidado nas relações, como em tudo o que fazemos hoje, mas vamos continuar a apaixonarmo-nos”.

Quem realmente amava voltou mais forte para a relação, até porque foi fácil manter o contacto, apesar da distância física; já os relacionamentos de quem tinha dúvidas e não sentiu saudades dificilmente irão sobreviver – Rosa Basto, hipnoterapeuta

Do online para o físico

Mas terá a Covid-19 contribuído para que as relações comecem cada vez mais através de redes sociais?

“Já era um pouco assim antes da pandemia e é normal que se tenha acentuado, mas os relacionamentos não se ficam apenas pelos dispositivos tecnológicos. Para se manterem, têm de passar para o plano físico. E acho que o facto de termos estado tão afastados durante este tempo nos fez dar mais importância às coisas mais simples, ao amor, à paixão, ao estarmos juntos”, responde Rosa Basto.

E os casais que tiveram de se afastar durante o confinamento, vão sobreviver?

“Quem realmente amava voltou mais forte para a relação, até porque foi fácil manter o contacto, apesar da distância física; já os relacionamentos de quem tinha dúvidas e não sentiu saudades dificilmente irão sobreviver”, afirma Rosa Basto, olhando para o que tem assistido na sua prática clínica.

Para terminar, qual é o segredo para o sucesso dos casais, novos ou já ‘antigos’?

Num relacionamento amoroso tem de haver partilha, cedências dos dois lados e não só de um, conversas abertas e regulares, conhecer e aceitar o outro, realçar o que o outro tem de melhor em vez de criticar, elogiar, ou seja, respeitar o outro”, remata Rosa Basto.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 242, agosto de 2020.

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