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Como é ser pai solteiro? Quatro histórias contadas na primeira pessoa

Como é ser pai solteiro? Quatro histórias contadas na primeira pessoa

A Saber Viver falou com quatro pais que partilham na primeira pessoa os desafios e as alegrias da monoparentalidade masculina.

Por Mar. 19. 2019

Pai solteiro, divorciado, viúvo, “pai-mãe”, e a lista continua. Os rótulos são muitas vezes diminutivos do papel de um pai quando a monorapentalidade exige que os homens vistam os mais diversos papéis. Não existe uma fórmula familiar perfeita e única. E datas como a do Dia do Pai relembram-nos que é importante celebrar todas as maneiras de se ser família.

Nos últimos Censos, as famílias monoparentais terão aumentado 36% entre 2001 e 2011, tendo chegado às 480 mil. Dessas, 86% são constituídas por mães e filhos.

Em 2018, segundo a Base de Dados Portugal Contemporâneo (PORDATA), são 59.552 o número de agregados familiares monoparentais masculinos. Um número que aumentou desde 2017, mas que ainda é uma minoria face às 400.762 famílias em que a mãe assume a parentalidade.

Para além da monoparentalidade ter aumentado, também a coparentalidade é cada vez mais uma realidade. Os divórcios são a principal causa e, em 2017, a taxa de divórcio foi de 64% para cada 100 casamentos.

No final de contas, a verdade é que a parentalidade é independente do estado civil ou de outras circunstâncias da vida. Quisemos saber quais os desafios que estes pais enfrentam, mas também as alegrias inerentes ao maior papel das suas vidas.

Afonso Marques, 45 anos

É pai solteiro num regime de guarda partilhada há dois anos. É pai de uma menina com quatro anos.

“Para mim tudo mudou, na medida em que estava diariamente com ela e passei estar a meio tempo. Como é pequena ainda, é um pouco confuso, mas a vida muda sempre quando temos uma relação a ‘prestações’ com a nossa filha.

Como enfermeiro de profissão, o impacto na vida da minha mãe foi também muito grande, já que toma conta da minha filha à noite, quando vou trabalhar. Contudo, a minha relação com ela é ótima porque tenho muito tempo para ela durante o dia, quando está mais ativa.

A parte emocional, para mim a mais importante, está garantida na medida em que a minha filha é a minha prioridade – Afonso Marques 

O problema de ter um filho e ser solteiro é que as pessoas acabam por se isolar e não têm disponibilidade para a vida social e para conhecer outras pessoas. O preconceito que existe é que a maioria dos casais gosta de socializar com outros casais, e os solteiros ficam um pouco de parte. O maior desafio é saber se estou à altura de proporcionar à minha filha as condições económicas para que o seu desenvolvimento seja o melhor possível. A vida em Lisboa está muito cara – renda da casa, colégio, etc…

A parte emocional, para mim a mais importante, está garantida, na medida em que a minha filha é a minha prioridade. Poder partilhar o verdadeiro amor com um ser verdadeiro e genuíno, e saber que a felicidade dela é feita em função da presença do pai.

Todos os dias sinto que a minha vida mudou para melhor. Amadureci, foquei-me no essencial e tenho um bem muito precioso que precisa da minha atenção e afeto.”

Nuno Vilaranda, 39 anos

É divorciado há 10 anos e tem a guarda exclusiva dos filhos. É pai de um menino com 13 anos e de uma menina com 10.

“Era um pai de fim de semana, um pai-visita. Para ser sincero era um pai amputado. A mudança, uma volta de 180 graus nas nossas vidas, fez de mim um pai diferente e passei a caminhar noutro sentido. É certo que o mais desejável seria que os meus filhos pudessem conviver de forma livre com o pai e a mãe, partilhar com eles todas as experiências do dia a dia, com eles chorar e com eles rir. Mas não foi assim.

Foi com muita simplicidade que abracei esta nova etapa das nossas vidas e assumi as minhas obrigações, os meus deveres enquanto pai e educador. Atualmente sinto uma enorme alegria muita paz e amor. Agora sim, sinto-me um verdadeiro pai. Porque cuido dos meus filhos e partilho com eles o meu dia a dia.

