Vamos falar sobre sexualidade com os miúdos (e chamar as coisas pelos nomes)?
Há uma altura em que as crianças têm de deixar de acreditar que os bebés são trazidos pelas cegonhas ou que nascem das sementinhas, e devem conhecer o nome verdadeiro do pipi. Mas como explicar-lhes tudo isto e falar sobre sexualidade?
“O maior obstáculo à educação sexual começa no significado que damos à palavra ‘sexualidade’”. Quem o diz é Vânia Beliz, a autora do livro que nos explica e aconselha sobre como devemos falar com os nossos filhos acerca de um tema não tão fácil de abordar para os pais: a sexualidade.
Vânia Beliz é licenciada em Psicologia Clínica e da Saúde, mestre em Sexologia e doutorada em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil. Depois de Ponto Quê? e A Viagem de Peludim, o novo livro Chamar as Coisas pelos Nomes – Como e quando falar sobre sexualidade vem responder às questões que se colocam na idade dos porquês.
Para a autora, é primordial chamar as coisas pelos nomes, porque a sexualidade é importante e deve ser discutida abertamente. Na teoria, parece fácil. O pior é quando chega a hora da verdade (neste caso, da pergunta) e não sabemos bem como reagir.
Antes de falar sobre sexualidade com os filhos, siga estes 4 passos
Com alguns exemplos, Vânia Beliz explica, nesta obra, os quatro passos a seguir para falar sobre sexualidade e responder às perguntas “difíceis”, independentemente da dúvida que nos for colocada.
1. Normalize e valide a pergunta
Porque estás a fazer, hoje, esta pergunta? Esta questão deve ser feita de forma descontraída, porque o objetivo é que a criança lhe explique e informe do contexto em que a pergunta surgiu.
Exemplo:
Criança com 4 anos: De onde é que saem os bebés?
Pai/Mãe: Porque estás a fazer, hoje, esta pergunta?
Criança: Porque a Matilde vai ter um mano e disse-me que o bebé vai sair pelo pipi da mãe dela.
2. Verifique o conhecimento da criança
A resposta da criança irá guiar a conversa na direção da resposta adequada, e irá perceber o que ela sabe e o que pensa sobre o assunto.
Exemplo:
Pai/Mãe: Que bom que a Matilde vai ter um irmãozinho! E como é que tu achas que ele vai nascer?
Criança: Da barriga, o médico ajuda!
3. Adeqúe a resposta ao que a criança sabe e deseja saber
Na hora de responder, a explicação deve ir ao encontro do conhecimento da criança, desmistificando alguma ideia errada, corrigindo-a, mas sempre de acordo com a sua compreensão.
Exemplo:
Pai/Mãe: A Matilde está certa, os bebés podem nascer pelo buraquinho pequenino que se chama vagina/pipi! E, no momento em que o bebé precisa de nascer, aumenta para o bebé passar. Se não conseguir sair, nasce pela barriga.
4. Certifique-se de que a criança percebeu a resposta
Ao pedir à criança para retornar a sua explicação, irá verificar se ela compreendeu ou se precisa de complementar ou melhorar.
Exemplo:
Pai/Mãe: Percebeste como aconteceu? Queres explicar ao pai/mãe como é?
Criança: Sim, pode sair do pipi e se não conseguir, sai pela barriga.
Pai/Mãe: Lembras-te do nome do pipi?
Se a criança ficar esclarecida, não insistirá nas perguntas. Com o tempo, poderá querer saber mais pormenores e voltar a fazer perguntas. Uma criança que faz muitas perguntas é curiosa e interessada, abrindo espaço para o diálogo, por isso, aproveite cada oportunidade para falar com ela.
“Falar de sexualidade também é falar de entidade, de relacionamentos, de emoções, de igualdade e não apenas de práticas sexuais, consequências e riscos.”- Vânia Beliz, sexóloga
Também nós perguntámos. E Vânia Beliz respondeu
Antes de respondermos às questões dos nossos filhos, fizemos algumas perguntas à autora do livro para perceber os tabus, dúvidas e principais dificuldades na educação sexual hoje em dia.
A sexualidade ainda é um tabu?
