Relações e família

Crónica. Ansiedade na relação amorosa: como arriscar e confiar

Enquanto lugares de vulnerabilidade e entrega, até os melhores relacionamentos poderão facilmente representar um terreno pantanoso de insegurança e ansiedade, ruminação, dúvidas constantes e medo de separação.

 

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Crónica. Ansiedade na relação amorosa: como arriscar e confiar Crónica. Ansiedade na relação amorosa: como arriscar e confiar
© Unsplash
Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Set. 19, 2023

Um inicio de uma relação traz para qualquer um de nós um lugar de euforia, excitação, mas também nos confronta com um leve toque de ansiedade.

No outro, vemos alguém que nos enche de esperança e felicidade por finalmente termos encontrado alguém tão interessante. Mas, por outro lado, atira-nos sem piedade para o contacto com os nossos medos e inseguranças, enchendo o nosso pensamento de dúvidas e ruminações.

Este nível de insegurança poderá ser normal mesmo em relações saudáveis e, provavelmente, desaparecerá com o tempo, à medida que a relação vai sendo construída e, com esta, uma base de confiança estrutural.

Contudo, para algumas pessoas, esta sensação de insegurança, o medo persistente e os pensamentos automáticos negativos de que algo mau vai acontecer não desaparecem e contaminam o dia a dia da relação com uma sensação de instabilidade e desconfiança constantes.

Tantas vezes o que mais desejamos é também, na verdade, o que mais tememos: intimidade.
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

A pessoa desconfia dos motivos, sentimentos, comportamento do outro, não confiando que este seja fiel e realmente envolvido emocionalmente na relação.

Poderemos perante estes sentimentos estar a falar de alguém que sofre de ansiedade relacional, que poderá fazer parte de um quadro de Perturbação de Ansiedade Generalizada.

Sabemos que pessoas que sofrem de ansiedade na sua vida, em relação a tópicos diversos no seu dia a dia, podem apresentar propensão para demonstrar ansiedade nos seus relacionamentos.

O que causa a ansiedade na relação amorosa?

Tememos, porque uma verdadeira intimidade representa autorevelação, representa mostrar-nos profundamente, olhos nos olhos, pele com pele, história com história, pessoa com pessoa.

Tememos porque representa despir-nos de todas as máscaras que fomos colocando para esconder as nossas fragilidades, as nossas necessidades emocionais mais profundas, os nossos medos mais aterradores: mágoa, traição, abandono, mentira, o perdermo-nos a nós mesmos e a nossa identidade. Tememos o amor e o que um crescimento emocional possa implicar.

Sentir medo ou insegurança é normal. Amar faz-nos pensar se temos capacidade de saltar do mais alto dos penhascos, na incerteza de ter algo para amortecer a queda. Na incerteza, tememos sempre cair indefesos e magoar-nos terrivelmente.

Tantas vezes o que mais desejamos é também, na verdade, o que mais tememos: intimidade.

Quando assim é, um abraço pode ser ameaçador. Pode representar um laço, um carinho, que me acrescenta, mas pode também representar um nó, que me engole e aniquila.

Pode representar presença, ligação e afeto, que nos faz sentir vivo e reconhecido, mas que tememos com enorme angústia perder.

A intimidade com alguém que nos é importante pode ativar ciclos antigos e familiares em que a proximidade é reconhecida como podendo conduzir ao abandono ou a abusos, originando medo de que também esta pessoa possa, neste lugar e momento da nossa vida, abandonar-nos ou abusar de nós. Estes medos poderão originar enormíssima insegurança e ansiedade nas relações.

As experiências moldam os nossos medos que trazemos para outras relações, nomeadamente através de pensamentos ansiosos.
Sílvia Coutinho, psicóloga Sílvia Coutinho, psicóloga

Esta ansiedade remete para o medo de que algo possa acontecer no futuro, visualizando-o sempre a partir de uma lente negativa ou catastrófica.

Muitas vezes, esta lente do medo face ao futuro, parte sempre de um eco, que chega ao momento presente, do nosso passado.

Assim, estes medos futuros falam de experiências que já aconteceram na vida daquela pessoa. As experiências moldam os nossos medos que trazemos para outras relações, nomeadamente através de pensamentos ansiosos (pensamentos automáticos negativos).

A história da nossa vinculação poderá desempenhar um papel de enorme importância na ansiedade que sentimos na nossa relação.

 

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Da mesma forma que as nossas anteriores relações românticas poderão moldar os nossos sentimentos de segurança, perigo e vulnerabilidade, também as nossas relações primárias podem desempenhar um papel significativo perante o que nos atrai e nos ligamos, como também na forma como nos sentimos e agimos nas nossas relações.

As experiências da nossa infância constroem a nossa história e essa história ressoa por toda a nossa vida.

Para construir um vínculo seguro, futuramente, na idade adulta, necessitamos de cuidadores que sejam atentos, contentores, responsivos perante as nossas necessidades emocionais, previsíveis, emocionalmente regulados e deslumbrados perante a nossa presença.

Quando não tivemos estas condições, poderemos ter-nos sentido inseguros nessas relações e esta sensação de falta de segurança poderá acompanhar-nos ao longo da nossa vida e das nossas relações.

A ausência de cuidadores responsivos e que tenham demonstrado o prazer e alegria da nossa presença, condiciona a forma como nos percecionamos e nos amamos, ou seja, a nossa autoestima.

