Relações e família

Crónica. Como ultrapassar a dor de uma separação ou divórcio?

Uma das emoções mais difíceis para o ser humano passa pelo medo do abandono ou da perda de quem amamos profundamente. Quando se concretiza, a dor emocional resultante poderá ser sentida de forma verdadeiramente insuportável e irrecuperável.

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Crónica. Como ultrapassar a dor de uma separação ou divórcio? Crónica. Como ultrapassar a dor de uma separação ou divórcio?
© pexels
Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Ago. 21, 2023

Quando nos deparamos, na nossa vida, com a desconexão e perda face às nossas ligações emocionais mais íntimas, o sentimento de ameaça e perigo são tão intensos e dilacerantes que o nosso cérebro interpreta esta situação como se de uma dor física se tratasse.

Assim, a dor de desconexão, a dor da perda de quem amamos profundamente e que escolheu, em liberdade e consciência, seguir um caminho diferente, parece ativar os mesmos circuitos neuronais que nos fazem sentir dor física, como um corte profundo em nós e que nos enche de dor, desespero e angustia.

Seja qual for o motivo da separação, este é um momento que representa uma das experiências humanas mais stressantes e avassaladoras possíveis de acontecer na nossa vida, em que tudo o que conhecíamos e existia fica num lugar de interrupção, virado do avesso.

A separação ou divórcio representa a morte daquela relação. Representa a morte daquele amor, daquele vínculo, dos sonhos, dos compromissos, dos projetos partilhados.

No caso de um divórcio em famílias com filhos, representa a necessidade da existência de uma reorganização da família, de uma nova adaptação na forma de viver e existir em família.

Uma separação ou divórcio, representa também de alguma forma, um peso enormíssimo na identidade da pessoa que somos até ali, deparando-nos com um enormíssimo sentimento de falha, incompreensão, culpa e por vezes vergonha.

Por vezes, pode surgir de uma maneira inesperada, representando um tremendo choque. Outras vezes, o divórcio vai acontecendo devagarinho entre o casal, no afastamento dos dias, nos toques menos sentidos, nos beijos fugidios, dos dias, das semanas, dos meses e por vezes dos anos.

Um amor duradouro necessita de duas pessoas que escolhem e decidem continuar a amar. Com ações diárias nesse sentido.
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Ainda assim, significa sempre um momento desafiante, vivido com deceção e pesar. Pelo que fica por ali. Pelo que acaba e que um dia tanto se esperou.

É claro que uma separação ou divórcio, podem também representar um momento de alívio e esperança, nomeadamente quando nos referimos a relações que feriam mais do que amparavam.

Por significar e representar o fim de um vínculo, exige que sejamos capazes de vivenciar e concretizar o luto da relação e portanto um processo que poderá ser difícil e demorado.

Um divórcio não é uma falha

O amor é uma casa segura, com luz e decorada com alegria, com alma, com sorrisos. Uma casa mobilada onde cada um dos elementos se senta na sua cadeira e partilha a vida, o corpo, as emoções, os sonhos.

Ao longo de mais ou menos tempo, naquelas cadeiras, sentaram-se duas pessoas que se deram e certamente muito construíram e cresceram – o casamento pode ser um lugar de enormíssima possibilidade de crescimento.

O casamento ou a relação expõe-nos às nossas partes que necessitam de serem trabalhadas. Poderá expor o nosso egoísmo, a nossa imaturidade, desafiando-nos a amadurecer e evoluir.

Um amor duradouro necessita de duas pessoas que escolhem e decidem continuar a amar. Com ações diárias nesse sentido.

Um casamento ou relação que chega ao fim, não representa, por isso mesmo, uma falha.
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Continuar a amar exige muito trabalho e consciência para o casal se concentrar na relação com responsabilidade pessoal e relacional.

Contudo, por vezes, as pessoas vão crescendo fora da relação, não sendo esta já o lugar onde sentem que continuam a prosperar ou transformando-se de tal forma que deixam de sentir cada encontro como um reencontro, mas sim como um desencontro, com enormíssimo afastamento e ausência de identificação.

Aqueles elementos cresceram fora da identidade conjugal que usufruíam outrora. Um casamento ou relação que chega ao fim, não representa, por isso mesmo, uma falha.

Representa um processo de metamorfose, de transformação, de aprendizagens. Mesmo que a aprendizagem consista em não estar mais ali naquela relação e seguir em frente.

O luto é uma cadeira vazia

Quando um dos elementos decide seguir em frente, decide quebrar o vínculo. Decide sair da cadeira onde se sentava e tudo partilhava.

O luto da relação consistirá em lidar com a cadeira que fica agora vazia. Uma cadeira vazia onde durante tanto tempo aquela pessoa tão especial ali se sentou não significa que se torne emocionalmente vazia de forma imediata.

Exigirá tempo. Exigirá o tempo de olharmos de frente as emoções difíceis que a perda de uma pessoa que amamos contemplará sempre.

Exigirá sentir e estar com a raiva, zanga, protesto, incompreensão, desilusão ou tristeza até progressivamente nos sentirmos mais confortáveis e em aceitação com aquela cadeira vazia.

Permitir sentir a tristeza

O luto representa assim um processo de desvinculação. Não acontecerá de uma forma rápida. Não nos desvinculamos de alguém que amamos com pressa. É um processo que poderá ir acontecendo lentamente.

Não desvinculamos de alguém sem sentir a dor. É precisamente a dor e a tristeza (que são temporárias) que assinalarão a nossa necessidade de recolhimento e de sermos acolhidos por quem gostamos.