Falar e discutir sobre sexualidade, ainda é. Achamos que os mais novos não têm sexualidade assim como os mais velhos, e continuamos a confundir sexualidade com sexo. Construímos a nossa sexualidade desde que nascemos e é importante que eduquemos e sensibilizemos para o bem-estar e saúde sexual. Falar de sexualidade também é falar de entidade, de relacionamentos, de emoções, de igualdade e não apenas de práticas sexuais, consequências e riscos.
Quando é que se deve começar a falar de sexualidade?
Nós comunicamos desde muito cedo mesmo que não nos sentemos a ter “a tal conversa”, todos os nossos comportamentos comunicam mesmo que não nos apercebamos. A criança irá desde cedo compreender as questões de género pela forma como as figuras masculina e feminina se comportam, com o que lhes é oferecido para brincar, como o cuidam, pela forma como a família interage com os outros, pela forma como se relacionam, se são afetuosos, se são distantes, se se respeitam… Depois quando surgem as primeiras questões diretas, normalmente sobre a curiosidade do seu corpo e o dos outros, as famílias devem estar prontas para falar sem medo, de forma objetiva. Sem metáforas, chamando as coisas pelos nomes.
O que é que os pais têm mais dificuldade em explicar?
Existem muitas dificuldades começando pelo corpo, as famílias continuam a chamar pilinha e pipi, por exemplo, aos genitais, como se dizer pénis e vulva não fossem os nomes certos da nossa genitália. Têm dificuldade em falar sobre as mudanças na puberdade, principalmente nas meninas, falar sobre menstruação, abordar a primeira vez, compreender as diferentes questões de orientação sexual… É raro o tema que não suscite rostos corados e gargalhadas. No entanto, perante determinadas situações, muitos sentem-se perdidos sem saber o que fazer.
Quais as dúvidas mais comuns dos miúdos em relação à sexualidade?
Os mais novos abordam questões relacionadas com a descoberta e a curiosidade normal desta fase. Querem saber porque são diferentes dos outros, porque existem diferenças entre eles e os adultos (“por que é que o teu é grande e o meu é pequenino?”, “porque tens pelos?”, “onde está o teu pipi?”), de onde vieram, como nasceram.
Na puberdade surgem muitas questões relacionadas com as mudanças do corpo (“por que é que me doem as maminhas?”, “que líquido é este que sai do meu pénis?”, “o que é o período?”) e a atração pelos pares. Na adolescência, as primeiras relações sexuais (“a primeira vez dói?”, “a minha mãe vai saber se acontecer?”, “o que é o orgasmo?”), com os jovens a querem saber mais sobre contraceção (mais elas) e desempenho (mais eles).
Como avalia a educação sexual nas escolas?
Existe pouco espaço na escola para tratar a questão da educação sexual formal, apesar de a lei o prever no âmbito da educação para a saúde, entre outros eixos. A sexualidade fica muitas vezes em segundo plano. Neste momento, a disciplina da cidadania também lança o desafio de se abordarem alguns temas da sexualidade, conjuntamente com outras áreas importantes, como a igualdade de género, a multiculturalidade e a diversidade.
É importante que exista mais formação nas escolas e que a educação sexual deixe de estar confinada aos professores de biologia ou das ciências, porque educar para a sexualidade é transversal e cabe a todos e todas.
O que é que a internet veio mudar, para o bem e para o mal?
A internet é um desafio porque é importante que se faça uma correta gestão da sua utilização. Veio facilitar contatos e promover o conhecimento rápido de outras realidades. No entanto, os jovens, têm de ver a sua utilização mediada, porque muitas vezes iludem-se que à distância de um click, há a promessa de resposta para tudo.
O consumo de pornografia, por exemplo, faz com que os mais novos tenham um contato irrealista com o que é a prática sexual segura e gratificante, principalmente se nunca ninguém lhes tiver falado disso. Também surgem com frequência queixas de abuso e situações como o sexting que podem ser muito prejudiciais. Este é um dos temas que preocupam os pais e que incluí no meu livro, com indicação de alguns projetos que poderão ajudar as famílias a abordar este tema sensível, como é o caso do projeto português miúdossegurosna.net.
Vai seguir estes conselhos para falar sobre sexualidade com os seus filhos? Descubra ainda em que medida os Millenials são uma geração mais assexual.