No entanto, gostava de salvaguardar que isto também só é possível pelo facto de eles saberem que a mãe está bem e por saberem que podem estar sempre com ela. No fundo, todos estamos bem porque eles, os meus filhos, são livres nos seus afetos.

Em termos profissionais, tive de optar por não progredir na minha carreira profissional e, dentro de três anos, terei de abdicar de ser promovido, uma vez que essa promoção acarreta uma enorme probabilidade de colocação fora do meu distrito.

Ser pai é mais do que uma palavra, é sentir que uma parte de nós está ali, para cuidarmos e amarmos – Nuno Vilaranda

Mas o maior desafio de ser pai solteiro é sermos rotulados de “stressados” (risos). Os meus colegas e amigos dizem-me sempre que ando a correr. Mas a vida é assim mesmo. Corro para não perder o comboio dos afetos, aqueles momentos mais importantes na vida de um pai, que é estar em todos os momentos com os filhos, querer participar em tudo com eles, dar-lhes ainda mais.

Todos os dias são desafiantes, executo todas as tarefas em casa e entendo que essas devem ser praticadas sem diferenciação, numa perspectiva de género. Sempre cozinhei e fiz as demais tarefas domésticas sem restrições, mesmo quando era casado. Nunca foram um desconforto para mim, muito menos um desafio. Aliás, o maior desafio que temos na vida é o de tentarmos ser sempre felizes.

Poder levantar-me várias vezes à noite para ir ao quarto dos meus filhos e dar-lhes mais um beijinho e confirmar se eles estão bem, saber que estão ali. Essa é, sem sombra de dúvida, a maior recompensa que poderia ter como pai.

Ser pai é mais do que uma palavra, é sentir que uma parte de nós está ali, para cuidarmos e amarmos. A continuação do nosso legado. A nossa alegria é, ou deveria ser, ver e sentir os nossos filhos com alegria e sentir que eles estão bem – felizes. Fica a dica, se assim me permitem, para todos os pais e mães deste mundo: recordem-se que só vivemos esta vida uma única vez.”

© Rui Ramos

Sérgio Matos, 41 anos

É pai solteiro há três anos, depois de se ter separado da companheira. Vive sozinho com o filho de quatro anos e a filha de oito.

“A relação com os meus filhos mudou muito desde que me tornei pai solteiro. Quando antes as responsabilidades eram divididas pelo casal, de repente vi-me (com muito gosto e satisfação) com duas crianças a tempo inteiro. Não foi uma adaptação fácil mas também não foi nenhum drama.

O meu tempo deixou de ser meu e passou a ser das crianças. Adaptei-me facilmente e, rapidamente, o tempo delas passou a ser também o ‘meu’ tempo. Em vez de ir fazer desporto, jantar com amigos ou passar um fim de semana fora, passei a dar banhos, contar e ler histórias ao deitar, a ir a parques e fazer atividades próprias das crianças. Dei tudo o que sei/soube dar para lhes proporcionar todo o amor e cuidados que precisam. E, modéstia à parte, não tenho dúvidas que tenho estado a fazer um bom trabalho.

Também a vida profissional foi afetada. Viajava (e gostava de viajar) bastante em trabalho e, de repente, isso teve de acabar. Também os horários de trabalho tiverem de ser revistos. Tenho uma enorme gratidão pela flexibilidade que a empresa mostrou e no apoio que me deu. Claro que também me sai ‘do pelo’, como se costuma dizer, pois compenso horários mais flexíveis com trabalho à noite, em casa, com impacto direto nas horas de sono e descanso… Eu, que nunca tinha tomado um café na vida, passei a tomar café todos os dias há cerca de dois anos.

Ouvir as crianças dizerem ‘gosto muito de ti, papá’ ou ‘és o melhor pai do mundo’ não tem preço – Sérgio Matos

Aos poucos, e com o apoio da família e dos amigos, organizo melhor a minha vida e consigo retomar algumas dessas atividades. Comecei a usar os serviços de babysitting há cerca de quatro meses, uma vez por semana, para poder ter algumas (3 ou 4) horas à noite, um dia por semana.

