Relações e família

Crónica. A comunicação do casal: como comunicar melhor sem magoar o outro

É através da comunicação que partilhamos com o outro a nossa vivência emocional, que damos significado e sentido às nossas emoções, mas também como as perceções erróneas e tantas vezes bloqueadoras podem ser desfeitas. Contudo, a comunicação parece ser às vezes uma arte demasiado difícil para muitos casais.

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Crónica. A comunicação do casal: como comunicar melhor sem magoar o outro Crónica. A comunicação do casal: como comunicar melhor sem magoar o outro
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Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Set. 18, 2021

É através da forma como se tornam presentes um para o outro, através das palavras, dos gestos, de como se abraçam, validando-se, reconhecendo-se, como vão conjuntamente despindo-se dos medos que carregam na mochila, que vão aprofundando a relação, tornando-se esta numa ligação emocional profunda e idealmente segura para ambos. É desta forma que vão construindo a dois, passo a passo, uma verdadeira intimidade.

Mas é também nos silêncios, no virar de costas, nos suspiros de impaciência, no distanciamento emocional, no não escutar, no calar a voz, na ativação da raiva e da zanga, na frieza dos gestos e das palavras, que muitos casais acabam por tropeçar.

Aquele que um dia tinha o poder de nos levar ao céu, consegue também atirar-nos para o mais fundo dos buracos.

Padrões de comunicação no casal

Todos os casais discutem, mas se a conexão com o nosso parceiro for segura e forte, conseguimos lidar com esses momentos com maior sensibilidade e ultrapassá-los.

Caso contrário, o casal ficará preso em três padrões básicos de interação e comunicação e refém desta forma de comunicar, distanciando-se devagarinho. São eles:

Padrão 1

Neste padrão de comunicação, o casal por norma entra num processo de culpabilização mútua, de ataque e contra-ataque que distancia o casal, bloqueia o compromisso, assim como a criação de um espaço seguro.

Muitos casais entram neste padrão por curtos períodos de tempo, conseguindo resolvê-lo, mas tornam-se sucessivamente mais difíceis de saírem ao perpetuarem-se no tempo.

Os parceiros sentem que não podem confiar um no outro. Vão passando cada vez mais tempo na posição de proteção e defesa pessoal (defensividade relacional) e no contra-ataque.

A relação torna-se num lugar de enormíssima insegurança. Este é o ciclo: “quanto mais tu atacas, mais eu sinto que é perigoso e ameaçador. Quanto mais eu observo o teu ataque, mais duramente eu irei atacar de volta”.

Estes padrões de interação e comunicação bloqueiam a resolução de qualquer assunto que o casal procure discutir, assim como a conexão e intimidade profunda que queira construir
Sílvia Coutinho Sílvia Coutinho

Padrão 2

Neste padrão de comunicação, o casal entra num processo de protestar vs. evitar ou criticar vs. defender.

Este padrão surge como um protesto face à perceção de perda de uma vinculação segura e que todos nós necessitamos em qualquer relação. Ou seja, surge como um protesto face à perceção de perda de conexão emocional profunda com o(a) nosso(a) companheiro(a).

A perda de conexão com a pessoa amada é sentida no nosso corpo, através do sistema nervoso central, como um importante sinal de ameaça e perigo, ativando um gatilho que nos faz ou protestar e gritar as emoções (o parceiro grita, zanga-se, crítica o outro desesperadamente, na ânsia de conseguir de novo a ligação emocional que necessita, muitas vezes pelo medo do abandono) ou evitar as emoções (ao senti-las como perigosas, este parceiro evita, congela, fecha-se ao outro para manter e regular de certa forma o equilíbrio da relação, evitando assim o conflito e fechando-se à perceção de criticismo e ataque ao seu carácter de forma constante. Muitos casais evoluem e adotam formas de comunicação que entram no sarcasmo, no gozo e no desprezo face ao outro).

Os casais em consulta queixam-se do seu parceiro “que nunca fala”, que “têm um problema de comunicação” ou que se sentem verdadeiramente “sozinhos, “desvalorizados” , “frustrados” e “julgados” na relação. O casal fica preso no seu ciclo de interação e comunicação, refém do seu papel numa dança de protesto e evitamento.

Padrão 3: congelar e fugir

Normalmente, este padrão advém do padrão anterior, quando o casal não o consegue recuperar. Regra geral, os elementos da relação sentem-se sem esperança no restaurar da paz e da ligação emocional, começando por desistir, congelando as suas emoções e necessidades, restando apenas apatia e distanciamento na relação.

Por norma, o silêncio ou o distanciamento têm como função a proteção da relação, mas neste estádio, o silêncio poderá já ser indicativo de um sentimento de desvinculação face ao outro.

O amor é como uma dança. Nesta dança, movem-se dois bailarinos ao som de uma música
Sílvia Coutinho Sílvia Coutinho

Estes padrões de interação e comunicação bloqueiam a resolução de qualquer assunto que o casal procure discutir, assim como a conexão e intimidade profunda que queira construir, sendo sucessivamente mais difícil e doloroso para ambos à medida em que estas se tornam respostas habituais de interação, minando completamente a relação e bloqueando todas as possibilidades de reparação e reconexão.

Muitas destas estratégias advêm de lições que aprendemos no nosso passado e interiorizamos dentro de nós, seja com as nossas primeiras figuras de vinculação e afeto (a nossa família de origem), sejam amigos, relações vividas ou amores anteriormente amados e perdidos.

Todas nós caminhamos com uma mochila às costas, onde trazemos um sistema de crenças, de sonhos, mas também trazemos um imaginário em relação ao que consideramos cada uma de nós ser, um modelo referência de casamento ou relação. Uma espécie de guião que nos é bastante útil para sabermos como estar e viver numa relação ou mesmo como comunicar e resolver conflitos.