Por seu lado, a nossa baixa autoestima consiste na experiência emocional interna de autojulgamento, elevada crítica interna, sentimento de insuficiência constante, inferioridade e inadequação mediante comparação externa.

Uma autoestima negativa apresenta um peso preponderante na ansiedade relacional, mediante uma sensação do nosso mundo interno estar desprotegido ou em perigo. Podemos encontrar, de forma muito frequente, medos, pensamentos e dúvidas constantes, como:

necessidade constante de analisar o companheiro,
medo do abandono,
preocupação com os sentimentos do parceiro em relação a si,
início de conflitos como forma de testar e comprovar o amor do companheiro por si,
necessidade constante de validação e reassegurar o sentimento de amor – codependência emocional,
dúvidas sobre a compatibilidade na relação ou sentimentos de crítica em relação ao parceiro,
sabotagem da relação,
incerteza sobre os sentimentos do parceiro em relação a si.

Todos estes sentimentos e ações conduzem a um lugar de hipervigilância, procurando potenciais sinais de perigo do mundo externo e da nossa relação.

O que fazer para superar a ansiedade relacional na relação amorosa?

Teimamos tantas vezes na nossa perfeição pessoal, do nosso mundo e das nossas relações.

Legitimamos, por isso, exigências e controlos para nosso próprio consolo e perceção de segurança interna, arrecadando informação acerca do outro como autênticos veredictos inalteráveis e mantendo-nos à parte do nosso próprio trabalho pessoal de reformular e reprocessar as nossas experiências traumáticas e prosseguir o nosso caminho de forma mais segura.

Procurar superar a ansiedade relacional remete para um trabalho de responsabilidade pessoal sobre nós mesmos em primeiro lugar.

Aceitar que o medo estará sempre presente

Uma das maiores certezas da vida é que o medo nos poderá acompanhar ao longo da nossa jornada. Contudo, poderá ser uma dificuldade ocasional que devemos aprender a gerir, para que o terror da perda não se torne no princípio que rege a nossa vida.

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Poderá ser importante trazer a consciência dos nossos próprios processos, crenças e medos. Olharmos de frente para estes com curiosidade e autocompaixão pelo lugar de medo, terror e insegurança que possamos sentir.

Afinal, este fez – ou ainda faz – parte da nossa história, devendo-se certamente a uma boa razão.

Praticar o autoconhecimento

Observar curiosamente se existirá eventuais gatilhos que amplificam os sentimentos, colocar a intenção de observar os pensamentos ansiosos, ajuda-nos a sentirmo-nos presentes e obter maior consciência sobre os sentimentos.

Fazer journaling e escrita livre quando observamos que a nossa ansiedade poderá ser um processo que permite o desenvolvimento da nossa consciência.

Aumentar o nosso nível de consciência permite cultivar um sentimento de segurança e calma no nosso corpo, sendo necessário aprender a regular as emoções para que seja possível, posteriormente, transformar os pensamentos e narrativas.

Pedir ajuda

Se a ansiedade relacional é persistente, poderemos considerar trabalhar com um terapeuta, desenvolver mais sobre a sua própria historia relacional, os seus padrões de comportamento e suportar o processo de construção de autoestima e segurança nas relações.

Contudo, poderá ser importante treinar uma atitude gentil de tentativa de nos permitirmos soltar desse lugar para não nos agredirmos mais ou não magoar mais as relações importantes da nossa vida e arriscar confiar.

Aprender a confiar

A história da nossa confiança pessoal é essencial para nos compreendermos, mas também para crescermos de forma madura na intimidade com o nosso parceiro.

Arriscar confiar talvez tenha a sua origem numa capacidade de olhar e sentir que as intenções do outro são gentis e positivas.

Devemos aprender a confiar na integridade do outro, aceitando que não age de modo a infligir dor e sofrimento. Embora saibamos que possamos sempre magoar-nos, de acordo com as circunstâncias que possam ocorrer entre nós, podemos fazê-lo ao observar a forma como cuida e nos ama genuinamente:

não retalia,
não usa o tratamento do silêncio,
não recorre à violência,
não guarda rancor.
responde-me com cuidado às minha necessidades emocionais,
apoia-me quando preciso,
mantém acordos e compromissos,
permanece fiel,
não mente, nem tem uma vida secreta,
preocupa-se genuinamente comigo,
está aqui para mim,
é genuíno e autêntico,
respeita os meus limites.
compromete-se em ser honesto sobre os seus erros e pede desculpas quando necessário, mais do que estar num lugar de defensividade.

Alguém que não consegue admitir que estava errado e, em vez disso, insiste, em voz alta, que o seu comportamento cruel foi justificado, não é certamente um bom candidato para uma verdadeira relação de intimidade.

Confiar em alguém talvez signifique que conseguimos trabalhar em nós uma segurança em que não existe mais a necessidade de sentir medo e temor. Em que não temos mais que nos defender e proteger, porque confiamos, acima de tudo, nos recursos que temos em nós para lidar caso sejamos magoados.

Arriscar confiar no outro significará, sempre, acima de tudo, confiar no mais profundo de nós mesmos, nesta nossa capacidade de nos mantermos nos nossos próprios pés, sem nos abandonarmos, de transformar qualquer coisa ou situação negativa em algo bom ou construtivo, seja crescimento emocional ou aprendizagem.

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