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Crónica. Como explicar aos miúdos o que é a Covid-19

Crónica. Como explicar aos miúdos o que é a Covid-19

Devemos ou não contar a verdade às crianças? Quais os fatores a ter em conta quando lhes falamos sobre o que vivemos? Como explicar? A psicóloga Catarina Canelas Martins oferece algumas respostas a estas questões, num guia para pais e famílias.

Por Mar. 26. 2020

Este é um momento atípico e de desafio para todos, nomeadamente para as famílias. Existem alguns fatores a ter em conta quando falamos com as crianças sobre o que está a acontecer, para que também elas possam colaborar e encontrar nos seus cuidadores um porto seguro.

Como explicar aos mais pequenos o que se está a passar?

1. Podemos iniciar esta conversa perguntando o que a criança já sabe sobre o vírus que tanto se fala agora, aproveitando para desmistificar as questões que muitas delas já têm e apresentar factos.

Devemos ter o cuidado de explicar de uma forma adequada à idade da criança, utilizando palavras compreensíveis e reduzindo o acesso à informação de noticiários passível de gerar preocupação e/ou confusão.

Neste momento, é fundamental que a criança encontre no adulto um porto de abrigo, em quem pode confiar e depositar os seus medos, ansiedades e frustrações.

2. Explicar porque é que os adultos estão preocupados. As crianças aperceber-se-ão de um maior nível de stresse, cansaço, ansiedade, que os adultos poderão expressar nesta fase e que é natural.

É fundamental que a criança perceba que essas emoções são normais e o porquê desta preocupação, abrindo espaço à expressão da própria criança que também vê a sua vida completamente alterada, aniversários desmarcados, afastamento dos seus amigos e alguns familiares.

Pode utilizar atividades artísticas (como pintar, dançar) ou a conversa, para incentivar essa expressão.

3. O empoderamento é também uma ferramenta ótima nesta fase. Todos nós somos importantes neste momento.

A criança é um elemento fundamental no combate a este vírus e colocá-la em contacto com a importância do seu papel poderá ser um fator de motivação e incentivo às práticas de segurança, assim como para gerir emoções associadas ao isolamento.

Às vezes somos nós, os adultos, quem mais teme lidar com o emocional, e a criança acaba por copiar a nossa forma de lidar
Catarina Canelas Martins

4. Neste momento, a criatividade é uma das palavras de ordem e o tempo disponível em casa com os mais pequenos pode ser uma mais valia para investir em algumas atividades lúdicas, até no âmbito desta temática.

A Internet será um aliado fantástico onde poderão retirar ideias. Deixo algumas sugestões:

Ver imagens na Internet onde as crianças poderão ver como é o vírus, explicar o porquê do seu nome, desenhar;

 Podemos sugerir que reproduzam um cartaz com os ensinamentos que lhes passamos;

 Utilizar algum material que tenhamos em casa como purpurinas, especiarias, entre outros, para mostrar como o vírus contamina os outros e o ambiente à nossa volta se não aplicarmos as medidas de segurança, tornando menos abstrato o conceito de transmissão que poderá ser difícil de compreender;

 Aproveitar a tecnologia para contactar com amigos, avós e outras pessoas da nossa rede de suporte para que a criança sinta que é possível contornar os constrangimentos atuais e lidar com algumas emoções que possa estar a sentir;

Escrever um diário de bordo da família sobre como têm vivido cada dia, que possam consultar e recordar quando tudo isto passar;

Jogar jogos de tabuleiro;

Quando o isolamento não for obrigatório e existir essa possibilidade, dar pequenos passeios, correr, jogar, andar de bicicleta, em locais mais isolados (ou mesmo à porta de casa), pondo em prática os ensinamentos (não tocar nas maçanetas das portas, desinfetar as mãos, não cumprimentar ninguém com contacto físico, manter a distância de segurança, entre outros aconselhados);

Cozinhar em família! A cozinha pode ser muito divertida e um momento de relação fantástico, além de nos colocar em contacto com os vários sentidos.

5. As crianças estão habituadas a rotinas que lhes transmitem estrutura e segurança. Por esse motivo, poderá ser uma mais valia estabelecer uma rotina realista, onde se contemplem os vários momentos do dia (sono, alimentação, atividades escolares, atividades lúdicas).

Acerca deste tópico quero salientar duas questões. Vocês pais não têm superpoderes! Sejam flexíveis e compreensivos convosco próprios e realistas na hora de definir aquilo que querem fazer ao longo do dia. Sabemos que trabalhar remotamente a partir de casa com a família em casa não é de todo uma tarefa fácil. Se tem um companheiro, divida com ele o dia para que um possa trabalhar mais num momento e outro noutro.

O outro aspeto que quero salientar é a utilização de tecnologias por parte dos mais pequenos. Existem todas as teorias, mas sabemos que são uma poderosa arma de entretenimento (não só dos mais pequenos!). Aquilo que sugiro é que doseiem ao longo do dia ou reservem uma altura especifica para a sua utilização e as evitem à noite pois sabemos que poderá afetar o sono.

6. Ter esperança! O isolamento e o perigo de contágio não serão eternos. Devemos ter esperança, manter o pensamento positivo transmitindo isso mesmo aos mais pequenos e aproveitando para salientar aquilo que de bom têm também em poder passar mais tempo juntos, em família.

Em tempos de crise surge a oportunidade

Este é um momento de desafio, mas ao longo do meu percurso profissional tenho contactado com uma realidade incrível que é a capacidade de adaptação e resiliência do ser humano.

Somos dotados de uma enorme capacidade criativa e reconstrutiva e acredito que é isso que o mundo hoje nos pede. Reinvente-se! Não tenha medo de contactar com as suas emoções pois elas sinalizam algo e orientam o caminho.

Enquanto pais ou cuidadores, somos os exemplos para os mais pequenos e isso não deve nesta fase ser uma pressão acrescida, mas sim mais uma razão para nos mantermos mais conscientes das nossas emoções, sem desesperos ou pânico, para que possamos transmitir às nossas crianças a realidade da vida. Às vezes somos nós, os adultos, quem mais teme lidar com o emocional, e a criança acaba por copiar a nossa forma de lidar.

Encontrarmos um espaço adequado para expressarmos as nossas próprias emoções será fundamental, quer seja num telefonema a alguém que dê apoio, nas conversas com os nossos companheiros ou até mesmo procurando um especialista em saúde mental.

Catarina Canelas Martins, psicóloga Clínica e terapeuta Emdr, tem desenvolvido o seu trabalho nos últimos anos com famílias e adultos na Clínica de Psicologia e Coaching Learn2Be. Apaixona-a tudo o que envolva o bem-estar emocional e psicológico pois acredita que sem essa estabilidade e equilíbrio não é possível vivermos no nosso máximo potencial. Siga-a nas redes sociais Facebook e Instagram.