Nada é mais importante nas nossas vidas do que as relações. São elas que determinam a qualidade da nossa vida, garantindo um bom funcionamento do nosso sistema imunológico, mantendo-nos vitais e criativos.
Não obstante, todos os casais têm conflitos. Mesmo os relacionamentos saudáveis. É inevitável e até fundamental que aconteça. Tem aspetos funcionais e até positivos, como permitir o trabalho do processo de vulnerabilidade e aprofundar a intimidade emocional.
Contudo, mais importante que o conflito, é a reparação emocional. Quando discutimos e não fomentamos a reparação emocional da discussão, abrimos espaço para a desconexão do casal.
Quanto mais tempo uma discussão fica sem reparação, maior a probabilidade de o casal se retirar para o silêncio de pedra, ressentimento e desprezo.
Por outro lado, mais importante que o conteúdo do conflito, é a forma como este é gerido.
Habitualmente, as questões mais profundas do dia a dia dos casais impulsionam a escalada comunicacional e a discussão, e, raramente, estas são sobre o conteúdo das discussões.
Falo, por exemplo, da toalha do banho que se deixou em cima da cama, das tarefas domésticas, educação dos filhos, situação financeira. Por norma, o conflito não são sobre estas questões, mas sim sobre a forma da discussão.
Porque discutem os casais?
Quanto maior a intimidade emocional com a outra pessoa, mais provável será o surgimento de situações que despoletam emoções e que ativam as nossas defesas primárias.
Percecionamos (o nosso corpo sinaliza precisamente dessa forma) como um momento de ameaça, perigo, desconexão, ficando presos e reféns de um ciclo, tantas vezes, aparentemente interminável.
Os gatilhos exacerbam os nossos sentimentos de abandono e fracasso. Quando esses gatilhos se acumulam com o tempo, criam uma lente através da qual lemos cada situação.
Muitas vezes, nas situações de conflito, consideramos que apenas um dos elementos poderá estar certo (obviamente, nós), em vez de aceitarmos que existe outra pessoa ao nosso lado que tem uma outra perspetiva, com uma experiência completamente diferente, face ao mesmo problema.
Por outro lado, temos a tendência de procurar evidências que reforcem os nossos pontos de vistas ou as nossas crenças, desconsiderando as evidências que as desafiam, assim como tendemos, nesses momentos, a atribuir negativamente características ao outro.
“Se não me ouves em determinados momentos que preciso, é porque és uma pessoa desligada, que não queres saber de nada à tua volta”.
Cometemos ainda, muitas vezes, o erro de considerar que o que sentimos em determinada situação é um facto real e não um reflexo de uma experiência que vivenciamos numa determinada situação.
Por outro lado, em situações de conflito, utilizamos, muitas vezes, palavras como “sempre” ou “nunca”. Outro erro. Estas palavras tendem a deixar o outro sem a possibilidade de refutar o que dissemos sobre ele.
Ao sentir-se atacado pelas nossas ofensas, tende a entrar automaticamente em defensividade, uma vez que ninguém gosta de ser definido desta forma por outra pessoa.
A crítica crónica na relação desencadeia situações de conflito profundo. Embora a crítica seja muitas vezes um reflexo de um desejo que não é comunicado, tende a despoletar no outro a sensação de insuficiência, de incapacidade e de frustração, empurrando este para um lugar de desprezo, humilhação e de distanciamento.
Deste modo, se fizéssemos uma pausa nesses momentos de conflito, iríamos verificar que todos discutimos sobre três razões principais:
Poder e Controlo
Pode assemelhar-se a:
• “É sempre à tua maneira!”;
• “Só fazemos sexo quando tu queres!”;
• “Desautorizas-me diante das crianças!”.
Cuidado e Proximidade
Pode assemelhar-se a:
• “Sou sempre eu quem toma a iniciativa de enviar mensagens ou ligar. Tu raramente o fazes!”;
• “Nunca estás quando mais preciso de ti.”;
• “Nunca queres fazer sexo!”.
Respeito e Reconhecimento
Pode assemelhar-se a:
• “Gostava que me avisasses quando acontecem situações de atrasos no teu trabalho!”.;
• “Nunca reconhecesses as minhas concretizações profissionais!”.
Aprendemos a discutir com a nossa família de origem. Aprendemos face ao quanto nos possamos ter sentido mais ou menos escutados, mais ou menos compreendidos ou validados, definindo, desta forma, a maior reatividade de alguns elementos ou, pelo contrário, um maior evitamento, no momento presente das nossas relações amorosas.
O amor é uma dança e, sem darmos conta, vamos arquitetando inconscientemente uma coreografia muito própria na nossa relação que vai definindo-se em padrões relacionais.
Sair destes padrões relacionais disfuncionais é como um processo de desconstrução, de desmontar dinâmicas enraizadas, revertendo-as a cada micromovimento do casal.
Todos os casais experienciam movimentos de conexão vs desconexão. Contudo, muitos ficam paralisados na desconexão sem saber como criar novos movimentos de reconexão e fortalecer a partir daqui a sua intimidade e não em quebrá-la.
Como podem os casais discutir melhor?
Sabia que, em situações de conflito, temos apenas a capacidade de ouvir um parceiro infeliz/zangado durante apenas quatro frases? Após este tempo, começamos a preparar na nossa cabeça a nossa defesa e refutação ao que está a ser dito. Ou seja, acabamos por ouvir para retorquir.
Para construirmos uma nova dinâmica relacional, será importante trazermos os nossos sentimentos, permitindo igualmente um espaço consciente para a perspetiva do outro.
Criar novos padrões implica construir uma autoconsciência mútua, assim como um lugar de afirmação dos dois elementos, sendo esta a chave para melhorar a nossa dinâmica relacional.