Assinalam a necessidade de trazermos atenção e colo até nós, até ao nosso desamparo. A tristeza é um sentimento momentâneo decorrente da experiência de perda da pessoa que amamos, e portanto saudável e adaptativo.

Procurar elaborar e compreender os nossos sentimentos, permite-nos aumentar o conhecimento e compaixão que temos diante destes.
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

A tristeza – e olharmo-la nos olhos – permite conduzir-nos à elaboração da perda e respetiva aceitação e paz. Permite-nos chegar ao processo de crescimento emocional, ao outro lado do túnel onde devagarinho vamos vendo alguma luz.

Quando não nos permitimos ver, sentir e elaborar a tristeza, porque dói senti-la no peito, quando a procuramos fintar e enterrar debaixo do tapete, vai continuando a arrastar-se e a fazer-se sentir presente no tempo.

Assim, surgirão sentimentos de apatia, desesperança, indiferença, falta de perspetivas, sentido ou prazer pela vida, iniciando assim um quadro de depressão.

Por isso mesmo, poderá ser extremamente importante que se possa procurar ajuda de psicoterapia quando vivenciamos um processo de separação ou divórcio.

Como superar a uma dor tão grande?

Procurar elaborar e compreender os nossos sentimentos, permite-nos aumentar o conhecimento e compaixão que temos diante destes, ajudando-nos a encontrar estratégias saudáveis de lidar com o que estamos a viver e a sentir.

Neste sentido, poderá, a partir daqui, iniciar-se um caminho pessoal onde poderá ser importante:

Aprender e permitir-se conectar com os seus sentimentos

As nossas emoções não estão apenas ligadas com o que estamos a experienciar no momento presente, mas também ao significado que a experiência assume em nós, por aquilo que fomos, somos e por tudo o que gostaríamos de ser.

Está tudo bem sentirmo-nos tristes com o que estamos a viver. Não está tudo bem com a tristeza construir uma morada em nós para ficar para sempre.

Que nos permitamos sentir e estar com o que vamos sentindo.

Elaboração e autoconhecimento

Quando nos permitimos sentir, permitimos conhecermo-nos melhor, ampliar a visão de nós mesmos sob todos os ângulos, potenciando desta forma a nossa inteligência emocional.

Ganhamos perspetiva do que nos faz mal e do que nos faz bem, do que nos acrescenta e do que nos destrói e por onde podemos potencialmente ir construindo novo caminho interno.

Tenha-se em consideração

Quando nos permitimos sentar com a tristeza, conseguimos observar igualmente a nossa narrativa interna, por vezes plena em negatividade, pessimismo e catastrofização

Os nossos pensamentos, crenças, valores, preconceitos ou juízos de valor poderão ser destrutivos da nossa perceção pessoal e, concomitantemente, da nossa valorização pessoal.

Aprenda a ter-se em conta, em observar-se construtivamente, em ver através de uma nova lente de possibilidade, compaixão e aceitação.

Cuide de si

Porque somos um todo, é tão importante e, mais do que nunca, num momento tão difícil da vida, que cuidemos de nós: mente e corpo.

Quando permitimos olhar e cuidar de nós, através do exercício físico, de uma alimentação cuidada, esta poderá ser também ser uma forma de promover um maior relaxamento e equilíbrio, trazendo-o de novo para um maior lugar de paz.

Cuide e viva as suas relações pessoais

Rodearmo-nos de amor de quem nos é especial (como família e amigos) poderá ser importantíssimo para nos mantermos ligados a nós e à esperança de que a nossa vida, em breve, terá momentos melhores ou que nem tudo se resume apenas a este acontecimento de vida.

A qualidade das nossas relações – de todas elas – determina a qualidade da nossa vida. O nosso bem estar. A nossa resiliência e coping perante os maiores desafios.

Permite-nos muitas vezes manter-nos com os pés no chão a continuar a caminhar passo a passo. As nossas conexões são vitais para a nossa saúde e bem estar.

Faça terapia

Por vezes, poderá ser deveras importante pedir ajuda e fazer terapia. Permitirá ganhar mais competências emocionais, ser mais empático, autocompassivo e gentil consigo mesmo, além de ajudar a reganhar uma nova perspetiva e seguir em frente rumo a novas possibilidades.

A terapia permite ainda elaborar e melhor compreender a relação, separação e dor emocional como necessária mas temporária, de modo a permitir uma total aceitação da separação e reiniciar o caminho com maior crescimento e maturidade emocional.

O final de uma relação, uma separação ou divórcio implicará um processo de reconstrução, uma metamorfose que permitirá refletir sobre pontos importantíssimos para o caminho futuro.

São eles a escolha de um parceiro, sobre a relação que quer construir, os valores e princípios que quer e necessita ver presentes numa relação, a forma de trabalhar a relação, como se quer amar e permitir-se decidir amar (e ser amado) melhor.

A forma como amamos e fomos amados permanecerá para sempre no nosso template relacional, como se de uma impressão digital se tratasse.

Torna-se numa memória que permanecerá em nós e no nosso corpo para sempre, tendo de ser incluída, aceite, honrada e despedida com o carinho e com a responsabilidade pessoal que se abraça, mediante o enorme espelho e transformação que uma relação sempre nos proporcionará.

Por outro lado, talvez, a nossa condição humana consista em compreender o processo natural da vida e que, ao longo desta, nos iremos deparar com inúmeras perdas.

A morte de quem amamos, o fim de relações de amizade, o término de relações amorosas ou de casamento, a perda do que um dia fomos e do que esperávamos ser, projetos, empregos… Deixar o outro ir, para nos permitirmos perder, seguir e, de novo ,encontrarmo-nos numa nova identidade, num novo Eu mais forte e sábio.

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