“Atrasar ao máximo a idade de introdução das tecnologias”. Este é o conselho que Catherine L’Ecuyer, investigadora doutorada em Educação e Psicologia, dá quando a questionamos sobre o que os pais devem fazer para acompanhar os filhos no mundo digital.
“A melhor preparação para o mundo online é o mundo offline”, continua a também autora do livro Educar na Curiosidade, editado em Portugal pela Planeta.
Catherine L’Ecuyer não acredita “nos filtros e no controlo”. Pensa que se deve esperar ao máximo para lhes dar esses dispositivos e que isso só deve acontecer quando estiverem preparados. “Os filtros falham. O melhor e único filtro é a maturidade do usuário e a relação de confiança entre pais e filhos”, realça a especialista em Educação.
Será crescida o suficiente?
“Uma criança sabe o que é a intimidade e é capaz de guardar um segredo se aprendeu esse conhecimento no mundo real. Dar-lhe um dispositivo com acesso às redes sociais com 12 anos ou menos, além de ser contra a norma, não é a melhor forma de desenvolver o seu sentido de intimidade. Nas redes, não há intimidade”.
A nossa entrevistada lembra que, antes de entrar no mundo digital, “a criança tem de ter desenvolvido uma série de qualidades como, por exemplo, moderação, força ou capacidade de inibir estímulos externos. Dar-lhe um dispositivo antes de consolidar essas qualidades é como dizer a uma criança pequena para beber de uma boca de incêndio sem se molhar. Impossível”.
Recomendam que as crianças não sejam expostas a nenhum ecrã antes dos dois anos e que só o sejam menos de uma hora por dia, dos dois aos cinco anos.
A partir de que idade se deve falar dos perigos da Internet? Catherine L’Ecuyer diz que deve ser antes de dar acesso à mesma.
“É útil explicar-lhes que é um lugar onde há informações descontextualizadas e que isso não é sinónimo de conhecimento. Convém também explicar-lhes que qualquer pessoa pode publicar informação e que não é fácil reconhecer o que é falso e o que é verdadeiro, e que precisam de pensar antes de se exporem a esse mundo“.
“É favorável ainda alertá-las para o facto de os dispositivos e plataformas tecnológicas serem projetados para viciarem. As empresas de tecnologia não estão neste negócio para fornecer conteúdo aos usuários, mas sim para vender a atenção dos seus utilizadores aos que patrocinam o seu conteúdo”, refere.
Portanto, se o seu filho “não tem idade para entender todas essas explicações, é um indicador de que também não tem idade para navegar na Internet”, sublinha a especialista em Educação.
Riscos para o cérebro
Se os seus filhos já passam muito tempo online, há que fazer um retrocesso.
“Melhor do que desconectá-los, seria não os conectar. A Academia Americana de Pediatria e a Associação Pediátrica Canadiana dizem claramente que nenhum estudo apoia a introdução de tecnologia na infância”.
“Recomendam que as crianças não sejam expostas a nenhum ecrã antes dos dois anos e que só o sejam menos de uma hora por dia, dos dois aos cinco anos”, refere Catherine L’Ecuyer. Estas, como diz, nem são recomendações educativas, mas de saúde pública, para a saúde neurológica.
“Se os nossos filhos tiverem um consumo acima dessas recomendações, deve retirá-los. Possivelmente, terá de lidar com birras, mas isso não é nada comparado com o estrago que os ecrãs fazem a uma mente imatura: redução do vocabulário, desatenção, impulsividade, perda de oportunidade de aprendizagem, etc.”, esclarece.
No mundo digital, tudo acontece a um ritmo frenético. É importante que os mais pequenos percebam que o mundo real não é assim.
Para isso, diz a nossa entrevistada, “é importante que as crianças não tenham tudo o que desejam no momento. É positivo que haja uma lista de desejos não realizados e que saibam aceitar um ‘não'”.
Já parou para pensar que “a maneira mais rápida e eficaz de matar o deslumbre é dar tudo à criança, até antes dela o desejar”, questiona Catherine L’Ecuyer.
“O encanto está em não dar nada como garantido. Quando a criança tem tudo antes de o desejar, dá tudo por certo e vai pensar que o mundo tem de ser como ela quer”.
Matar a curiosidade
Nunca esquecer que a criança tem “dentro de si o motor do conhecimento: o espanto. Por natureza, desejam conhecer, como disse Aristóteles”, sublinha a investigadora.
Contudo, continua, é importante perceber que, “quando a criança está superstimulada (ou porque tem muitas tarefas ou está rodeada de ruídos, imagens e está ao reboque de ecrãs), não é ela quem consome a informação; é a informação que consome a sua atenção“.
“Isso faz com que se torne passiva e deixa de se interessar pela realidade. Está desmotivada. E, quando recorremos ao arsenal tecnológico pensando que é a solução, aprofundamos o círculo vicioso. A solução é diminuir o nível de barulho e frenesim“.
Catherine L’Ecuyer chama a atenção para o facto de as crianças de hoje parecerem pequenos executivos stressados.
“É importante que as crianças fiquem entediadas. Ficar aborrecido, disse Tolstoi, é ‘desejar querer’. O tédio é o preâmbulo da criatividade, da reflexão interior. Quando uma criança é constantemente estimulada a partir do exterior, fica entorpecida, habitua-se à superstimulação, e o seu interesse em aprender adormece“, conclui a nossa entrevistada.
Perigo à vista
Mas não são só os filhos que precisam de um guião de boas práticas, o mesmo acontece com os pais.
Um novo estudo da Associação Europeia de Pediatras, publicado no Journal of Peditrics, dá-nos até um número: todos os anos, em média, os progenitores partilham 300 fotos dos filhos, maioritariamente no Facebook (54 por cento), no Instagram (16 por cento) e no Twitter (12 por cento).
Os riscos são variados: desde o roubo da identidade, passando pela pedopornografia e pela pedofilia, até ao embaraço dos filhos quando crescerem.
“As crianças de hoje não estão em condições de dar o seu consentimento para estar ou não nas redes. Os pais decidem por eles. Veremos os adultos de amanhã processarem seus pais quando perceberem que não havia necessidade de os exporem e que as suas imagens são indestrutíveis”.
“Muitos pais partilham essas fotos em pleno conflito de interesses. Fazem-no para chamar a atenção, exibindo os filhos e, às vezes, até para vender produtos“.
“Acho que há uma questão ética subjacente que é séria. A privacidade não é uma questão obsoleta como sugeriu Zuckerberg; é o espaço mais íntimo a partir do qual nossa identidade pessoal é gerada. É fútil defender o contrário”, diz a investigadora Catherine L’Ecuyer.