Neste sentido, poderemos perguntar ao nosso companheiro se está disposto a ouvir o que temos para comunicar. Obter a sua permissão permite perceber se naquele momento também ele estará disponível para conversar.
Caso não esteja disponível, aguardamos e combinamos um horário ou ocasião possível, num momento em que este se encontre menos ativado emocionalmente.
Quando ambos se encontram disponíveis emocionalmente para conversar, poderemos então iniciar os passos para a resolução do conflito:
Passo 1
Indicar o que viu/ouviu sobre um determinado evento – “Isto é o que aconteceu”. Certifique-se de que, ao expressar o que aconteceu, aponta os factos e mantém-os comportamentais.
Mesmo essa breve partilha de factos pode tornar-se argumentativa, caso utilize a culpabilização do outro. Se o seu parceiro ficar na defensiva, lembre-o de que esta é sua experiência subjetiva. Cada um pode experienciar de forma diferente entre si.
Também o seu companheiro deverá ter a oportunidade de partilhar a sua experiência mais tarde.
Passo 2
Indicar a história que contou a si mesma sobre isso – “Esta é a minha hipótese”.
Esta etapa permite trazer ao casal a possibilidade de conversar sobre assuntos difíceis. Por exemplo, poderá comunicar: “Disseste-me que estarias em casa às 7h e não estavas. A história que contei a mim mesmo é que não te importas comigo e que teu tempo é mais importante do que eu ou do que nós.”
Passo 3
Indicar como se sentiu sobre isso. Indicar as suas emoções: “alegria, tristeza, raiva, medo, mágoa, amor, vergonha, solidão”.
Iniciar com “eu sinto…” poderá ajudá-la a não culpabilizar o outro ou a não utilizar palavras como “tu sempre…” ou “tu nunca…” e que muitas vezes deixam o companheiro na defensividade.
O parceiro magoado poderia dizer “estou com raiva”, mas pode ser mais útil se utilizar a emoção mais profunda e vulnerável: “Sinto-me triste, porque sinto a tua falta” ou “ Tenho medo de que chegares atrasado se torne num padrão e não tenhamos mais tempo e disponibilidade um para o outro”.
Estas frases transmitem sentimentos primários que podem provocar compaixão e compreensão de um parceiro.
Passo 4
Indicar a sua necessidade ou o que o seu parceiro poderia fazer no futuro e que a faria sentir-se melhor – “Isto é o que eu gostaria/preciso”.
Este é provavelmente o passo mais importante, porque, na verdade, consiste na reparação emocional. Esta etapa coloca a solicitação em termos comportamentais específicos.
É algo diferente do que fazer uma exigência. Permite ao outro elemento compreender claramente as suas necessidades e honrá-las.
Por exemplo: “Senti-me ignorada. Numa situação semelhante, futuramente, gostava que me ligasses caso te atrases. É importante para mim!”.
Desta maneiro, procuramos transmitir os nossos pensamentos e sentimentos, sem culpabilizar o outro, mantendo o foco no comportamento e não no carácter do nosso companheiro, como muitas vezes acontece durante um conflito.
A importância da reparação emocional
Todas as relações saudáveis e felizes têm momentos de discordância mútua. Todas. Seja em maior ou menor grau.
Alguns casais discutem de forma eloquente, tal e qual a forma como se amam. Outros, conseguem ser mais serenos e comedidos na forma como debatem argumentos, perspetivas e sentires.
Seja como for, o ciclo de conexão, desconexão e reconexão existe em todos os casais. Contudo, muitos casais sentem-se paralisados por não saberem como reparar essa desconexão, a desarmonia ou a distância existente após um conflito.
Muitos casais permanecem reféns na mágoa e no ressentimento ou mesmo no medo de admitir a sua derrota ou culpa perante a ação. Apegam-se, assim, à sua posição, como se o contrário simbolizasse uma total admissão de falha pessoal.
Alguns de nós têm dificuldades em estar num lugar de vulnerabilidade e portanto longe do lugar de perfeição.
Nesses momentos, são inúmeros os casais que tomam consciência da sua dificuldade de comunicação efetiva. Ou seja, da sua dificuldade em se reconectar ou reparar os momentos de tensão e crise.
Tomam consciência da sua dificuldade em comunicar de forma vulnerável. Em falar das suas emoções. Em estarem despidos de si, a construir um caminho de regresso um ao outro.
Muitos de nós viveram esses momentos de reparação e pedido de desculpa como algo vergonhoso (no passado) e não como algo leve e com enorme potencial relacional de crescimento a dois.
Contudo, quando reparamos a desarmonia, quando procuramos reparar a distância, mágoa ou dor, estamos a colocar a relação em primeiro lugar.
Se existissem legendas nesses momentos, estaríamos a comunicar que aquela relação é de facto importante e significativa para nós. Que estamos a agarrar na nossa responsabilidade afetiva e a trazê-la para a relação, dizendo que nos importamos connosco, mas também com quem amamos.
A reparação emocional implica responsabilidade afetiva. Implica consciência pela nossa parte, pela nossa ação. Implica olhar e assumir a responsabilidade pelo nosso comportamento. Implica o reconhecimento do impacto que essa ação provocou na outra pessoa.
Isto não exige a validação por parte do outro. A reparação existe apenas por si. Pela consciência de trabalhar e nutrir a relação, determinando o sucesso e a longevidade de uma relação.
A reparação envolve redenção (rendermo-nos, entregarmo-nos, como um ato de partilha ao outro), o que tem uma força tremendamente poderosa na relação, nomeadamente de estabelecer a reconexão e reparar verdadeiramente a mágoa e a dor.
Neste sentido, a reparação emocional não é um final de um caminho, é todo um processo de cura relacional.