Confesso que há momentos mais complicados – alguma birra ou dificuldade. Aí a solidão aparece e o facto de não ter ninguém disponível para falar no momento ou para partilhar as dificuldades, torna-se mais complicado. Mas nada que não se resolva com calma e paciência.

Nunca senti qualquer espécie de preconceito negativo, mas, para ser sincero, também nunca liguei ou me preocupei com isso. Se há pessoas com preconceito, paciência! Pelo contrário, sinto que há alguma admiração e carinho pelo papel que tenho tido. Sinto-o junto dos amigos, da família e dos pais dos colegas da escola das crianças. Talvez seja uma forma de preconceito, mas com uma conotação positiva.

Há muitas recompensas: ouvir as crianças dizerem ‘gosto muito de ti, papá’ ou ‘és o melhor pai do mundo’ não tem preço!  Chegarem a casa com ‘Muito Bom’ em todas as disciplinas ou contarem-me as suas conquistas e sucessos; vê-las evoluir na natação, nas outras atividades e ultrapassarem os seus receios ou até mesmo quando me acordam e me chamam a meio da noite. Sentir que são crianças equilibradas, a ganhar a sua autonomia, e saber que não há dramas quando transitam do pai para a mãe e vice-versa, nas visitas de fim de semana. Ver as crianças no dia a dia dá-me uma enorme satisfação de estar a fazer bem as coisas.”

João Pedro, 34 anos

Tem há dois a guarda total da filha, de sete, depois de se ter separado da companheira.

“Ser pai tornou-me mais humano e feliz. Mais independente, por incrível que pareça. Ver a minha filha a crescer e a tornar-se numa pessoa linda todos os dias é uma dádiva.

As noites em branco ou o peso da responsabilidade tornam-se pequenos detalhes quando comparado com seu sorriso de manhã, ao dizer: ‘bom dia, papá!’. Fico grato por ter a Margarida na minha vida e peço todos os dias humildade e força suficiente para a poder educar e dar-lhe as ferramentas que precisa para enfrentar o mundo com muito amor e carinho.

Deparo-me diariamente com situações desagradáveis, desde a mais simples tarefa, como levar a minha filha a um WC público. Ou quando sou julgado por ser homem e supostamente não ser capaz de cuidar de uma criança/bebé. Cuido da minha filha desde que nasceu, prestando todos os cuidados necessários, desde a higiene pessoal à sua saúde.

Sou homem, sou pai e sou capaz, porque o que faço é para o bem de um ser bem maior do que eu – João Pedro

Os preconceitos existem todos os dias. Por exemplo, num restaurante, pergunta uma colaboradora após conversa com a minha filha: ‘este é o seu fim de semana? Só diversão com a filha e depois quem cuida e leva a menina à escola todos os dias é a mãe, coitada!’. Pois, é precisamente ao contrário! Fazer check-in num hotel com a minha filha é ter a certeza de que todas as pessoas vão olhar de lado. Aprendi a lidar com essas situações com um sorriso no rosto.

A sensação de gratificação por cuidar da Margarida é cada vez maio e aceito apenas a fragilidade e facilidade do julgamento humano. Já não me faz diferença, nem a ela. Todos os encargos inerentes à minha filha são suportados por mim, e isso não me fez mais pobre, fez-me mais organizado e, consequentemente, mais eficaz nas escolhas que faço diariamente.

Ser pai solteiro requer uma ‘ginástica’ mental enorme e uma assertividade gigantesca. Ditar um caminho e seguir sozinho requer força. Nem todos os dias somos o super-herói dos filhos, e não podemos passar a responsabilidade a terceiros, temos que ser maiores que nós próprios. Ter mais um bocadinho de força porque simplesmente não podemos passar a filha para o colo do outro progenitor, seja nas horas boas, ou más. Aí temos de ‘olhar’ e ‘ver’. Sou homem, sou pai e sou capaz, porque o que faço é para o bem de um ser bem maior do que eu! E merece todo o meu respeito, cuidado e carinho.”

O nome dos quatro pais foram alterados para proteção da identidade dos mesmos. 


Depois de ler estes testemunhos sobre monoparentalidade, descubra a resposta à pergunta “o que é ser pai no século XXI?”.