© Pexels
O que precisa de saber sobre a ansiedade e depressão infantil

O que precisa de saber sobre a ansiedade e depressão infantil

Ainda que sejam inevitáveis sentimentos de tristeza e frustração em qualquer fase de vida, a ansiedade e a depressão podem ser confusas e frustrantes para os mais novos. A Saber Viver conversou com um especialista para desmistificar a ansiedade e depressão infantil.

Por Set. 24. 2022

Tal como uma mãe com os filhos, a ansiedade e a depressão andam quase sempre de mãos dadas. Estas condições estão presentes nos vários ciclos de vida e, tal como afirma João G. Pereira, psicólogo, psicoterapeuta e diretor clínico da Fundação Romão de Sousa, “sem ansiedade e sem tristeza não é possível viver”.

É necessário reconhecer sentimentos negativos para conseguir identificar a felicidade e a alegria, e as crianças não são exceção.

No entanto, isso não significa que estas não precisem de apoio e atenção, visto que os mais pequenos não sabem lidar ainda com estas emoções.

O mesmo acontece com a ansiedade e a depressão. A primeira “prepara-nos para agir e para nos defendermos, ajuda a sinalizar situações de perigo e até a sentir excitação e entusiasmo em situações ligadas ao prazer e satisfação”, afirma o psicólogo. Já a depressão prepara-nos para mudar e crescer.

Em entrevista à Saber Viver, o psicoterapeuta explica tudo sobre a ansiedade e depressão infantil, desde possíveis causas, a tratamentos e dicas para os pais.

Como a ansiedade e a depressão se manifestam nas crianças

Estas condições expressam-se de forma diferente nos mais novos.

De acordo com o psicólogo, em idade pré-escolar, por exemplo, a ansiedade e a depressão manifestam-se muitas vezes “de forma somática (dores de barriga, febre, indisposição ou, em casos mais extremos, a autoagressão)”.

Depressão

Os sinais deste transtorno são, nas crianças, contrários ao que surgem nos adultos. Segundo João G. Pereira, “a criança deprimida raramente fica apática, desmotivada ou sem vontade de fazer nada”.

Contrariamente, pode existir um aumento de energia, dificuldades de concentração e instabilidade.

Ansiedade

Já a ansiedade revela-se nos vários medos da criança. Esta pode ter dificuldades em perceber e comunicar esses mesmos medos, visto que “a autoconsciência e a consciência social vão evoluindo com a idade”, acrescenta o psicoterapeuta.

Daí surgirem sintomas como o “chichi na cama” durante a noite ou, em casos mais complexos, o “chichi diurno”, conhecido como enurese, e o “cocó nas calças”, ou encoprese.

A ansiedade e a depressão não escolhem idades, são comuns e normais desde o nascimento até à morte – João G. Pereira, psicólogo e psicoterapeuta

Dificuldades académicas

É necessário notar que as dificuldades académicas também podem surgir “se a criança chegar à idade escolar sem uma estrutura emocional bem trabalhada; a aprendizagem intelectual vai ser dificultada e por vezes até torturante, uma vez que a preocupação da criança vai ser procurar o amor”.

Pensamentos e comportamentos autodestrutivos

Embora os pensamentos autodestrutivos sejam mais comuns a partir da adolescência, podem surgir comportamentos autolesivos, ou seja, de autoagressão deliberados, ainda na infância. Morder, arranhar-se e até mesmo cabeçadas são alguns sinais.

O psicólogo confirma que nos raros casos em que este tipo de pensamentos estão presentes nos mais novos, há também “uma imaturidade cognitiva para a elaboração de um plano, o que acaba por ser um fator protetor”.

Causas de ansiedade e depressão infantil

De acordo com o psicólogo e psicoterapeuta, ainda que “a ansiedade e a depressão não escolhem idades, são comuns e normais desde o nascimento até à morte”, momentos de transição podem despoletar estes transtornos.

Situações de altas emoções, por exemplo, não necessariamente problemáticas, como o primeiro dia de escola, o divórcio, a morte de um ente querido, o nascimento de um irmão ou uma mudança de casa podem provocar sentimentos depressivos e ansiosos nas crianças.

Os sintomas destes nos mais novos giram à volta de “mudanças súbitas e extremadas de comportamento, por exemplo, uma criança que adorava ir à escola, começar de repente a mostrar grande resistência”, afirma João G. Pereira.

