Num estudo citado pelo jornal britânico The Guardian, onde investigadores norte-americanos analisaram, ao longo de 30 anos, relações de casais com e sem filhos, os resultados são conclusivos: os relacionamentos sofrem quando as crianças chegam.
Os investigadores descobriram que a taxa de declínio na satisfação do relacionamento é quase duas vezes maior nos casais com filhos. E nos casos de gravidez não planeada, o impacto negativo é ainda maior.
Entre as novas rotinas exigidas pelos filhos e as responsabilidades profissionais, o tempo para os dois é escasso. O cansaço, a rotina e o afastamento instalam-se e podem ter consequências irreversíveis. Contudo, com uma boa comunicação e algumas estratégias-chave, é possível inverter esta tendência e encontrar espaço só para os dois.
Conselhos para uma relação feliz com filhos
• Dar tempo ao casal;
• Criar momentos e oportunidades para estarem só os dois;
• Não esperar que as coisas aconteçam, mas fazer por acontecerem;
• Dialogar e compreender;
• Ser empático (colocar-se no lugar do outro) e tolerante;
• Dividir as tarefas domésticas e as responsabilidades parentais;
• Relembrar a história do casal, como tudo começou e os melhores momentos vividos a dois;
• Sonhar e fazer planos em conjunto;
Fonte: Catarina Lucas, psicóloga clínica e terapeuta de casal
O que muda depois de ter um filho
Com a chegada de um filho, são várias as alterações que ocorrem na vida do casal. Segundo Catarina Lucas, psicóloga clínica e terapeuta de casal, a principal mudança passa pela redução do tempo disponível para estar a dois, como consequência da centralização das atenções nos descendentes.
“As crianças pequenas precisam de atenção a vários níveis, desde o suprir das necessidades básicas, como a alimentação e a higiene, até às necessidades emocionais e de desenvolvimento. Este fator, aliado a todas as restantes funções e responsabilidades que já existem antes de se ser pai ou mãe, como o emprego, a gestão da casa ou a vida social, acaba por deixar pouco tempo para a vida a dois”, explica a especialista.
Nesta nova fase da vida do casal, são por isso necessários vários esforços para gerir a nova agenda, responder às necessidades do novo elemento e não esquecer de reservar no dia a dia espaço para os dois. Caso contrário, “esta rotina, mantida durante meses ou anos, acaba gradual e inconscientemente por conduzir ao afastamento, culminando, por vezes, em rutura. É comum atender casais onde é notório que nada de grave aconteceu e que o vínculo foi simplesmente enfraquecendo com tanta correria e indisponibilidade”, revela a terapeuta.
Os principais desafios
Às dificuldades inerentes a esta fase de mudança – falta de tempo, acumulação de tarefas e o foco excessivo nos filhos –, juntam-se erros comuns que os casais cometem com frequência, como consequência do cansaço e do stresse decorrentes da nova rotina. As cobranças de “falta de atenção ou de ajuda na realização das tarefas domésticas e nas responsabilidades parentais e a ausência de intimidade” são os mais frequentes.
“O casal esquece-se muitas vezes de que existe enquanto casal e que, além de pais, são também seres individuais. Com toda a azáfama do dia a dia, não surge espaço para ‘estar’ genuinamente com o outro e para alimentar o amor”, confirma Catarina Lucas, alertando para a necessidade de “criar espaços e momentos”, onde ambos possam estar realmente presentes.
“Não é num jantar a correr, enquanto pensa nas lancheiras para o dia seguinte ou na roupa que tem para lavar, que se fomenta o espírito de casal e a coesão”, exemplifica. Além destes momentos de partilha, tão ou mais importante é cuidar da intimidade, o que não se reduz apenas à sexualidade. “Há coisas que podem ser bem mais íntimas do que o sexo. Um jantar poderá ser mais íntimo”, elucida a terapeuta.
E a intimidade, como fica?
“As mudanças hormonais implicadas numa gravidez e no período pós-parto a par das próprias mudanças físicas que ocorrem no corpo da mulher e que afetam a sua autoestima, fazem com que haja uma diminuição do desejo sexual e, por consequência, um desinvestimento na vida sexual”, explica Catarina Lucas.
Paralelamente, o trabalho acrescido com os filhos é mais um fator desincentivador para a vida sexual. Na opinião da terapeuta, a atitude do casal perante todas estas alterações é fundamental para contornar esta fase e recuperar o seu espaço. “É importante entender que, nesta fase de vida e, em relações mais longas, as coisas já não surgem com a mesma espontaneidade e, se estivermos simplesmente à espera que assim seja, poderá ser um preditor de fracasso a médio prazo. É importante entender que é preciso ‘fazer acontecer’”, alerta a psicóloga.
Criar momentos para o casal é também, neste campo, essencial. “Um simples jantar a dois pode deixar o casal mais relaxado e mais próximo e, por isso, mais disponível para a sexualidade. Por vezes, isto é confundido com ‘planear e agendar uma hora para o sexo’, mas deve apenas ser entendido como criar espaço e clima para que as coisas possam eventualmente acontecer”, explica a especialista.
A sexóloga Vânia Beliz alerta para outros cuidados que considera essenciais na recuperação desta intimidade e, inclusivamente, no desejo sexual: “as mães devem partilhar as tarefas e os pais têm de ter oportunidade de ser ativos nos cuidados. Ao mesmo tempo, a mulher não deve descuidar de si, deve seguir uma boa alimentação e praticar exercício físico para manter a forma física e eliminar o stresse”.
Como reservar espaço para os dois
Pequenos truques no dia a dia podem ajudar a criar momentos de intimidade e, por vezes, é só uma questão de empenho. a terapeuta dá algumas ideias práticas: “Quando os filhos vão dormir, poderá ser uma oportunidade para estar em casal. Por vezes, também poderão pedir ajuda a familiares para cuidarem da criança, durante uma noite ou umas horas, enquanto o casal sai para jantar ou passear e, em última instância, é possível que uma babysitter possa ficar com as crianças durante algumas horas.”
A questão da privacidade também deve ser ensinada desde cedo. Vânia Beliz chama à atenção para a importância de os pais não partilharem o quarto com os filhos. “Quando a criança é muito pequena, é normal que permaneça com os pais, mas, logo que possível, esta deve ter o seu próprio espaço. Além disso, os filhos devem ser ensinados, desde cedo, que não devem entrar no quarto dos pais e, se forem educados a ir para a cama cedo, o casal ainda fica com tempo livre para estarem juntos e a sós”, sugere a sexóloga.
E as férias?
Deixar as crianças com os avós nas férias é outra estratégia que pode ajudar. De acordo com Catarina Lucas, “será benéfico para todas as partes. Alguns pais poderão sentir-se culpados por deixarem os filhos, mas é importante entender que aqueles também serão mais felizes no seio de um casal feliz”.
O marido tem também um papel importantíssimo nesta fase de adaptação. “A sua disponibilidade, quer em termos mais práticos, quer através do companheirismo, é fundamental na gestão da agenda diária. A compreensão e a valorização do companheiro são outros aspetos essenciais. É necessário reforçar a importância que ‘a outra pessoa’ tem na sua vida e valorizar o ‘projeto família'”, sublinha a terapeuta de casal.
Sente que os filhos podem distanciar um casal? Aprenda ainda a ter mais tempo para a família.