Acontece que muitas de nós trazemos estratégias bastante inseguras e ineficazes e que se tornam determinantes para a perceção da ausência de qualidade na relação.

Na verdade, o amor é como uma dança. Nesta dança, movem-se dois bailarinos ao som de uma música. Esta música são as emoções, o mundo interno de cada um dos bailarinos, e que procuram dar a conhecer e tornar presente ao outro: as suas necessidades emocionais (como a necessidade de sentir-se escutada, sentir-se amada, sentir-se valorizada ou sentir que pode contar verdadeiramente com o outro, que o outro está realmente aqui presente para si).

Contudo, muitas vezes, esta música não é escutada e os bailarinos vão dançando uma música cujos passos de bailado passam pela crítica e pela defensividade, pela zanga e pelo evitamento, tornando-os sucessivamente mais distante entre si neste palco que é a relação.

Comunicar melhor sem magoar numa relação

O primeiro passo para comunicar melhor sem magoar passa por ajudar os casais a reconhecer a sua música, o ciclo de interação no qual ficam muitas vezes presos sem conseguir sair e que distancia e destrói a relação.

Passa em primeiro lugar por fazer ver o casal como dançam e o que isso diz acerca da sua relação. Como (não) respondem um ao outro, às necessidades que são colocadas em palco, que “se eu te ataco, coloco-te numa posição defensiva e isso torna-te menos aberta, disponível e responsiva a mim” ou que “se eu me distancio e evito, coloco-te numa posição longe/separada de mim e sozinha, arrastando-te para uma posição de protesto, zanga e gritos desesperados pela nossa reconexão”.

É este o ciclo. É esta a forma de comunicar de tantos casais que acaba por se tornar reativa, escalada e tão destrutiva, e que tem na sua base necessidades de vínculo que desejamos e necessitamos de ver respondidas nas relações mais importantes da nossa vida.

Deste modo, pode ser importante que depois do casal conseguir perceber a sua dança, que consigam acalmar a música, de modo a melhor conseguirem escutá-la e serem adequadamente responsivos a ela. Ou seja, criar a segurança necessária para conversarem sobre as suas verdadeiras emoções e necessidades (e que não têm sido atendidas na relação) e alterar assim os seus padrões.

Por exemplo:

Quanto mais eu _____, mais tu _____ e então mais eu _____ e à volta deste ciclo andamos os dois.

Quando somos responsivos e nos vulnerabilizamos numa relação, toda a comunicação muda
Sílvia Coutinho Sílvia Coutinho

Os factos que levam os casais ao conflito poderão ser os mais variados (por exemplo, a educação dos filhos, a intromissão das famílias de origem na relação do casal, a sua vida sexual, as suas carreiras), contudo, na maioria das vezes, não estão na verdade a discutir as situações. Estão a discutir a relação, a forma como um ou outro (não) são responsivos às necessidades emocionais, como (não) estão a encontrar a solidez e a segurança na ligação emocional com o outro.

Aquilo que os casais verdadeiramente discutem nesses momentos é a forma como percecionam a acessibilidade, a responsividade e o compromisso emocional do outro para consigo.

Portanto, a melhor forma daquele casal comunicar, para além de passar por perceber a estrutura do seu ciclo, passa por entender de forma profunda as necessidades emocionais e de relação que estão subjacentes a ele, e onde apenas a responsividade emocional assente numa atitude de vulnerabilidade poderá retirar o casal desta dança destrutiva.

A responsividade e vulnerabilidade emocional tornam-se assim numa das linguagens de amor mais bonitas e que devem serem cultivadas entre todos os casais, tendo em conta que são um dos melhores indicativos do nível profundo e de confiança numa relação.

Quando o parceiro percebe o ciclo de interação, abranda o ritmo procurando regular-se emocionalmente e responder adequadamente às necessidades do outro, vulnerabilizando-se e arriscando-se a mostrar na relação. Desta forma, o parceiro escuta uma comunicação completamente diferente e reage nesse sentido.

Quando um e outro são responsivos, quando se vulnerabilizam e acolhem de forma carinhosa e com aceitação, o nível de confiança e perceção de segurança aumenta na relação. Assim, como a perceção de se sentir amado, realmente visto, escutado e acompanhado.

Na verdade, não existe intimidade emocional profunda numa relação, sem responsividade e vulnerabilidade emocional. Neste sentido, é verdadeiramente importante trabalhar aquela relação para estar preparada para receber o outro por inteiro, o outro tal e qual como é (imperfeito), que presenteia a relação com a possibilidade de um espaço para ambos existirem e serem com humildade e honestidade.

Quando somos responsivas e nos vulnerabilizamos numa relação, toda a comunicação muda. Procuramos estar atentas às necessidades verdadeiramente importantes do outro e admitimos que erramos, falamos também das nossas emoções mais difíceis, clarificamos o que necessitamos, damos o braço a torcer e crescemos. Crescemos a dois.

A relação expande, o amor aumenta, a segurança dentro da relação potencia e sentimos o poder de amar completamente diferente: amar com profundidade emocional e intimidade.

Sílvia Coutinho é psicóloga e terapeuta familiar e de casal. Em terapia, procura promover relações com maior conexão emocional, com famílias, casais e a nível individual. Adora refletir e escrever sobre as emoções mais profundas que todos sentimos quando nos relacionamos e acredita ser através destas relações, vividas de forma saudável, que conseguimos também individualmente potenciar o nosso bem-estar, equilíbrio e felicidade. Siga-a no Instagram.

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