Experienciar situações abusivas e/ou traumáticas podem também levar a picos depressivos e de ansiedade, bem como ter um impacto significativo na saúde mental e permanecer na idade adulta.

Outros fatores a considerar

  • Constituição genética de base, nomeadamente o temperamento;
  • Possíveis doenças ou desregulações hormonais;
  • Qualidade da vinculação afetiva com os pais;
  • Relações da criança com a família alargada, amigos, escola e outras instituições.

O psicoterapeuta acrescenta que “é importante conhecer a criança, o seu mundo interno e as suas relações para perceber que fatores podem estar a contribuir para uma ansiedade ou tristeza mais extremas, bem como o sentido que têm para a vida da criança”.

Tipos de transtornos e diagnósticos

João G. Pereira destaca a importância da classificação e dos diagnósticos em crianças e afirma que estes devem ser evitados. A infância e adolescência são fases de grande mudança, e certas “situações são perfeitamente normais e regulam-se com o tempo e apoio adequados”, acrescenta.

Apenas quando o medo e o pânico afetam de forma significativa a vida da criança, tornando-se desproporcionais, deve ser procurado apoio profissional.

Em casos mais extremos pode ser necessário apoio hospitalar ou administração de medicação, porém as classificações de transtornos podem levar a rotulagens nas escolas e a tratamentos desnecessários.

“A criança tem de ter direito a deprimir-se e revoltar-se sem ter de ser sujeita a tratamentos medicamentosos ou a medidas de classificação e rotulagem nas escolas”, adiciona o psicoterapeuta.

Os pais devem ensinar as crianças a não esconder a tristeza – João G. Pereira, psicólogo e psicoterapeuta

Ansiedade na infância

  • Crianças mais pequenas – ansiedade de separação (o médico explica que este transtorno “é fruto de dinâmicas familiares perturbadas e não propriamente um problema da criança per se“), medo do escuro, monstros e insetos;
  • Crianças mais velhas – situações novas, tarefas escolares, medo da morte ou de comportamentos violentos.

Depressão infantil

João G. Pereira reforça a importância da comunicação dentro do seio familiar, em particular de sentimentos negativos.

Ainda que não seja abordada a depressão em si, os pais devem ensinar as crianças a não esconder a tristeza, tentando informá-las sobre o equilíbrio fundamental entre esta e a alegria.

Desta forma, a criança aprende a falar sobre as suas emoções mesmo antes de saber o que são estes transtornos.

Abordar (ou não) este tema com os mais novos

Segundo o psicólogo, abordar a ansiedade e depressão com crianças é por vezes despropositado, a não ser que estas tenham perguntas sobre o tema.

O especialista acredita que o importante é reconhecer as dificuldades, ensinando os mais pequenos a lidar com a tristeza ou a angústia.

Ainda que maior parte dos adultos saiba lidar com estes sentimentos nas crianças, por vezes “pais ou professores necessitam de ajuda de psicólogos para calibrarem as suas respostas”, explica.

Tratamentos

Tratamentos repressivos e medicações devem ser evitados em casos de transtornos em crianças, e o internamento deve ser sempre a última opção a considerar.

A melhor escolha é “apostar em programas de prevenção, envolvendo crianças, família e educadores”, explica João G. Pereira.

Um acompanhamento da ansiedade e depressão na infância pode evitar estas condições na fase adulta.

De acordo com o especialista, a falta de intervenção pode levar a uma “escalada de psicofármacos e intervenções descontinuadas e desconexas que culminam muitas vezes em internamentos hospitalares de ‘porta giratória'” mais tarde.

O importante é deixar a criança expandir-se, relacionar-se e brincar muito, principalmente de forma criativa e aberta.

Dicas para ajudar uma criança com depressão e ansiedade

1. Aceitar a situação e as emoções da criança;
2. Dialogar;
3. Não achar que é um problema à primeira manifestação de ansiedade ou tristeza e não tentar mudar todos os sentimentos negativos, pois estes são fundamentais na organização psíquica da criança;
4. Ouvir a criança e interessar-se pela vida da mesma;
5. Não se preocupar em demasia com o mau comportamento, já que este tem quase sempre uma função evolutiva.